Uma vida devotada ao trabalho, ao qual se dedicou com persistência e paixão. É assim que o professor Ernesto Paterniani, um dos mais respeitados pesquisadores brasileiros na área de seleção e melhoramento genético em milho, morto em 18 de junho de 2009, aos 81 anos, é lembrado por seus pares. “Muitos programas de melhoramento no Brasil hoje são coordenados por ex-alunos dele”, diz o professor Roland Vencovsky, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, que trabalhou e conviveu com o pesquisador durante quase 50 anos. Paterniani orientou 33 alunos de iniciação científica, 30 de mestrado e 13 de doutorado. “Muitos desses alunos foram depois lecionar em outras escolas ou trabalhar em empresas particulares na área de melhoramento genético em milho e outros produtos”, relata. Paterniani desenvolveu em colaboração com Vencovsky o trabalho Seleção recorrente recíproca baseada em progênies de meios irmãos e plantas prolíficas de milho (Zea mays L.), ganhador em 1978 de prêmio concedido pela Fondazione Tito V. Zapparoli, da Itália, em concurso internacional de pesquisas originais com milho. O pesquisador publicou 40 revisões didáticas, 95 resumos, 20 trabalhos no Brasil e 18 no exterior. Além de ter participado de 80 congressos e reuniões científicas nacionais e 36 internacionais.
Paterniani foi professor do Departamento de Genética da Esalq, onde lecionava genética, melhoramento de plantas e técnicas de experimentação agrícola, desde 1952 até 1998, quando se aposentou aos 70 anos. Mas nunca abandonou a carreira de pesquisador. “Mesmo tendo se aposentado formalmente, ele não parou de trabalhar até o último dia da sua vida, tanto na Esalq como em outras instituições”, recorda o professor Joaquim José de Camargo Engler, diretor administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ex-diretor da Esalq. Engler tece elogios ao mestre de quem foi aluno na turma de 1961: “Ele demonstrava grande competência, um profundo conhecimento da matéria aliado a uma didática excelente”. Depois de formado, Engler estreitou essa convivência, já que também passou a dar aulas na universidade. “Fomos companheiros de trabalho também na comissão de pós-graduação da Esalq, que ele presidiu por quatro anos”, diz Engler, que o sucedeu no cargo.
Paulistano nascido no bairro do Bom Retiro em 1928, Paterniani era filho de imigrantes italianos que desembarcaram no Brasil para trabalhar nas lavouras de café. Quando tinha 1 ano de idade seus pais mudaram-se para Piracicaba, no interior paulista, para assumir o comando de um armazém de secos e molhados da família. A facilidade para aprender matemática e álgebra quase o levou a estudar engenharia civil. Mas a situação familiar da época fez com que optasse pela engenharia agronômica. E com isso a pesquisa brasileira ganhou um dedicado mestre da genética. Vocação despertada assim que ingressou na Esalq, em 1947. E que o levou ao final do curso, em 1950, a ser contemplado com uma bolsa da Fundação Rockefeller para agrônomos recém-formados estagiarem no Programa Agrícola Mexicano. Foi no México, em 1951, que Paterniani iniciou seus trabalhos de melhoramento genético do milho. Ao voltar para o Brasil, no ano seguinte, começou a dar aulas na Esalq e desde então sempre trabalhou em instituições públicas, desenvolvendo uma carreira reconhecida internacionalmente.
“As atividades de Paterniani em relação ao melhoramento genético do milho podem ser divididas em duas partes”, diz Vencovsky. A primeira é a produção ou criação de variedades novas de milho, que chegaram até o produtor rural. Entre as variedades de milho melhoradas que desenvolveu estão Piramex, Pérola Piracicaba, Piranão e Centralmex, entre muitas outras. Ele também conduziu pesquisas para obtenção de milho sacarino com alto teor de açúcar no colmo. A outra parte das atividades do geneticista está relacionada aos métodos de seleção para obter novas variedades. Desenvolveu metodologias para identificação das melhores fontes de germoplasma de milho – material genético de uso imediato ou com potencial de uso futuro – para o Brasil, utilizadas em programas oficiais e privados. Na sua trajetória, pesquisa básica e aplicada sempre andaram lado a lado.
