Trabalho com neurodesenvolvimento em modelos animais, uma pesquisa básica que requer manejo dos animais e experimentação. Tem uma conexão com infecções virais, bacterianas e outros eventos, que podem acontecer durante a gestação, afetando momentos específicos da formação do embrião e vir a ter consequências depois do nascimento. Minha rotina era presencial, mesmo em fins de semana e feriados.
Fazemos experimentos de comportamento animal, análises bioquímicas e histológicas – atividades que exigem presença no laboratório, mas com a pandemia ele passou inicialmente a ser remoto, com foco nas atividades a terminar, envolvendo análise de dados e escrita de artigos. Além disso, muitos de nós começamos a criar estratégias para o uso de ferramentas de biologia computacional para continuar a pesquisa. Seguimos desenvolvendo um bom trabalho, mesmo com a presença na universidade muito reduzida. Minha aluna de mestrado iniciou a pós-graduação no início da pandemia e já delineamos o projeto com o uso dessas ferramentas. É possível fazer modelagem, estudar bancos de dados, elaborar análises a partir deles. Essas técnicas passaram a ser muito atrativas em virtude do distanciamento social e da redução do trabalho presencial e complementam nossas linhas de pesquisa. Orientação, coorientação e pesquisa são minhas atividades principais, em tempo integral como pesquisadora na universidade. No meu tempo livre, faço divulgação.
Tenho um pé na comunicação científica desde 2015, participando de eventos como o Pint of Science, a Semana Nacional do Cérebro. A partir da pandemia, veio a necessidade de migrar essa atividade para as redes sociais. Em virtude da desinformação que apareceu, ficou ainda mais necessário tornar as informações mais acessíveis e fazer checagem de fatos. Apesar do meu conhecimento não ser específico para vírus e vacinas, toda a minha trajetória multidisciplinar, estudando imunologia e outras disciplinas, me permite olhar para os trabalhos e torná-los acessíveis para a pessoa leiga, sem perder o rigor científico. Toda a minha formação foi no ensino público, então acho necessário devolver à sociedade e mostrar que a pesquisa brasileira capacita os pesquisadores para atuar de diferentes formas.
Foi um movimento natural que me levou, no fim de fevereiro de 2020, a idealizar a Rede Análise Covid-19, que tem por princípio analisar, compilar dados da pandemia e, sobretudo, criar conteúdo acessível para que as pessoas entendam o contexto em que estamos inseridos, juntamente com a checagem de fatos sempre que alguém nos traz uma dúvida. Começamos no Twitter e é onde crescemos mais. Hoje estamos também no Instagram, que cresce graças a membros dedicados especialmente a ele. Temos também um grupo no Facebook, onde geramos discussões e mostramos análises. Neste início de junho estamos vendo a aceleração de novos casos, a reversão da tendência de queda em muitos locais. Se começarmos de fato a ganhar aceleração em uma nova subida, será a partir de um patamar elevado, o que pode ser muito problemático. Temos chamado a atenção para isso.
Comecei criando um grupo de WhatsApp para discutir a ideia de criar um espaço para organizar pesquisadores e profissionais para a discussão de dados da pandemia. Chegamos a ter 200 pessoas, sem organização definida. Então criamos grupos de trabalho: para divulgação científica, coleta, análise e modelagem epidemiológica e populações vulneráveis. Começamos a ver onde cada profissional se enquadraria melhor e como gostariam de contribuir.
Esses grupos atuam de forma independente, embora colaborativa, então cada conjunto de coordenadores pode desenvolver projetos e criar estratégias dentro dos seus grupos de trabalho, enquanto um grupo geral discute e toma decisões pela rede. Temos mais de 40 membros com 10 coordenadores, contribuindo na mídia e atuando em redes de redes, que é o mais interessante de tudo: poder contar com outras redes que surgiram ao mesmo tempo e são grandes parceiras.
