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Formação

Educação a distância avança no setor privado e predomina nas licenciaturas

Expansão vigorosa e desordenada de cursos de graduação de EaD no Brasil expõe o potencial e as fragilidades do modelo

Alexandre Affonso

O Ministério da Educação (MEC) deve anunciar neste mês novas regras para o funcionamento de cursos superiores de educação a distância (EaD), aqueles em que a aprendizagem acontece predominantemente em um ambiente virtual: as aulas – gravadas ou ao vivo – são ministradas em plataformas na internet por professores especialistas e os estudantes, sempre apoiados por tutores on-line, só precisam cumprir um certo conjunto de atividades em modo presencial, como provas e estágios. O governo, conforme afirmou o ministro Camilo Santana, vai publicar um decreto para definir quais cursos poderão continuar a ser ministrados de forma remota, quais outros precisarão ter formato 100% presencial e quais poderão ser híbridos, com carga horária combinando as duas modalidades. “Fiquei impressionado quando soube que 40% dos cursos de enfermagem já estavam sendo a distância. Como se pode formar um enfermeiro a distância?”, indagou o titular do MEC em entrevista concedida em 14 de janeiro à Empresa Brasileira de Comunicação. Hoje, poucas graduações não podem ser oferecidas em EaD no país, como direito, psicologia, medicina e odontologia.

Os termos da nova regulamentação vêm sendo discutidos desde meados de 2024, quando o MEC suspendeu a abertura de polos presenciais e de cursos a distância e congelou o número de vagas existentes – a restrição vigora até 10 de março. A preocupação se deve ao crescimento vigoroso no número de matrículas e às evidências de que muitos cursos podem não estar seguindo parâmetros capazes de garantir a qualidade da formação. De acordo com o Censo da Educação Superior, divulgado em outubro de 2024 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), para cada aluno inscrito em um curso de graduação presencial no país em 2023, havia outro que optou pela EaD: em um quase empate, foram contabilizados 5 milhões de matrículas presenciais e 4,9 milhões em cursos a distância. Em 2019, a proporção era 72% de presenciais e 28% a distância.

O fenômeno foi impulsionado pelo setor educacional privado, que expandiu suas matrículas de graduação em EaD de 1 milhão em 2013 para 4,7 milhões em 2023. Há sinais de que parte dessas instituições de ensino promova uma formação a distância precária. Algumas delas cobram mensalidades muito baixas (a média em 2024 foi de R$ 210, segundo a consultoria Hoper) e se fundamentam em aulas gravadas, com pouca interação entre alunos e docentes: há relatos de tutores on-line que chegam a ser responsáveis por mais de mil estudantes ao mesmo tempo. De acordo com dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que avalia cursos superiores do país, em 2022 apenas 18% dos cursos em EaD alcançaram os conceitos mais altos – 4 e 5. Entre os presenciais, a proporção foi de 27%.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

A expansão teve como combustível uma mudança na regulamentação em 2017, que deu às instituições de ensino superior a prerrogativa de criar um certo número de polos sem precisar de uma análise prévia do MEC e de oferecer exclusivamente graduações a distância. Com isso, o número de cursos e de polos mais que triplicou entre 2018 e 2023. Atribui-se à experiência da pandemia, que implementou o ensino remoto de modo emergencial no país, um interesse maior dos alunos pela flexibilidade da educação a distância. “Assim como aconteceu no mundo do trabalho, parte dos estudantes passou a ver vantagens em estudar remotamente”, afirma o matemático e cientista da computação Klaus Schlünzen Junior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente. “Isso se refletiu no aumento da procura pela formação em EaD e na redução do interesse por cursos presenciais – nos de licenciatura isso fica especialmente evidente.” O presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), João Mattar, destaca que os alunos formados por cursos de EaD desenvolvem habilidades nem sempre proporcionadas pelo ensino presencial. “Eles em geral são mais autônomos e lidam melhor com a tecnologia”, afirma.

A mudança de uma política pública também pode ter impulsionado a modalidade. A aposta das instituições privadas de ensino superior na EaD ajudou-as a recuperar os alunos e a rentabilidade que estavam perdendo depois que o governo federal diminuiu o tamanho de seu programa de crédito educativo, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). “O Fies era muito importante para os oligopólios educacionais. Alguns grupos chegaram a ter 60% de sua receita proveniente do programa, mas, em 2015, o governo adotou políticas de austeridade fiscal que levaram a uma redução do financiamento”, diz Marcelo Scudeler, pesquisador da área de educação que analisou a relação entre o Fies e a EaD em sua tese de doutorado, defendida em 2022 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. As conclusões foram publicadas pelo pesquisador em 2023 na Revista da Avaliação da Educação Superior. “O auge do programa foi em 2014, quando chegou a celebrar mais de 700 mil contratos novos. Hoje são cerca de 40 mil contratos novos por ano”, diz Scudeler, que é docente da Universidade do Vale do Sapucaí, em Pouso Alegre (MG).

