Um reator abastecido com um inovador material cerâmico capaz de capturar dióxido de carbono (CO2) tem potencial de reduzir o impacto ambiental de motores a diesel, que equipam caminhões, ônibus, tratores, máquinas industriais e geradores de energia. A inovação é fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) sediada no Rio de Janeiro, e uma montadora de automóveis, que prefere se manter anônima. Um pedido de patente do material foi depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em janeiro deste ano.
Em testes realizados no fim de 2024, quando um protótipo do reator foi instalado em um caminhão, a tecnologia foi capaz de adsorver 7,7% do CO2 emitido em todo percurso – adsorção é o processo pelo qual moléculas ou íons ficam retidos na superfície de um material por meio de interações químicas ou físicas. O ensaio empregou a metodologia Real Driving Emissions (RDE), padronizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que mede a emissão de poluentes em condições reais de circulação dos veículos. O caminhão percorreu 170 quilômetros (km) passando por áreas urbanas, rurais e um trecho rodoviário. Levando em conta apenas o trajeto urbano, o desempenho foi ainda melhor, com a retenção de 17,2% dos gases.
“Ficamos satisfeitos com o resultado. Agora, estamos trabalhando para ampliar o nível de captura para 30% em qualquer tipo de percurso”, diz o químico Jadson Cláudio Belchior, do Departamento de Química da UFMG e coordenador do projeto.
O material cerâmico adsorvedor de CO2 criado pela equipe de Belchior é produzido com um conjunto de reagentes químicos, em sua maioria inorgânicos e abundantes na natureza – a composição é mantida em segredo até que a patente seja concedida. Misturados, formam um material pastoso que é depois transformado em pellets semiesféricos com 1 centímetro (cm) de diâmetro. “O material é microscopicamente poroso, o que permite ao CO2 entrar e reagir com as substâncias químicas”, descreve o pesquisador.
Os pellets são dispostos em um reator com o formato de um cilindro metálico e cujo tamanho final ainda está sendo definido. Este, por sua vez, é instalado no sistema de escapamento, o conjunto de peças que conduz o gás de combustão do motor para fora do veículo ou máquina. O material cerâmico retém apenas o CO2, o que significa que o sistema de escapamento continua necessitando do catalisador, peça que reage com os outros gases poluentes (ver infográfico abaixo).
Controle da temperatura
Para que os pellets cerâmicos consigam reter o dióxido de carbono, o gás precisa estar em uma temperatura inferior a 110 graus Celsius (ºC). “Acima desse patamar, o material é inerte em relação ao CO2”, informa Belchior. Um desafio é esfriar o gás. A combustão do diesel no motor ocorre a cerca de 600 ºC. “Essa temperatura cai rapidamente e chega ao sistema de escapamento na casa dos 250 ºC, ainda muito alto para tornar viável a tarefa de adsorção”, detalha o químico. Ele destaca, ainda, que o gás não chega ao reator numa temperatura homogênea, o que faz com que a parcela acima de 110 ºC não reaja com o material. O dióxido de carbono que não é retido pelos pellets é liberado no ambiente, sem gerar resíduos.
A solução encontrada para esfriar o gás foi instalar no sistema de escapamento, entre o motor e o reator, uma tubulação expansora, com maior diâmetro. “É um mecanismo usual para ampliar a troca de calor e acelerar o resfriamento. Funciona como o tubo do radiador”, explica a engenheira mecânica Valéria Said de Barros Pimentel, pesquisadora do INT. As equipes do INT e da montadora foram responsáveis pelo desenvolvimento do reator e do sistema de escapamento, além do estabelecimento da metodologia RDE usada nos ensaios em campo.
Para melhorar o desempenho do sistema e alcançar a almejada meta de 30% de captura de CO2, será necessário reduzir mais ainda a temperatura com a qual o gás resultante da combustão chega ao reator. O aperfeiçoamento da troca térmica na tubulação expansora, informam os pesquisadores, é uma das prioridades em estudo. A equipe do INT avalia melhoras tanto no design da peça quanto no material metálico empregado. Outra possibilidade, segundo Pimentel, é a busca de maior eficiência dos pellets cerâmicos de forma a reduzir o espaço ocupado e permitir o uso de reatores menores, ampliando o circuito de resfriamento antes de chegar ao reator.
A redução da temperatura do gás no reator tem ainda uma segunda função: diminuir o custo de regeneração do material cerâmico. Para a separação do CO2 retido, os pellets passam por um processo simples de aquecimento. “Ocorre que, quanto maior a temperatura de captura do CO2, maior terá que ser a temperatura da fonte de calor usada no processo de regeneração, o que resulta em maior gasto energético e custo do processo”, esquematiza Belchior.
Em artigo publicado no periódico Fuel, em 2019, a equipe da UFMG apresentou detalhes do processo regenerativo do material cerâmico, essencial para sua reutilização – os estudos, ainda em estágio preliminar, foram feitos em bancada de laboratório. “Quando o gás capturado está a 100 ºC, os pellets precisam ser aquecidos a temperaturas na ordem de 340 ºC para serem regenerados”, conta Belchior. “Pretendemos reduzir a temperatura do gás capturado para algo entre 80 ºC e 90 ºC a fim de diminuir o gasto energético no processo de regeneração.” No artigo do Fuel, os autores informam que a análise termogravimétrica dos pellets cerâmicos concluiu que eles podem ser reutilizados em 10 ciclos de adsorção de CO2. Termogravimetria é uma técnica que avalia as qualidades físico-químicas dos materiais submetidos à variação de temperatura.

