No último sábado (19/05), a hashtag #MaioMesDaCiencia chegou a ocupar o segundo lugar entre os assuntos mais comentados no Twitter Brasil, perdendo apenas para o #RoyalWedding britânico. Efeito de uma data especial: estavam reunidos no Instituto Butantan, em São Paulo, com transmissão ao vivo pela internet, dezenas de divulgadores de ciência – pesquisadores, em sua maioria, mas também profissionais de fora da academia.
A primeira edição do Conhecer – Encontro Brasileiro de Divulgação Científica foi organizada pelo Dispersciência – inciativa de alunos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) –, com apoio do Instituto Butantan, da FAPESP e integrada ao Encontro Brasileiro de Observação de Aves (Avistar).
Foram apresentadas iniciativas sediadas em sete estados do Brasil, além de Reino Unido e Argentina, com linguagens, plataformas, idades e alcances variados, mas objetivos em comum: ampliar a visibilidade dos projetos, fortalecer e criar redes de colaboração e, assim, divulgar ciência a partir de conteúdos com alta confiabilidade, acessíveis e atraentes a públicos de todas as idades.
“Precisamos despertar curiosidade especialmente entre os jovens e mostrar que fazer ciência é muito legal. Esta edição do Conhecer representa um esforço louvável nesse sentido e precisa ser a primeira de muitas”, disse Mayana Zatz, especialista em genética humana do IB/USP, à Agência FAPESP.
Zatz fez uma das 46 apresentações em formato curto (lightning talk) do encontro. Falou sobre seu programa “Decodificando o DNA”, transmitido pela Rádio USP, além de ter dividido com Natasha Felizi, diretora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira, uma sessão de perguntas e respostas sobre o programa Camp Serrapilheira, com chamada de propostas aberta até o dia 30 de maio.
O Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP e coordenado por Zatz, apresentou Por dentro do genoma, nova ação para o Youtube do CEGH-CEL que estreará ainda no mês de maio. “Certas áreas, como a Astronomia, têm imagens que arrepiam. Com a ajuda de microscópios, vamos mostrar que o genoma, história viva dos nossos ancestrais, também é assim”, disse Leonardo Carvalheira, aluno do IB/USP à frente da novidade do CEGH-CEL e da organização do Conhecer.
A FAPESP também levou sua mais recente iniciativa, o programa de TV Ciência Aberta, apresentado no evento pelos jornalistas Roberta Sales e Phelipe Janning. Resultado de uma parceria entre a Fundação e o jornal Folha de S.Paulo, o programa conta com edições mensais e transmissão ao vivo pela internet. A próxima edição, em 5 de junho, tratará sobre doenças transmitidas por mosquitos.
Outra das atividades da Fundação presente no Conhecer foi a revista Pesquisa FAPESP. “Além das versões impressa e digital e das redes sociais, temos ainda um programa semanal na Rádio USP, todas as sextas-feiras às 13h, convidando entrevistados para debater o conteúdo da revista”, disse Bruno de Pierro, editor-assistente de Política Científica.
O caráter multiplataforma – e multidisciplinar – é forte entre os divulgadores. Os Dragões de Garagem nasceram em 2012 como podcast dedicado a áreas como biologia, física e química. Cada vez mais, dedicam-se também a temas como história e ciências sociais. Expandiram para o Youtube e publicam as Cientirinhas, humor com embasamento científico.
“Nos podcasts, costumamos usar o formato de bate-papo, com a participação de convidados via Skype. Mas estamos testando outros formatos, como o Dragões na Estrada, com entrevistas direto de eventos científicos, e storytelling, investindo em uma edição diferente, com narração em off, efeitos sonoros e envolvendo personagens que ajudam a tornar a ciência menos fria e impessoal”, disse o entomólogo Lucas Camargos à Agência FAPESP.
Colecionadores de Ossos, da bióloga e paleontóloga Aline Ghilardi e do geólogo e paleontólogo Tito Aureliano, é outro exemplo de divulgação em múltiplas plataformas. No canal do Youtube, eles exploram o ambiente de laboratório e a emoção das expedições científicas. Fora da rede, Ghilardi e Aureliano organizam palestras e atividades voltadas ao público infantil.
A atuação junto a escolas é outra característica de muitas das ações de divulgação. O astrobiólogo Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM), foi ao Conhecer para apresentar dois projetos de educação e difusão vinculados à Missão Garatéa.
“O Garatéa-E lança experimentos de alunos em balões estratosféricos. Já o Garatéa-ISS enviará, ainda em maio, um experimento de estudantes para a Estação Espacial Internacional. Depois de um mês, o material retornará aos jovens para estudo”, contou Galante. Participam escolas públicas e particulares de todo o Brasil, que integram os projetos por meio de chamadas de propostas.
