Rio Branco, capital do Acre, poderá contar em breve com um sistema de alerta contra inundações criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos. Em março deste ano, fortes chuvas fizeram com que o nível do rio Acre, que corta a cidade, ultrapassasse a cota de transbordo, de 14 metros, alagando ruas e casas de cinco bairros do município. Pelo menos 100 famílias foram afetadas pela cheia, que praticamente todos os anos provoca transtornos aos moradores da cidade.
Em meados de junho, uma delegação liderada pelo prefeito de Rio Branco, Sebastião Rodrigues, reuniu-se em São Paulo com o cientista da computação Jó Ueyama, do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC) da USP, responsável pela tecnologia, e representantes da Agência USP de Inovação, com o objetivo de finalizar os acertos para a aquisição do sistema.
“Ficamos satisfeitos com o interesse da prefeitura de Rio Branco e faremos o que for preciso para licenciar a tecnologia para a cidade”, comentou Ueyama. Se a parceria for concretizada, a capital do Acre será a mais nova cidade brasileira a contar com o dispositivo, já instalado em Rio do Sul, em Santa Catarina, e em São Carlos, no interior de São Paulo – no município paulista, ele é utilizado para testes.
Batizado de e-Noé, o sistema de alerta é composto por uma rede de sensores submersos que monitoram o nível de rios e córregos urbanos (ver Pesquisa FAPESP no 263). Instalados em pontos do manancial sujeitos a transbordamento, os sensores detectam alterações na coluna d’água e trocam informações entre si por meio de uma rede de comunicação sem fio. Em paralelo, câmeras fotografam o leito do rio, registrando o nível das águas.
As imagens e as informações dos sensores são enviadas por sinal de celular para uma infraestrutura em nuvem, onde podem ser acessadas pela Defesa Civil do município ou diretamente pela população (ver infográfico abaixo). Os alertas podem ser configurados para envio por mensagens de texto para o celular ou o computador de moradores previamente cadastrados.
Uma vantagem do e-Noé em relação a sistemas convencionais, segundo Ueyama, é a capacidade de transmitir informações sobre o nível dos rios e córregos em tempo real. “Na hidrometria convencional, os dados sobre o nível dos mananciais só são coletados quanto um técnico vai até a estação, instalada no local, para extraí-los”, explica o pesquisador, que também integra o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.
Outro diferencial da tecnologia, que levou cerca de 10 anos para ser desenvolvida e teve apoio da FAPESP, é a capacidade de prever inundações usando recursos de inteligência artificial, como as redes neurais artificiais. O dispositivo também pode incorporar sensores de poluição para fazer o monitoramento da qualidade da água.
De acordo com o pesquisador da USP, a aquisição e instalação do sistema completo, com sensor de pressão, câmera, software para processamento das informações, rede sem fio e modem de telefonia 4G, custa em torno de R$ 15 mil. Não há gasto fixo de manutenção, que fica a cargo do cliente.
Cheias do Itajaí-Açu
Em São Carlos, o e-Noé já foi testado nos córregos Monjolinho e Tijuco Preto, que costumam transbordar no período de chuvas. As três estações instaladas nos dois cursos d’água são usadas para o aprimoramento da tecnologia e, até então, não estão integradas ao sistema da Defesa Civil da cidade.
Em Santa Catarina, o primeiro modelo do sistema foi apresentado e especificado em 2014 para a Defesa Civil do município, que comprou os equipamentos para monitorar as cheias do rio Itajaí-Açu, que cruza o município de Rio do Sul. A cidade, localizada a 190 quilômetros da capital Florianópolis na confluência dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste, que formam o Itajaí-Açu, sofre com problemas recorrentes de enchentes.
James Tavares / SecomInundação provocada pelo rio Itajaí-Açu, em Rio do SulJames Tavares / Secom
“Em 2011, tivemos uma inundação histórica no município, quando o rio subiu quase 13 metros. Dois anos depois, por meio de uma reportagem no site do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], soube da tecnologia que o professor Ueyama estava desenvolvendo”, recorda-se o cientista da computação Fábio Alexandrini, professor do curso de Ciência da Computação do Instituto Federal Catarinense (IFC), campus de Rio do Sul. “Procurei-o e, pouco tempo depois, ele veio a Rio do Sul nos apresentar o sistema, que, naquela época, nem tinha ainda recebido seu nome de batismo, e-Noé.” No ano seguinte, a Defesa Civil local foi envolvida na negociação e adquiriu os equipamentos para o município.
Alexandrini informa que a tecnologia sofreu algumas adaptações para se adequar às condições do município, afetado por cheias de grande monta. “Temos hoje três dispositivos instalados em Rio do Sul. Um deles no rio Itajaí do Sul, no bairro Sumaré Laranjeiras; outro junto à ponte que cruza o Itajaí do Oeste na BR-470; e o terceiro no centro da cidade, na ponte Dom Tito Buss sobre o Itajaí-Açu”, diz o pesquisador. “Os dados do terceiro sensor estão permanentemente disponíveis no portal da Defesa Civil.”
O sistema e-Noé não evita a inundação, mas fornece informações para quem mora em áreas de risco se precaver e sair de casa antes que a água chegue lá. Em Rio do Sul, a população pode acompanhar a situação do rio Itajaí-Açu no site da Defesa Civil, que, além de apresentar em tempo real o nível do manancial, mostra dados sobre o quanto deve chover no dia. O órgão envia mensagem alertando a população sobre o risco de inundações. “Em maio deste ano, o Itajaí-Açu atingiu 9,74 metros. O sistema de alerta funcionou e permitiu que os moradores tivessem tempo de tirar as coisas de suas residências e proteger suas vidas.”
defesacivil.riodosul.sc.gov.brPágina do portal da Defesa Civil de Rio do Sul mostrando o nível do rio Itajaí-Açudefesacivil.riodosul.sc.gov.br
Para Pedro Caballero, diretor do Departamento de Proteção e Defesa Civil de São Carlos, sistemas como o e-Noé são úteis para prevenir desastres causados pelo transbordamento de rios urbanos. “Os dados gerados por essas tecnologias permitem que a Defesa Civil adote medidas mitigadoras e emergenciais. Nosso trabalho tem melhores resultados quando é direcionado por tecnologias de monitoramento ambiental, hidrológico ou climatológico”, destaca Caballero.
Segundo ele, cerca de 250 cidades brasileiras de porte médio sofrem com problemas hidrológicos causados por excesso ou falta de água. “Os eventos que mais saem na mídia são os provocados pelo excesso de água, como enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra”, diz o especialista. Informação é sempre importante para combater esses problemas. “Mas é fundamental também que a população esteja capacitada para interpretar essas informações e saiba o que fazer em situações de emergência. Por isso, junto com um sistema de alerta é preciso treinar as pessoas para lidar com os dados gerados por ele.”
Projetos
1. Explorando a abordagem sensor web e o sensoriamento participatório no monitoramento de rios urbanos (no 12/22550-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Jó Ueyama (USP); Investimento R$ 60.529,48.58
2. CeMEAI – Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (no 13/07375-0); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável José Alberto Cuminato (USP); Investimento R$ 47.956.876,26 (para todo o centro).
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