Houve um tempo, na primeira metade do século 19, em que os médicos não gozavam de boa reputação entre a população do interior do Brasil. Os boticários, herdeiros dos raizeiros, conhecedores de plantas e de simpatias diversas, caíam mais no gosto dos habitantes das províncias. A péssima situação do ensino e a má qualificação dos profissionais de saúde também não ajudavam a tornar os médicos mais eficientes na província de Minas Gerais, uma das mais importantes do país. Daí a decisão da Assembléia Provincial de aprovar lei, em 4 de abril de 1839, criando duas Escolas de Farmácia – uma em Ouro Preto e outra em São João Del Rei – com uma especificação importante: “… nestas escolas ensinar-se-á a farmácia e a matéria médica, especialmente a brasileira”. A escola de São João Del Rei não vingou.
Mas a de Ouro Preto tornou-se a primeira do gênero nas Américas com o ensino desvinculado das faculdades de medicina – antes dela, a farmácia era apenas um apêndice dos cursos médicos. A organização inicial da faculdade enfrentou dificuldades nos primeiros anos, como falta de recursos para pagar seus dois professores concursados, Calixto José Arieira e Manoel José Cabral, também proprietários de farmácias na cidade. Interessados no ensino e na formação de bons profissionais, os dois trabalharam por longos anos sem nada receber do governo. Superados os obstáculos, a Escola de Farmácia tornou-se um importante centro de ensino no século 19, que atraía estudantes de várias partes do país. E tinha um caráter democrático, incomum para a época, abrigando alunos negros bem antes da Abolição. Em 1891, chegou à cidade o botânico alemão Wilhelm Schwacke, nomeado diretor da escola. “Foi ele quem começou as pesquisas na área de botânica sistemática e iniciou a tradição de excursões periódicas dos alunos a regiões de Minas Gerais para levantamento da flora da região”, conta Victor Vieira de Godoy, professor da escola e estudioso de sua história.
O trabalho resultou na criação de um herbário, em 1892, ampliado com a colaboração de outros botânicos, que tem hoje por volta de 32 mil peças, um registro importante da flora em uma região devastada por atividades predatórias da mineração. Em 1969, a Escola de Farmácia foi incorporada à Universidade Federal de Ouro Preto e hoje batalha pela construção de um Centro de Memória da Farmácia.
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