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Engenharia Civil

Economia nas torneiras

Água de chuva aproveitada em sistema de coleta serve para regar plantas e lavar carros

A cena é bastante conhecida dos paulistanos. As chuvas de verão provocam alagamentos em vários pontos da cidade, mas muitos bairros não têm água nas torneiras por conta da escassez nos reservatórios. Se parte desse líquido, em vez de escorrer para as galerias pluviais, for coletada, armazenada e utilizada para regar plantas, lavar calçadas, pátios e veículos ou ainda como descarga em vasos sanitários, o fluxo de água para os córregos e rios vai diminuir, contribuindo para reduzir as enchentes e os alagamentos. Partindo desse princípio, pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), coordenados pelo professor Racine Tadeu Araújo Prado, sentiram-se motivados a projetar e montar um sistema de coleta e aproveitamento de água de chuva no Centro de Técnicas de Construção Civil da universidade que pode ser usado em vários tipos de construção, com poucos investimentos.

Um dos sistemas recomendados para eliminar a primeira água de lavagem do telhado possui dois reservatórios, um pequeno, que coleta e despreza automaticamente a chuva que cai nos primeiros minutos por ser muito suja, e um grande, utilizado para armazenar efetivamente o líquido. Assim que o pequeno fica cheio é fechado por uma bóia, semelhante às utilizadas em caixas-d’água residenciais, e o maior começa a receber a água. Um filtro colocado nas calhas retém folhas, galhos e outras sujeiras e impede o entupimento das tubulações. Se não for possível colocar os reservatórios diretamente no forro do edifício, é necessário a instalação de um reservatório no térreo, que fica enterrado, e outro no forro, para bombear a água. O emprego de dois reservatórios aumenta a capacidade de suprimento ao longo da estação seca. E a energia despendida para o bombeamento é muito pequena e não onera o sistema.

Para analisar a qualidade da água da chuva, foi instalado um coletor automático de amostras seqüenciais que mantém o líquido a 5°C para facilitar a avaliação. Esse coletor foi desenvolvido especialmente para o projeto financiado pela FAPESP com o objetivo de obter parâmetros físicos, químicos e biológicos do líquido coletado. Para avaliar as condições da água, de novembro de 2003 a março de 2004, os pesquisadores coletaram amostras enviadas posteriormente para análise no Instituto Adolfo Lutz.

Uma das descobertas feitas é que antes de passar por áreas impermeáveis, como o telhado, a água de chuva é ácida, com um pH de 4,9. Mas à medida que vai incorporando os sais e outras substâncias que estão no telhado ela vai se tornando mais alcalina e fica com o pH em torno de 7, portanto dentro das recomendações de potabilidade de água do Ministério da Saúde, que vai de 6 a 9,5. “Mas constatamos alguns problemas”, relata o professor Racine Prado. “Além de todo o material particulado emitido pelos veículos e indústrias que está no ar e se deposita nos telhados, também encontramos folhas de árvores, galhos, fezes de pássaros e pequenos animais mortos.”

Toda essa sujeira acumulada, principalmente depois de um longo período de seca, desce com a água. Por isso uma das recomendações dos pesquisadores para a coleta, baseada nos resultados das análises das amostras, é descartar a água proveniente dos primeiros quinze minutos de chuva, tempo necessário para que seja feita a limpeza do telhado. Por isso é importante que o sistema seja composto por dois reservatórios.Nas análises realizadas, o parâmetro odor esteve ausente em todas as amostras. Na avaliação de Racine Prado, os dados coletados e analisados mostram que dá para aproveitar a água de chuva, mas é necessário ter alguns cuidados. “Encontramos coliformes fecais, provenientes de animais de sangue quente, como pássaros, gatos e ratos, em 50% das amostras, além de outras bactérias que impedem sua utilização para higiene pessoal ou lavagem de roupas.” Para esses usos, é necessário que ela seja tratada. Já para as plantas, quintais, calçadas e carros, não há maiores problemas, ressalta o pesquisador, porque normalmente eles recebem essa água.

“Os postos de gasolina podem também utilizar essa água, porque o contato humano é muito pequeno e os carros não têm grandes exigências”, diz Racine Prado. Nesse caso, é mais fácil colocar o reservatório enterrado no chão do posto, porque não ocupa área de terreno. De qualquer forma, o pesquisador alerta que é necessário primeiro fazer o cálculo da necessidade de consumo antes de iniciar qualquer obra. Para um posto, por exemplo, esse cálculo deve considerar o período do ano em que a água será usada. Também é preciso levar em conta que um reservatório enterrado, ou não, exige uma obra de construção civil. Por isso ele ressalta que a viabilidade do sistema coletor depende basicamente de três fatores: precipitação, área de coleta e demanda. Se os três forem altos, o prazo de recuperação do investimento para algumas finalidades, como postos, lavanderias e indústrias, é reduzido.

Na USP, a água captada pelo sistema coletor foi distribuída para dois pequenos reservatórios de 2 mil litros e utilizada em duas bacias sanitárias instaladas no prédio do Centro de Técnicas de Construção Civil. Quando acaba a água de chuva, automaticamente é acionada a rede de abastecimento. “As pessoas nem percebem quando é uma ou outra, já que no nosso caso a cor da água é idêntica”, diz Racine Prado. A composição da água de chuva, inclusive parâmetros como a cor e o odor, varia de acordo com a localização geográfica do ponto de amostragem, as condições meteorológicas, a presença ou não de vegetação e também de poluentes.

Racine Prado diz que a legislação precisa ser aprimorada para incentivar a utilização da água de chuva para usos não tão nobres, já que a proveniente do abastecimento público é tratada e tem alto custo. A cidade de São Paulo já tem uma lei municipal, aprovada pela Câmara dos Vereadores em janeiro de 2002, que torna obrigatória a construção de reservatórios para coletar água em novas edificações com mais de 500 m2 de área impermeabilizada. São iniciativas como essa e a desenvolvidana Poli-USP que contribuem para diminuir o fluxo que congestiona os bueiros e os rios, alagando a cidade a cada temporada de chuvas mais intensas.

O Projeto
Estudo da viabilidade técnica e econômica do aproveitamento de água de chuva para consumo não potável em edificações (nº 02/04009-8); Modalidade Linha Regular de Auxílio à Pesquisa; Coordenador Racine Tadeu Araújo Prado – Politécnica/USP; Investimento R$ 119.650,00 (FAPESP)

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