No dia 19 de outubro de 1976 três carros saíram do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP), percorreram 8.500 quilômetros através de nove estados e voltaram ao ponto de partida 23 dias depois. Aparentemente comuns, o Dodge Polara 1800, o Fusca 1300 e o Gurgel Xavante causavam espanto no momento do abastecimento: todos funcionavam com álcool, em vez de gasolina. Os carros faziam parte da Caravana Pró-Álcool, nome popular do Circuito de Integração Nacional, criado para demonstrar a viabilidade do novo combustível. “Quando enchíamos o tanque juntava gente para ver se era álcool mesmo”, conta Adilson Cavichi do Amaral, motorista da caminhonete usada no reabastecimento, que acompanhava a comitiva ao lado de outro veículo encarregado da segurança. “Alguns faziam questão de molhar a mão e cheirar para ter certeza”.
O Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, foi criado oficialmente em 1975 por meio de decreto como conseqüência da grande crise do petróleo, de 1973. A meta principal era reduzir a importação de petróleo, vendido a preços exorbitantes pelos países exportadores. Para a tarefa de desenvolvimento do motor a álcool, o secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio, José Walter Bautista Vidal, recrutou o engenheiro Urbano Stumpf, então professor na Universidade de Brasília. Formado na primeira turma do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Stumpf já realizava pesquisas com o novo combustível desde os anos 1950. Com uma jovem equipe de engenheiros reunidos no CTA, ele começou os estudos para converter motores a gasolina.
O primeiro trabalho do grupo foi descobrir quanto de álcool anidro se poderia misturar na gasolina sem perda de rendimento. Nos motores da década de 1970 podia se chegar a 15%, embora o ideal fosse 10%. Depois começaram os estudos para converter os motores – o Fusca foi o primeiro escolhido por ser o carro mais vendido. “Em um ano, de 1975 a 1976, conseguiu-se uma tecnologia de conversão confiável, e Stumpf teve a idéia de fazer a caravana para provar que o álcool poderia substituir o petróleo com a vantagem de ser mais barato”, conta o engenheiro Paulo Ewald, chefe da Subdivisão de Motor a Pistão do Instituto de Aeronáutica e Espaço do CTA, que hoje tem o nome de Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial.
Foi comprado um Fusca 1300, João Conrado do Amaral Gurgel, da Gurgel, cedeu por empréstimo um jipe Xavante (com motor Volkswagen 1300) e a Chrysler cedeu um Dodge 1800 – foi a única montadora que se interessou pelo projeto. Depois da caravana, o governo federal decidiu converter o motor dos carros das frotas de empresas estatais. Foram convertidos 731 Fuscas, no total. Só a Telesp, empresa paulista de telefonia, investiu em 400 deles. Apenas em 1979 uma montadora – a Fiat – passou a fabricar carros com motor original a álcool, o modelo 147.
Dos três carros pioneiros só sobrou o Dodge, enviado junto com o Fusca para leilão de sucata em 1986. “Mas fomos alertados pelo motorista Amaral e convencemos os diretores da época a aumentar o preço do Dodge para ele não conseguir comprador e voltar para o CTA”, diz João Bosco Teixeira de Souza, um dos pesquisadores da equipe de Stumpf. “Infelizmente não conseguimos salvar o Fusca, que virou sucata”. O Xavante também se perdeu. “Como a produção da Gurgel era muito flexível, meu pai trocava o motor do carro com facilidade para testar novas peças”, diz Maria Cristina, filha de Gurgel. “Provavelmente ele pegou um carro da frota da fábrica, trocou o motor e depois converteu de novo para gasolina”. Desde 2004 o Dodge está no Museu Aeroespacial Brasileiro, em São José dos Campos, depois de passar 28 anos entre as garagens das várias divisões do CTA.
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