João Marcos Rosa / NitroJadson Belchior, coordenador da pesquisa, e a aluna Daniele Leal preparam amostra do material cerâmico para avaliar sua eficácia na captura de CO2João Marcos Rosa / Nitro
A proposta dos pesquisadores é promover a economia circular, ou seja, dar uma finalidade produtiva para o CO2 retido nos reatores. A ideia é envasar o gás em cilindros e depois vendê-lo para as indústrias de alimentos, bebidas e fabricantes de combustíveis sintéticos, onde o CO2 é usado como insumo.
Outro desafio a ser superado pelas equipes da UFMG e do INT é criar um “kit reator”, fácil de instalar no sistema de escapamento dos veículos. “O sistema deve permitir a fácil substituição dos pellets do reator”, diz o pesquisador da UFMG. Ele estima que um caminhão de uso intensivo terá que fazer a troca diária do material, mas será preciso realizar novas rodadas de testes, com o produto acabado, para definir um padrão de troca.
Além de todas as soluções tecnológicas que precisam ser encontradas para a inovação chegar aos usuários, o estudo de viabilidade econômica do processo ainda não foi elaborado. A expectativa dos cientistas é que o sistema apresente um custo final baixo, já que as substâncias químicas e as peças metálicas empregadas são de fácil acesso e de valor comercial reduzido.
O projeto do adsorvedor de CO2 foi inscrito em 2022 no Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística, do governo federal, que apoia o desenvolvimento tecnológico do setor automotivo. Em 2024, o Rota 2030 foi substituído pelo Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). Entre as metas estabelecidas no programa sucessor está a necessidade das montadoras aderentes de reduzir em 50% as emissões de carbono de seus veículos até 2030, em relação às emissões de 2011.
As emissões de gases de efeito estufa do setor de transportes, no entanto, são crescentes. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, as emissões dessa atividade no Brasil aumentaram 3,2% em 2023 e alcançaram o recorde de 223,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente – medida internacional que estabelece a equivalência entre todos os gases de efeito estufa (metano, óxido nitroso e outros) e o CO2. O transporte de carga foi o principal responsável pelo aumento. Naquele ano, o país emitiu 2,67 bilhões de toneladas de CO2 equivalente.

João Marcos Rosa / NitroOs pellets são depositados no protótipo do reator, instalado no escapamento de um caminhãoJoão Marcos Rosa / Nitro
“O desenvolvimento de tecnologias capazes de capturar CO2 diretamente de fontes móveis, como caminhões, é de grande relevância em face dos atuais desafios de descarbonização do setor de transportes”, diz o químico Pedro Vidinha, da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), apoiado pela FAPESP.
O trabalho realizado pela UFMG e pelo INT, avalia Vidinha, é promissor ao propor uma solução inovadora e potencialmente adaptável à realidade brasileira. “A possibilidade de capturar até 17% das emissões de CO2 diretamente no escape dos veículos representa avanço significativo”, afirma.
A equipe de Belchior iniciou o desenvolvimento de materiais cerâmicos capazes de capturar CO2 em 2007. O grupo já depositou 21 pedidos de patente, incluindo a do projeto atual. Dessas, 11 patentes foram concedidas, sete delas nos Estados Unidos. A primeira foi depositada quando a equipe conseguiu fazer a captura do gás a uma temperatura de 600 ºC. Tratou-se mais de uma prova de viabilidade, já que o CO2 retido nessa temperatura torna inviável o processo de regeneração do material cerâmico.
Uma segunda fase do projeto ocorreu entre 2015 e 2018, com apoio da Petrobras, Fiat (hoje Stellantis) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), quando a equipe conseguiu reduzir a temperatura do processo para 300 ºC, ainda alta para tornar viável o processo. Na época, o óxido de cálcio (CaO) era a principal substância química usada como insumo do material cerâmico, conforme descrito em artigo publicado na International Nano Letters, em 2020. A experiência rendeu ao grupo da UFMG o Prêmio Inventor 2019, da Petrobras. O foco do projeto, na ocasião, era a captura de CO2 resultante da combustão de gasolina e etanol.
O projeto atual, que visa reter o CO2 em motores a diesel, exigiu do grupo uma investigação nova de substâncias químicas adequadas ao processo. O foco na captura do diesel atende aos interesses da montadora parceira da iniciativa. A meta pessoal de Belchior é fazer uma apresentação prática do sistema, já com as melhorias necessárias, durante a reunião da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, a ser realizada em Belém, no Pará, no fim do ano.
A reportagem acima foi publicada com o título “Para capturar o CO2” na edição impressa nº 351 de maio de 2025.
Artigos científicos
PINTO, P. C. C. et al. CO2 capture performance and mechanical properties of Ca(OH)2-based sorbent modified with MgO and (NH4)2HPO4 for calcium looping cycle. Fuel. v. 256. nov 2019.
OLIVEIRA, H. et al. Improvement on CO2 capture by CaO pellet modified with carbon nanotubes. International NanoLetters. v. 10, p. 141-9. jun 2020.
PINTO, P. C. C. et al. Chemical absorption of CO2 enhanced by solutions of alkali hydroxides and alkoxides at room temperature. Chemistry Select. v. 7, p. 1-11. nov 2022.
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