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Energia nuclear

Detector de bactérias

Em duas horas laboratório identifica microrganismos patogênicos no Rio

04Cercada por jovens cientistas no laboratório onde pesquisa física nuclear aplicada, a professora Vergínia Reis Crispim mostra uma plaquinha de plástico como um troféu: por meses essa placa impregnada de bactérias circulou no Rio de Janeiro entre seu laboratório, na Coordenação dos Programas de Pós-Graduação (Coppe) da Universidade Federal (UFRJ), e o reator do Instituto de Energia Nuclear (IEN), uma área de segurança nacional só usada para pesquisas. Os pesquisadores tinham autorização para o seguinte teste: pôr a placa no reator e bombardeá-la com um feixe de nêutrons para obter imagens das bactérias. Objetivo: criar um método rápido de identificar microrganismos causadores de doenças.

A placa manuseada por Vergínia, que coordena as pesquisas, traz impressos os traços de uma bactéria. Para os pesquisadores, é uma prova de que alcançaram o objetivo. Além de visualizar e identificar bactérias por um método inédito, a equipe do Laboratório de Neutrongrafia em Tempo Real da Coppe descobriu que poderia fazer isso em poucas horas – enquanto, pelo método convencional, leva-se em média três dias para identificar uma bactéria.

Tratamento imediato
Rapidez no diagnóstico é essencial ao tratamento de infecções por bactérias, principalmente no atendimento de emergência a pacientes imunologicamente debilitados. “Nosso método permite mapear fisicamente a bactéria. Pelo formato, podemos dizer a qual grupo ela pertence e possibilitar tratamento quase imediato com o antibiótico adequado”, explica Vergínia. O uso do antibiótico correto afasta ainda o perigo de aparecimento de mutações na bactéria que fortaleçam sua resistência a medicamentos, um dos grandes problemas atuais da saúde pública.

O método foi testado em três classes de bactéria – bacilo, coccus e espirilo. Entre elas estão as causadoras de diarréia (Escherichia coli), infecções respiratórias (Staphylococcus e Streptococcus), leptospirose (Leptospira), sífilis (Treponema) e tuberculose (Mycobacterium tuberculosis). Para esta última, o diagnóstico convencional pode demorar 15 dias.

Na técnica desenvolvida na Coppe, amostras de sangue, urina e fezes contaminadas são postas numa composição com boro e esse elemento químico envolve as bactérias numa espécie de manto. Depois, elas são postas no reator e bombardeadas com feixes de nêutrons, que passam a reagir com os átomos de boro, provocando uma reação nuclear com emissão de partículas alfa. Essas partículas provocam fissuras no CR-39, o detector plástico onde a amostra foi coletada, imprimindo nele marcas que revelam o formato das bactérias – é a chamada imagem neutrongráfica ou radiografia com nêutrons.

Depois da revelação química da placa de CR-39, basta observar essa imagem por um microscópio óptico para identificar o tipo da bactéria presente. “Os testes mais recentes indicaram que todas as etapas podem ser feitas em menos de duas horas usando-se um microscópio óptico convencional.”

Software e irradiador
Agora os pesquisadores desenvolvem um programa de computador para identificar as bactérias a partir das imagens neutrongráficas. “Esse software deverá ser capaz de reconhecer o formato das bactérias sem a interferência humana”, diz a física Joana D’arc Ramos Lopes, que prepara tese de doutorado sobre a nova técnica de identificação, que está em vias de patenteamento.

A equipe também pretende desenvolver um irradiador compacto para laboratórios de análises clínicas. Por enquanto, os ensaios são feitos num reator de grandes dimensões, próprio para pesquisas: o Argonauta, do IEN. “Estamos estimando um custo de R$ 15 mil para o sistema compacto, um valor bem competitivo com os equipamentos tradicionais de análises clínicas”, diz Vergínia.

O método tem outras aplicações. Em testes, já se pôde identificar bactérias na água. Com isso, a técnica poderia servir para exames de potabilidade, que identifiquem bactérias em amostras retiradas de poços, caixas d’água, rios e lagos. Os pesquisadores já reconheceram espírilos e estreptococos em imagens neutrongráficas de amostras de água, por exemplo.

Vírus e explosivos
Capazes de causar mais de cem tipos de doença, os vírus também estão na mira da equipe da Coppe. Pela radiografia com nêutrons, o engenheiro Reinaldo Wacha detectou o vírus influenza A, causador da gripe. Mas os vírus são mais difíceis de identificar. “Eles são bem menores que as bactérias e sofrem muitas mutações”, explica a pesquisadora.Numa outra linha, fruto da pesquisa do físico Ademir Xavier da Silva, o objetivo é aplicar a neutrongrafia em detecção de drogas e explosivos. Nos testes, ele detectou amostras de explosivos e de cocaína em diferentes formas e graus de pureza, acondicionadas em tubos de alumínio e submetidas à ocultação por chumbo, fumo, alumínio, plásticos, couro, ferro e tecido. “Os resultados obtidos na detecção de drogas e explosivos ocultos por diversos tipos de materiais têm sido bastantes animadores”, diz Vergínia.

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