O Brasil começa a desempenhar um papel relevante na pesquisa em óptica difrativa. Esse segmento da Física usa técnicas que modificam um feixe de luz para criar uma nova fonte luminosa. Com isso é possível desenvolver tecnologias para fabricar novos microcircuitos optoeletrônicos, como fotodetectores de câmaras fotográficas digitais, além de confeccionar hologramas impressos em cartões de crédito, por exemplo, ou ainda criar imagens artísticas e publicitárias.
O reconhecimento internacional nessa área foi para um trabalho em conjunto de dois grupos de pesquisadores, um da Escola de Engenharia Elétrica de São Carlos (EESC) e outro da Escola Politécnica, ambos da Universidade de São Paulo (USP). Eles ganharam, em junho, o primeiro lugar na categoria Divisão Artística da versão 2000 do Diffractive Beauty Contest (Concurso de Beleza Difrativa), realizado em Quebec, no Canadá, e promovido pela Optical Society of America (OSA). O trabalho intitulado Elemento Óptico Difrativo com Modulação de Amplitude Complexa foi coordenado pelo professor Luiz Gonçalves Neto, docente das duas escolas.
Os dois grupos estudam os Elementos Ópticos Difrativos (EODs), que são superfícies ópticas com microrrelevos capazes de modificar as propriedades de um feixe de luz por meio do atraso de sua propagação no espaço. O controle da luz, nesse caso, é realizado pelos microrrelevos gravados na superfície do EOD que funcionam como obstáculos para o feixe luminoso. Essa é a principal diferença entre elas e as lentes comuns que têm superfícies lisas produzidas por abrasão ou polimento.
O dispositivo mostrado no Canadá proporcionou as melhores imagens geradas até aquele evento com essa tecnologia, além de a equipe ter demonstrado capacidade intelectual e tecnológica para elaborar os EODs. No evento, o grupo também apresentou novas propostas de cálculos para a confecção desses dispositivos.
Entre filas e patentes
A inovadora técnica desenvolvida e reconhecida no concurso da OSA foi materializada na projeção de duas imagens, uma borboleta e uma cabeça de águia, com a utilização de um feixe de luz laser. Elas chamaram aatenção do público especializado presente na mostra, provocando até a formação de uma fila para a observação das imagens. Depois desse sucesso no Canadá, Gonçalves começou a preparar um pedido de patente para os novos EODs e a publicação dos resultados nas revistas Optics Photonics News e Applied Optics , editadas pela Optical Society of America.
O desenvolvimento de todo esse processo conta com recursos da FAPESP para o projetoImplementação de Miroelementos Ópticos Difrativos, que se desenvolve no âmbito do Programa Jovens Pesquisadores, com o aporte financeiro de R$ 32 mil e US$ 33 mil. Esse programa oferece financiamento para auxílio de infra-estrutura e bolsas para pesquisadores recém-saídos do doutorado que demonstrem competência para conduzir projetos de pesquisa. Outra função do Programa é abrir novas áreas de pesquisa e ajudar a inserir o novo pesquisador nas tradicionais instituições acadêmicas. Com isso o programa possibilita a criação de novos núcleos de estudo, como os dois grupos que estudam óptica difrativa em São Carlos e na Poli, em São Paulo.
Gonçalves chefia há três anos o Grupo de Microóptica, da EESC. Ali, sob sua orientação, um grupo de pesquisadores iniciou, há dois anos, projetos de pós-graduação nessa área. Entre eles, Patrícia Cardona e Giuseppe Cirino. Participam também como coordenadores os professores Ronaldo Domingues Manzzano e Patrick Verdonck, do Laboratório de Sistemas Integráveis da Poli-USP.
Alumínio nas placas
Foi trabalhando com técnicas e ferramentas que possibilitam o controle dessas ondas que Gonçalves chegou à formulação de algo novo. “Elementos Ópticos Difrativos são conhecidos há pelo menos 25 anos. A novidade que descobrimos foi a formulação de um jeito novo de aplicar alumínio nas placas dos EODs. Essa inovação provocou uma grande diferença com as tecnologias existentes até aqui. Conseguimos uma forma de controlar não apenas a modulação da fase de uma frente de luz, mas também, de forma simultânea, a modulação de sua amplitude (modulação da intensidade luminosa)”, informa Gonçalves.
Frente de luz ou frente de onda é um conceito em óptica que descreve as superfícies formadas pela junção de pontos no espaço com uma mesma fase (atraso da luz em relação a uma referência no espaço). Já a difração é a interação (desvio) das frentes de onda com obstáculos, que são os microrrelevos existentes na superfície dos EODs, de dimensões próximas a um comprimento de onda. Uma aplicação potencial desses conceitos que se materializam nas pesquisas dos dois grupos da USP é a possibilidade de melhorar a qualidade dos telescópios ópticos.
A ampliação do estudo e da aplicação da óptica difrativa no desenvolvimento tecnológico industrial tem causado uma procura crescente por pesquisadores e por projetos saídos de núcleos avançados de pesquisa. Uma grande empresa multinacional, por exemplo, procurou o Laboratório do Grupo de Óptica da EESC-USP para estudar possíveis aplicações dos novos métodos de difração das ondas de luz. Uma boa idéia nessa área é capaz de economizar alguns milhares de dólares. “A óptica difrativa contém tecnologias novas que eliminam etapas no processo de construção de elementos ópticos”, afirma o professor.
