Pesquisadores australianos analisaram a eficiência e a utilidade de um cargo acadêmico estabelecido nas universidades do país desde 2007 cuja missão é disseminar boas práticas científicas: o consultor em integridade de pesquisa. Atualmente, estão em atividade cerca de 750 instrutores, vinculados ao organograma de mais de uma centena de instituições de ensino superior na Austrália e recrutados entre os cientistas das próprias universidades. Eles estão disponíveis para dar orientação a colegas e a estudantes sobre quaisquer temas relacionados à integridade, como as normas que regem a autoria de um trabalho científico ou o que fazer em situações de assédio ou de conflito de interesses. A função foi estabelecida há 16 anos pelo Código Australiano para a Conduta Responsável da Pesquisa e sua natureza é exclusivamente consultiva. Eles estão lá para dar conselhos, não para investigar ou julgar suspeitas de má conduta, embora sejam obrigados a relatar eventuais violações ao código a instâncias superiores.
De acordo com o levantamento, divulgado no final de julho na revista Accountability in Research: Ethics, Integrity and Policy, o saldo da experiência australiana é desigual. Um questionário respondido por 192 conselheiros mostrou que uma parcela das universidades dá pouco apoio aos consultores e eles, embora considerem seu trabalho produtivo, são menos utilizados do que poderiam. Treze por cento deles disseram não ter recebido nenhum tipo de treinamento para exercer a função. “Várias instituições australianas parecem não estar em conformidade com a política nacional de integridade”, afirmou o estatístico Adrian Barnett, o autor principal do estudo, em seu perfil na rede profissional LinkedIn – Barnett é professor da Universidade de Tecnologia de Queensland e assina o trabalho com colegas das universidades de Newcastle e Bond. O estudo constatou que duas instituições descumprem a legislação e não dispõem de consultores. Em outras, o cargo parece ter sido criado apenas como uma formalidade. Um dos entrevistados só descobriu que fora nomeado para a função depois de ser procurado pelos pesquisadores para responder ao questionário.
Mas várias instituições investiram seriamente nesses profissionais, a exemplo das universidades James Cook, de Queensland, de Newcastle, de Adelaide, entre outras. Muitos entrevistados classificaram seu trabalho como rico e produtivo. “Quatro vezes por ano eu me reúno com meus colegas conselheiros e apresentamos casos uns aos outros de forma anonimizada. E isso é um grande aprendizado”, relatou um deles. Na avaliação dos consultores, a orientação que fornecem é proveitosa: 58% relataram que seu trabalho foi útil “na maioria das vezes” e só 2% disseram não ter sido capazes de ajudar. Os consultores se dizem pouco requisitados – em média, dedicam menos de um dia por mês aos afazeres da função. “Não sou consultado com frequência, mas, quando isso acontece, acredito que as respostas ajudam quem busca aconselhamento e evitam que uma situação negativa se agrave”, disse um deles. Alguns se queixaram da complexidade da tarefa. “As situações envolvendo desequilíbrios de poder costumam ser extremamente complicadas”, afirmou um dos consultores.
O relato dos conselheiros permitiu identificar os temas em que alunos e pesquisadores mais carecem de orientação. O assunto mais corriqueiro, reportado por 83% dos consultores, envolve quem deve assinar como autor um artigo científico – e situações em que a atribuição de autoria é duvidosa. Em seguida, aparecem desafios relacionados ao trabalho em colaboração, além de relatos de práticas questionáveis, de conflitos de interesse, de supervisão inadequada e de impasses no compartilhamento de dados. Já o tema de interesse menos frequente foi o assédio sexual, provavelmente porque há outras instâncias encarregadas de lidar com o problema, que é bastante prevalente nas universidades australianas (ver Pesquisa FAPESP n° 316).
Outra conclusão do estudo é que há muito espaço para melhorar. Cerca de 80% dos entrevistados concordaram que seu papel deveria ser mais ativo e incluir a promoção de boas práticas, em vez de apenas apoiar pesquisadores com dúvidas. Por volta de dois terços deles corroboraram a ideia de que é preciso divulgar de forma mais efetiva o trabalho dos conselheiros para estudantes e docentes. Uma limitação apontada pelos autores do estudo é o fato de os mentores serem cientistas seniores que muitas vezes ocupam cargos executivos em suas instituições, como a Pró-reitoria de Pesquisa, circunstância que poderia inibir colegas mais jovens de exporem conflitos com receio de sofrer prejuízos na carreira. Uma sugestão para aperfeiçoamento do sistema, segundo Barnett e seus colegas, seria o modelo adotado na universidade holandesa de Delft, que dispõe de conselheiros vinculados a outras instituições.
A Austrália foi pioneira ao disseminar a figura dos consultores em integridade científica, mas não é o único país a adotar esse tipo de estratégia para promover boas práticas e criar um ambiente seguro para discutir dilemas éticos nas instituições de pesquisa. Algumas universidades da Dinamarca, como a de Aarhus, e do Reino Unido, como a de Glasgow, na Escócia, e o King’s College London, na Inglaterra, também contrataram recentemente consultores desse tipo. A Agência de Integridade em Pesquisa de Luxemburgo instituiu a figura desses mentores, enquanto o Conselho Nacional de Integridade Científica da Finlândia vem treinando consultores encarregados de atuar nas universidades do país.
Em 2017, a França aprovou uma legislação que permitiu às universidades nomear oficiais de integridade científica, pesquisadores independentes, não vinculados aos processos de decisão nas instituições. Há dois anos, o trabalho desses oficiais foi regulamentado: eles estão incumbidos de promover condutas responsáveis de pesquisa, de monitorar eventuais desvios e de notificar casos suspeitos à direção da instituição. Em um estudo publicado neste ano na revista Accountability in Research Ethics, Integrity and Policy, Nicolas Deniau, da Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines, entrevistou 11 oficiais de integridade escolhidos recentemente por escolas médicas francesas e concluiu que eles desempenham sua missão de forma ativa. “Esses oficiais enfatizam seu papel independente e buscam ser facilitadores de uma condução responsável da pesquisa”, escreveu Deniau. Segundo o autor, os resultados obtidos são animadores sobre o impacto potencial dos oficiais na promoção da integridade.
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