Essa é uma excelente biografia do físico estadunidense David Bohm (1917-1992), pesquisador de destaque nas áreas de fundamentos da física quântica e da física dos plasmas, e que se tornou conhecido do público em geral ao discutir questões mais amplas ligadas à criatividade humana. Bohm passou três anos e meio na Universidade de São Paulo, a partir de 1951, após ser perseguido pela política macarthista nos Estados Unidos devido às suas ligações com o Partido Comunista, tendo se recusado diante do Congresso dos Estados Unidos a apontar nomes de conhecidos envolvidos em “atividades antiamericanas”.
Esses e muitos outros episódios são relatados com detalhes no livro de Olival Freire Jr., professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador de destaque internacional em história da física quântica da segunda metade do século XX. O livro se divide em oito capítulos que mantêm uma certa autonomia, cada qual com bibliografia própria, de maneira que possam ser lidos de maneira independente. A obra segue a ordem cronológica da vida de Bohm, mas os relatos dos acontecimentos de sua vida são entremeados por seções mais temáticas que analisam sua pesquisa em física e o contexto científico que o cercava.
O autor resgata a juventude de Bohm em uma cidade mineira da Pensilvânia, sua ida para a Califórnia, onde terminou o doutorado em 1943 na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em seguida desenvolveu pesquisa teórica importante sobre física dos plasmas. Depois da Segunda Guerra Mundial, contratado pela Universidade de Princeton, lançou um dos melhores livros didáticos de física quântica antes de ser demitido da universidade, elaborar sua famosa interpretação causal da física quântica (publicada em 1952) e se exilar no Brasil. Seu período no país é contado com algum detalhe, seguido por sua ida para Israel e, finalmente, Inglaterra. Em Bristol, em 1959, escreveu seu artigo mais citado, a partir de uma ideia de seu então aluno Yakir Aharonov.
Freire faz um excelente trabalho de análise das ideias de Bohm descrevendo os debates com seus contemporâneos e buscando entender as diversas idas e vindas da trajetória intelectual do físico. Um ponto de inflexão ocorreu durante a convivência com o pensador Jiddu Krishnamurti (1895-1986), levando Bohm a incursões em filosofia, registradas em 144 gravações de conversas com o místico indiano. Trabalhou na década de 1970 em Londres com o físico britânico Basil Hiley em uma nova interpretação da física quântica, conhecida pelos termos “totalidade e ordem implicada”, e posteriormente resgatou sua interpretação causal de 1952, que havia abandonado, após dois alunos seus gerarem imagens computacionais das trajetórias de partículas previstas pela interpretação.
O autor examina ligações interessantes entre diferentes aspectos e fases do trabalho de Bohm, como a comparação que o cientista fazia entre as partículas de um plasma e o comportamento de indivíduos na sociedade. Freire prima por um ponto de vista sempre equilibrado ao analisar as teses históricas relativas a seu biografado e às circunstâncias envolvendo outros “dissidentes quânticos”. Por exemplo, ao explorar a correlação entre o fato de Bohm ter se desiludido com o marxismo em meados dos anos 1950 e seu abandono do determinismo de sua interpretação causal, o autor não força uma conexão simplista entre esses dois acontecimentos.
Nos capítulos iniciais apresenta considerações sobre a historiografia moderna da ciência, discutindo o papel que uma biografia tem para a história da ciência. Freire considera que uma biografia deve se estender também para após a morte do cientista, com o trabalho de discípulos que desdobraram suas ideias. No caso de Bohm, apresenta três grupos de pesquisa que deram continuidade ao seu trabalho nos fundamentos da física quântica.
O livro aparece em momento oportuno, em que vários aspectos da vida e obra de Bohm têm sido desenterrados por historiadores em cartas. No capítulo final, o autor faz uma interessante análise cientométrica do impacto das principais publicações de Bohm ao longo de sete décadas. Faltou uma revisão mais cuidadosa do inglês, mas isso não compromete a compreensão dessa exemplar biografia científica.
Osvaldo Pessoa Jr. é professor de filosofia da ciência do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
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