Divulgação em rede
As colaborações são estratégicas na divulgação da ciência, seja para dar conta de uma gama mais variada de assuntos, seja para potencializar o alcance dos conteúdos ou para driblar dificuldades de financiamento – grande parte das ações é apoiada por seus próprios seguidores, sejam ouvintes, leitores ou internautas.
Os Blogs de Ciência da Unicamp reúnem 30 blogs mantidos por docentes e pós-graduandos da Universidade Estadual de Campinas. “Conseguimos agregar temas muito diversos, contemplando áreas que nem sempre são cobertas na divulgação científica, como linguística, educação e dança”, disse o doutorando em Física Eduardo Akio Sato, autor do blog Torta de Maçã Primordial, à Agência FAPESP.
No Youtube, o ScienceVlogs Brasil funciona como um selo de qualidade para conteúdos científicos. Juntos, os canais do grupo somam quase 5 milhões de inscritos – sendo 2 milhões no Nerdologia, dedicado a falar sobre ciência na vida cotidiana e na cultura pop.
Por vezes, um único canal é também um coletivo de divulgadores, como o Bláblálogia. Quem apresentou a iniciativa no Conhecer foi Chico Camargo, pesquisador do Oxford Internet Institute, no Reino Unido.
“Postar diariamente ou em vários dias da semana é importante para ganhar visualizações, mas um problema para quem divulga sozinho, faz pesquisa, trabalha. Dedicar-se em tempo integral à divulgação é algo muito raro”, disse à Agência FAPESP. Camargo pesquisa ciências de dados sociais e mantém um quadro no canal, o “Top Models”, sobre modelos usados pela ciência para explicar e representar o mundo.
Tanto em redes quanto individualmente, divulgar ciência ainda é uma atividade predominantemente masculina, um cenário que aos poucos se modifica. Julia Jaccoud, formada em licenciatura em Matemática pela USP, está à frente do canal do Youtube A Matemaníaca. Camila Laranjeira fala sobre inteligência artificial no Peixe Babel e promove workshops em Belo Horizonte dedicados a atrair mais mulheres para a área de tecnologia.
Buscar (e lutar por) mais representatividade – de gênero, raça, classe, sexualidade – foi um apelo constante nas apresentações do Conhecer, assim como abordagens mais bem contextualizadas. “Das pequenas atitudes – o que podemos fazer no dia a dia em relação à fome ou às abelhas que estão acabando? – a questões macro, de política pública, o nosso mundo, o mundo do nosso ouvinte, é político. Assim como fazer e divulgar ciência”, disse Lucas Andrade, do Alô, Ciência?, podcast criado por graduandos e pós-graduandos do IB/USP.
Os esforços de divulgação ainda são mais efetivos entre a própria comunidade acadêmica do que com os não cientistas, mas seguem cada vez mais diversos. No Conhecer, apresentaram-se ainda o Pint of Science Brasil, que na semana passada promoveu conversas sobre ciência em bares de 56 cidades de todas as regiões do país, impulsionando também a #MaioMesDaCiencia; o arqueólogo e antropólogo Walter Neves, que levará a barraca itinerante “Pregando evolução”, com reconstituições faciais de todos os nossos ancestrais, a locais de grande circulação da cidade de São Paulo; o CEPID Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (Neuromat), editando verbetes da Wikipédia; Luca – Ciência para educar, desenvolvendo kits experimentais para trabalhos junto a escolas de Ensino Fundamental e Médio, com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE); e todas as iniciativas ao final desta reportagem. Faltar espaço para comentar cada experiência só pode ser um bom sinal para a divulgação científica feita no Brasil.
Outras ações de divulgação apresentadas no Conhecer: A Porta de Marfim, Astrotubers, Aviões e Músicas, Café e Ciência, Caio na Aula, Canal do Slow, Canal ZOA, Ciência e Astronomia, ComCiência Corporal, Draw Curiosity, Fabio Machado (pós-doutorando no Museo Argentino de Ciencias Naturales “Bernardino Rivadavia”, com projeto de divulgação em escolas), Física Total, Henrique Stroeter (intérprete do cientista Perônio no Castelo Rá-Tim-Bum, programa produzido e exibido pela TV Cultura nos anos 1990), Instante Biotec, Mas Afinal, Naruhodo!, Olá, Ciência!, PODEntender, Ponto em Comum, Projetando Neurociência, Projeto Filos, Rede de Pesquisadores, Rock com Ciência, Saganistas, Scicast, USP Talks, Xadrez Verbal.
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