
Óculos de sol do tipo máscara, usados por atletas de vôlei de praia, protegem contra raios ultravioletas difusosWikimedia Commons
Seria ótimo para a saúde se os óculos de sol dos jogadores de vôlei de praia ou dos ciclistas, do tipo máscara, fossem adotados mais amplamente. Por cobrirem totalmente os olhos, esses modelos os protegem da radiação ultravioleta (UV) difusa, prejudicial à visão quando excessiva.
Refletida pelo solo, pelas paredes de prédios, pela areia da praia ou pelo mar, a radiação ultravioleta difusa chega pelos vãos laterais entre o rosto e os óculos, reflete nas lentes internamente e atinge os olhos, normalmente desprotegidos por óculos com armações mais comedidas. Onda eletromagnética proveniente dos raios solares, a radiação UV é dividida em três faixas de comprimento: UVC, que vai de 100 a 280 nanômetros (nm); UVB, de 280 a 315 nm; e UVA, de 315 a 400 nm.
“As armações têm um papel fundamental na proteção dos olhos contra a radiação UV”, afirma a física Liliane Ventura, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), que trabalha nessa área há cerca de 30 anos. Em um protótipo que simula uma pessoa com óculos equipados com sensores de ultravioleta no lugar dos olhos, Ventura testou com sua equipe 32 modelos de armação de óculos de sol e encontrou entre eles uma variação grande de proteção contra raios UV.
Os resultados evidenciam que a proteção depende não apenas das lentes terem filtros eficientes, mas também de um design que impeça a entrada de luz pelas laterais. Os óculos tipo máscara, de lentes maiores, bloqueiam 96% da radiação UV. No outro extremo, a proteção dos modelos com lentes redondas, como as usadas pelo cantor e compositor britânico John Lennon (1940-1980), não passa de 81%.
As lentes de óculos de sol, cujos requisitos para a proteção ocular contra a radiação UV são estabelecidos em normas brasileiras e internacionais, exigem proteção até 380 nm. Em 12 óculos testados pelo pesquisador Mauro Masili, do Laboratório de Instrumentação Oftálmica da EESC, coordenado por Ventura, verificou-se que chega aos olhos uma quantidade de raios ultravioleta bastante acima do valor limite determinado pela Comissão Internacional de Proteção contra a Radiação Não Ionizante (ICNIRP). Do total da amostra, 11 lentes tinham proteção UV380 e uma UV400. Uma descrição dos resultados encontra-se na edição de janeiro da revista Research on Biomedical Engineering.
“As lentes dos óculos de sol vendidos no país estão dentro do que as normas nacionais pedem”, afirma Ventura. “O problema é que as normas brasileiras e internacionais não são suficientes para a proteção UV total dos olhos, porque avaliam apenas as lentes e não consideram as armações.”
Segundo ela, a legislação teria de ser revista. Os limites do comprimento de onda para os filtros de radiação solar sugeridos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) são de 280 a 380 nm; os da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da ICNIRP chegam a 400 nm. “Com o limite dos filtros em 380 nm, a radiação solar UV no Brasil ultrapassa em 49% a dose máxima diária que o olho poderia receber, segundo os limites estabelecidos pela ICNIRP”, comenta Ventura.
Em 2013, estabeleceu-se que os óculos de sol no Brasil tinham de filtrar a radiação com até 400 nm, mas essa orientação ficou válida somente por dois anos. Em 2015, o limite voltou para 380 nm com a adoção da norma da Organização Internacional de Normalização (ISO), sediada em Genebra, na Suíça.
“Depois de 2015, não houve nenhum movimento para considerar as conclusões dos estudos científicos e adaptar as normas à realidade brasileira, como se fez na Austrália, um país na mesma faixa de latitude que o Brasil e onde o limite é 400 nm”, comenta a bióloga e técnica óptica Patricia Rodel, representante da Câmara Nacional do Comércio (CNC) em dois comitês brasileiros (CB), da ABNT, que estabelecem normas para produtos e equipamentos ópticos, o CB49 e o CB32.
Roberto Tenedini, diretor-executivo do Sindicato do Comércio Varejista de Material Óptico, Fotográfico e Cinematográfico do Rio Grande do Sul (Sindióptica-RS), alerta para outro problema: as armações e lentes de baixa qualidade oferecidas em estabelecimentos não licenciados, que não dispõem de um responsável técnico, e vendedores ambulantes. “Em geral as pessoas buscam a moda, que nem sempre está ligada a produtos de qualidade”, ele comenta.
Em janeiro, o sindicato lançou no litoral gaúcho uma campanha abordando os diferentes aspectos da exposição aos raios UV. Com o tema “Proteja seus olhos, use óculos solar de qualidade”, houve distribuição de cartazes e leques. A iniciativa ressaltou também a importância de usar cotidianamente protetor solar, principalmente nos dias mais ensolarados e nas idas à praia.
Projeto
Cálculo do influxo de ultravioleta solar no olho com o uso de óculos de sol (no 21/12240-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Liliane Ventura Schiabel (USP); Investimento R$ 91.968,70.
Artigos científicos
MASILI, M. et al. Evaluation of solar ultraviolet blocking by sunglasses and their compliance with recommended safety limits. Research on Biomedical Engineering. 26 nov 2024.
MASILI, M. et al. Calculation of solar ultraviolet influx in the eye considering the field of view and pupillary dilation due to sunglasses. Scientific Reports. 19 mar 2024.