A partir de 1952 organizou no Departamento de Genética da Esalq um banco de germoplasma de milho, mantido por ele durante 17 anos. Para criar esse banco o pesquisador fez várias viagens de coleta visitando agricultores, reservas indígenas e países vizinhos ao Brasil, como o Paraguai. Com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Brasília, esse banco foi enviado à sua unidade de Recursos Genéticos e Biotecnologia. “Paterniani contribuiu muito para a criação e desenvolvimento da Embrapa Recursos Genéticos”, diz Engler. Desde agosto de 2003 ele fazia parte do Conselho de Administração da instituição, sendo reconduzido à função de conselheiro por mais duas gestões consecutivas, cargo que ocupou até a sua morte. Na Esalq foi presidente da Comissão de Pós-graduação, chefe do Departamento de Genética, diretor do Instituto de Genética, coordenador do programa de pós-graduação em genética e melhoramento de plantas e ouvidor do campus Luiz de Queiroz.
paulo soaresNos anos de 1962 e 1963 exerceu o cargo de professor titular na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro para ministrar os cursos de genética e de evolução, atendendo a convite do professor Warwick Estevam Kerr, que havia assumido a diretoria científica da FAPESP, para substituí-lo. Como decorrência do curso de evolução, o geneticista determinou a distância efetiva de dispersão do pólen de milho no campo e conduziu seleção para isolamento reprodutivo entre duas populações do cereal, pesquisa que se tornou clássica nos cursos de evolução de vários países. “Paterniani era muito respeitado no Brasil e no exterior pelas atividades tanto de cientista quanto de gestor de instituições de pesquisa”, diz Engler.
Membro da Academia Brasileira de Ciências e um dos mais importantes nomes do agronegócio do país, exerceu um importante papel na aprovação da Lei Nacional de Biossegurança, como membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), entre 1996 e 2001. Defensor apaixonado da engenharia genética, afirmou em diversas ocasiões que a transgenia era mais uma ferramenta à disposição dos melhoristas, complementar às demais técnicas de manipulação genética. Em um artigo escrito em 2001 para os Cadernos de Ciência & Tecnologia, publicação editada pela Embrapa, Paterniani escreveu: “É importante salientar que o melhoramento genético não será conduzido exclusivamente pela transgenia. Os chamados métodos convencionais e a engenharia genética não são mutuamente excludentes, mas se complementam, e cada técnica é utilizada segundo as suas potencialidades. A engenharia genética representa, na verdade, uma ferramenta a mais à disposição do melhoramento genético”. Paterniani também era membro da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS) e foi um dos fundadores da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.
Durante a sua carreira, recebeu prêmios e homenagens de diversas instituições, como Prêmio Almirante Álvaro Alberto, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em 1988, Prêmio Frederico Menezes Veiga, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em 1992, além da Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1995, e da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2000, ambas concedidas pela Presidência da República.
As últimas homenagens recebidas pelo geneticista foram o Prêmio Fundação Bunge 2005, na área de Agronegócio, categoria Vida e Obra, e o Prêmio Fundação Conrado Wessel 2008, na categoria Ciência Aplicada, no início do mês de junho. Como estava doente, foi representado por seus filhos José Euclides Stipp Paterniani e Ricardo Stipp Paterniani na entrega do prêmio. E demonstrou agradecimento com a homenagem. “Tudo o que sei e aprendi foi à custa da sociedade, e as palestras que dou são uma forma de devolver a ela todo o conhecimento que obtive ao longo dos anos. É gratificante conquistar esse prêmio porque são muitos cientistas merecedores. O Brasil tem hoje uma tecnologia de maior eficiência, mesmo comparada com países do Primeiro Mundo, e esse patamar existe em função das pesquisas realizadas por esses cientistas”, disse à assessoria de comunicação da Esalq.
O professor Engler, que participou por vários anos do comitê de seleção do Prêmio Conrado Wessel, disse que o nome de Paterniani era sempre lembrado “como um grande candidato” nos intervalos das reuniões pelos representantes de instituições, como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Academia Brasileira de Ciências. “Mas como ele também participava dos comitês de avaliação não podia ser indicado”, diz Engler. Em 2008 não participou e pôde finalmente ser indicado. “Foi um prêmio muito merecido, porque o melhoramento genético de plantas no Brasil deve muito a Paterniani”, ressalta.
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