Razão estratégica
O primeiro trabalho nesse campo foi publicado, em 1965, pelo norte-americano Alfred Lohman, que utilizou esses princípios na realização de hologramas por computador. Mais tarde, o governoamericano decidiu investir recursos nessa área por razões estratégicas, sobretudo bélicas, na adoção de visão artificial mais precisa para a interceptação de alvos por meio de mísseis. “Hoje, a indústria óptica e a eletrônica de uma maneira geral começam a utilizar essa tecnologia”, diz Patrícia. Detectores de distância a laser e até “visão de robôs” estão sendo implementados com essa tecnologia.
Há centenas de usos para as técnicas de difração, explica Gonçalves. Todas dependem de um Elemento Óptico Difrativo. Na forma bruta, esse dispositivo parece uma bolacha redonda de vidro. Mas são muito mais do que aparentam conter. São lâminas redondas de dióxido de silício, com espessura de 1 milímetro, sobre as quais são gravadas informações em medidas extremamente reduzidas, que obedecem a especificações determinadas em mícrons, proporcionais ao comprimento de onda utilizado. “Por ser necessário introduzir apenas um atraso de fase em cada região da frente de luz incidente, os Elementos Ópticos Difrativos são mais finos e leves do que todo material com característica refrativa, como as lentes comuns que utilizamos nos óculos e nos aparelhos fotográficos”, explica.
Essas características tornam o processo de produção de uma bolacha dessas em algo muito parecido com o que ocorre na fabricação de circuitos eletrônicos digitais, que são sempre processados em minúsculas estruturas, como os diversos tipos de chips fartamente utilizados, por exemplo, nos computadores. As técnicas de gravação das microinformações sobre os revelos existentes num EOD são basicamente as mesmas usadas na montagem daqueles circuitos, ou seja, litografia óptica, corrosão por plasma e litografia por feixe de elétrons. Um dos pontos de apoio da Escola de Engenharia da USP é a Fundação Centro Tecnológico para Informática (CTI), localizada em Campinas, que fabrica as máscaras necessárias para a materialização dos microelementos ópticos. A CTI tem três institutos (computação, automação e microeletrônica) nos quais são realizadas etapas cruciais no processo, tais como prototipagem (desenho) de circuitos integrados e microssistemas, microusinagem e máscaras fotolitográficas e o empacotamento eletrônico, entre outros.
Vitória da equipe
O próprio Gonçalves reconhece: “Para participar do evento em Quebec saímos do zero. Eu tinha o conceito escrito e alunos de doutorado trabalhando no projeto. Montar tudo, testar, remontar no Canadá e fazer tudo de novo foi um belo trabalho de equipe. Fizemos todo o trabalho em duas semanas”. Trabalhar com esses dispositivos controladores da onda de luz representa um desafio extra porque a imagem resultante sempre foi irregular, com um padrão baixo em termos de definição, principalmente se comparada ao conceito de imagem gerada pelo cinema ou pela televisão. No concurso ganho pela equipe brasileira, o dado diferenciador, em relação à imagem, foi justamente o padrão de qualidade que nunca havia sido obtido em tal medida.
Mais do que o uso correto de bons equipamentos, os microelementos difrativos também dependem de inúmeros cálculos. Esse ponto também constitui uma dimensão especial do avanço conseguido. “Na verdade, não revolucionamos os cálculos, pelo contrário, quanto mais conseguirmos tornar o processo funcional e flexível, mais simples eles se tornam. Sempre digo aos meus alunos que se eles não sabem cálculo e o processo de fabricação a fundo para saber onde podemos introduzir uma simplificação, podem esquecer o assunto”, relata Gonçalves.
Dominada a técnica de construção dos EODs, o país se capacita a realizar processos como filtragem óptica, modelagem da luz laser e até mesmo a construir hologramas por computador de melhor qualidade. Entretanto, segundo os estudos da equipe, os custos, hoje, representam um entrave respeitável nesse campo. Os investimentos industriais são altos. “A montagem de um laboratório de pesquisa de porte, equipado para proceder a caracterização dos materiais utilizados, além da fabricação, dos testes e da mão-de-obra especializada, atinge a cifra de US$ 1 milhão.”
Separar canais
A correção de telescópios ópticos talvez seja a mais comezinha das possibilidades de uso dessas novas técnicas difrativas, afirma o professor. “É um campo de trabalho que está sempre se ampliando”, acredita Gonçalves. Uma das áreas beneficiadas é a indústria de telecomunicações. Elas precisam usar dispositivos como demultiplexadores em redes de fibras ópticas, para tornar mais segura e eficiente a separação de informações ao longo desses tipos de rede.
Os demultiplexadores são dispositivos que separam vários canais de informação existentes num determinado meio. Servem para separar os vários comprimentos de onda transmitidos por uma fibra, por exemplo.Após esse primeiro reconhecimento internacional, os dois grupos da USP voltam a se embrenhar nos estudos de óptica difrativa, uma área que está apenas começando a se desenvolver.
PERFIL
Luiz Gonçalves Neto, 38 anos, formou-se em Engenharia Elétrica na Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Fez mestrado no Instituto de Física de São Carlos, também da USP. Doutorou-se na Universidade Laval, em Quebec, Canadá.
Projeto
Implementação de Microelementos Ópticos Difrativos
Investimento
R$ 32 mil e US$ 33 mil