Temos membros em todas as regiões do país, mas perdemos pessoas do Norte depois do agravamento da pandemia que aconteceu lá. Muitos são profissionais da saúde e trabalham na linha de frente, precisaram atender integralmente as questões da região. Cada um desses membros traz uma visão muito particular do que é viver a pandemia no seu lugar de origem. Com isso, temos uma visão macro e ao mesmo tempo micro: ter uma ponte com esses locais ajuda a conseguir microdados específicos de cada região, até de municípios. Assim podemos ajudar as pessoas que nos trazem demandas e podem oferecer análises para os prefeitos e gestores locais. Gosto de ver nossos membros também como satélites que nos ajudam a chegar ainda mais longe no enfrentamento.
Não conseguimos atender a todas as demandas, buscamos priorizar o que é mais urgente e precisa ser feito imediatamente. Temos estratégias de organização para tentar abraçar o máximo possível de questões. Nosso trabalho é voluntário, todos fazemos no tempo livre, nas brechas. Não precisamos pedir nada, os integrantes da rede veem o que precisa ser feito e fazem. É difícil conciliar isso com tantas pessoas, sou muito grata. Durante a pandemia vi com meus olhos nascer um grande engajamento nas pessoas.
Trabalho mais no grupo de divulgação científica, fazendo contribuições nos demais grupos. Meu principal papel na rede é fazer uma ponte entre coordenadores e membros. Cada grupo tem suas próprias metas e objetivos, mas gosto de fazer esse papel para ver para onde a rede quer ir, como um todo.
Desde o ano passado, o Twitter se tornou uma rede muito importante de compartilhamento de informações. A ponto de a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] da Covid-19 estar atenta – os senadores põem vídeos, comentam conteúdos que as pessoas levantam. Vemos no Twitter muitos pesquisadores, muitos profissionais que as pessoas buscam para seguir. É um lugar de troca, de discussão científica. Tem informações que encontro ali antes de ver na mídia e pesquisadores que, mal mandam um artigo para submissão, já compartilham alguns dados. Virou um lugar estratégico para obter informação, mas é preciso ter senso crítico para isso, porque a desinformação circula de maneira até mesmo mais rápida que a informação. Temos contato com a equipe do Twitter Brasil, do Facebook e do Instagram – eles estão muito engajados na luta contra a desinformação e em dar espaço e visibilidade para quem tenta levar uma mensagem informativa adiante.
Seria ideal podermos entrar nas bolhas onde circula desinformação e mostrar que a informação não é político-partidária. Fico feliz porque criei estratégias para que a pessoa perceba que meu conteúdo está acima disso. Trago dados: o que o artigo quer dizer e a implicação daquilo para a sociedade. Consigo dialogar com pessoas que têm ideologias muito diferentes da minha, criando um local de comunicação não agressiva e de respeito. Quando dá certo, esses diálogos são pequenas grandes vitórias, porque vemos que a pessoa sai diferente: abandona o discurso agressivo, começa a ir atrás de informação para nos rebater e até a se questionar sobre o que tinha dito no início. Se conseguirmos pôr o benefício da dúvida em uma pessoa por dia, são 365 em um ano.
Vejo como muito inusitado o reconhecimento que recebi por essa iniciativa. A visibilidade me dá acesso a pessoas que antes não alcançaria. Consegui montar uma rede de contatos muito legal, incluindo pesquisadores que demoraria anos para conhecer, se dependesse de nos encontrarmos em algum congresso. São jornalistas, pesquisadores, comunicadores e especialistas do Brasil todo e várias partes do mundo. Essa rede vai continuar a existir, se adaptando às questões que seguiremos tendo que enfrentar.
Felizmente tenho condições boas de trabalho. Durante a pandemia consegui juntar dinheiro e investir em uma webcam um pouco melhor, em um teclado, alguns componentes que cabem no meu orçamento e ajudam a melhorar minhas transmissões, streamings, lives. Também tenho um ambiente de muito apoio e parceria em casa. Moro com meus pais e minha irmã, dividimos as tarefas domésticas. Estamos trabalhando sete dias por semana, então nos ajudamos, um cobre o outro. Se um não conseguir ajudar em uma semana, pode compensar quando puder. Todos entendemos o momento de trabalho uns dos outros.
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