Em sua pesquisa, Scudeler acompanhou os perfis em redes sociais de conglomerados de educação e encontrou indícios de que alguns deles adotaram um modelo de negócios semelhante ao de franquias para expandir as vagas de EaD. Um dos casos que ele reproduz em sua tese é o do grupo Multivix, sediado no Espírito Santo, que divulgava material promocional para atrair interessados em abrir polos pelo Brasil. Os parceiros precisavam montar estruturas com alguns requisitos: para atender até 100 alunos, seria preciso dispor de um imóvel com recepção, sala de aula com ao menos 20 cadeiras, uma sala para estudo, baias com no mínimo três computadores e banheiros. Em troca, receberiam entre 25% e 40% das mensalidades de alunos que conseguissem recrutar – os percentuais mais altos eram reservados a quem captasse mais estudantes e para parceiros de fora do Espírito Santo. Procurado por Pesquisa FAPESP, o grupo Multivix não quis dar entrevista.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Pesquisadores que trabalham com a modalidade afirmam que é preciso separar o joio do trigo – e enumeram experiências brasileiras e internacionais de educação a distância de qualidade. “É necessário reconhecer o trabalho comprometido desenvolvido por muitas instituições de ensino superior públicas, que levam educação de qualidade a rincões do país”, afirma Ana Lara Casagrande, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), primeira instituição pública a criar no Brasil, em 1994, uma licenciatura em educação básica a distância.

Hoje, a UFMT oferece oito graduações em EaD. “Todas elas têm notas perto da máxima 5, a de maior relevância no Enade. Temos, por exemplo, uma licenciatura de EaD em tecnologia educacional que é pioneira no Brasil e recebeu nota 5”, diz Casagrande. A pesquisadora conta que há casos de egressos desses cursos a distância que hoje fazem mestrado presencial na universidade. “A EaD de qualidade tem características bem definidas, como professores e tutores nos polos presenciais com formação de alto nível e com possibilidade de estudar continuamente, além de uma estrutura de gravação e difusão de aulas, que pode alternar momentos síncronos, em que o aluno assiste ao vivo, com os assíncronos, quando se recorre às aulas gravadas”, explica.

Em outra notável vocação da EaD, ferramentas disponíveis nos ambientes virtuais de aprendizagem também dão suporte a políticas de inclusão, ampliando o acesso à educação a pessoas com deficiência. Um artigo publicado na revista Acta Scientiarum Education fez uma revisão da bibliografia publicada entre 2000 e 2015 sobre a contribuição da EaD para alunos com deficiência visual. Uma das conclusões do trabalho foi que, nos ambientes virtuais, os alunos com deficiência visual conseguem prescindir da ajuda de colegas e professores para acompanhar as aulas graças a recursos correntes nas aulas e no material didático, como audiodescrição e softwares que fazem a leitura de textos em PDF. “Há uma série de softwares e de tecnologias assistivas direcionada a estudantes cegos ou com outras deficiências. Com isso, às vezes até passa despercebido pelos colegas que há uma pessoa com baixa visão no ambiente virtual de aprendizagem”, afirma Maria Luisa Furlan Costa, líder do Grupo de Pesquisas em Educação a Distância e Tecnologias Educacionais da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, que escreveu o artigo em 2018 com Taissa Burci, pesquisadora da Universidade Estadual do Paraná, em Apucarana. “A questão é assegurar que os materiais que estão sendo postados atendam as necessidades dos alunos. Um vídeo com legendas pode ser utilizado tanto por pessoas com deficiência auditiva quanto por uma mãe que está assistindo enquanto amamenta e não quer fazer barulho”, afirma.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

O principal objetivo da EaD é democratizar o acesso à educação a pessoas que vivem em lugares onde não há oferta de vagas no ensino superior. Dez por cento das matrículas no Brasil estão em 2.281 municípios onde a EaD é a única opção para fazer uma graduação, segundo dados de 2023 do Inep. Em seu doutorado, orientado por Costa, Taissa Burci analisou o potencial da EaD na formação de alunos indígenas ao estudar o caso da própria UEM, que disponibilizou a partir de 2017, de maneira pioneira, vagas na modalidade a distância por meio do Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná. “A EaD permite que o estudante indígena cumpra boa parte de sua formação sem sair de sua comunidade e de seu meio familiar, o que contribui para seu bem-estar e sucesso acadêmico, embora o acesso à internet costume ser um problema”, afirma Burci.

No século passado, a EaD no Brasil esteve associada a iniciativas pontuais, como cursos por correspondência e de educação de adultos pelo rádio e pela televisão. De acordo com Daniel Mill, professor titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e líder do Grupo Horizonte (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens), a popularização da internet ampliou o alcance da EaD e, com isso, tornou-a um tema de pesquisa relevante. “Até a década de 1990, o interesse sobre a modalidade era de caráter mais técnico, para testar ambientes que simulassem uma instituição on-line ou criar ferramentas para fazer avaliação a distância”, diz. “Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, que estabeleceu a EaD como uma modalidade educacional, a pesquisa saiu da esfera da computação para migrar prioritariamente para a educação e compreender como o aluno interage com ambientes de aprendizagem, como organizar materiais didáticos articulados com mídias virtuais, como a tecnologia podia mediar o trabalho dos docentes – como promover uma educação de qualidade, em resumo”, afirma.

Em 2017, um estudo publicado pela Abed identificou no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 411 grupos de universidades públicas e privadas do país que investigavam temas da EaD em todas as áreas do conhecimento: educação e ciência da computação foram algumas das que se destacaram. “Há equipes em todos os campos do conhecimento, como saúde, gestão e ciências humanas. Nas ciências exatas, abrangem principalmente o desenvolvimento de tecnologias digitais”, afirma a coordenadora do levantamento, Vani Kenski, professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atual diretora de pesquisa da Abed.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Nas universidades públicas brasileiras, onde 90% dos estudantes estão no ensino presencial, a EaD avançou de 154 mil para 200 mil alunos matriculados entre 2013 e 2023. A oferta de graduações a distância despontou primeiramente em iniciativas descentralizadas, como a da UFMT. Em 2000, foi criada a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), que hoje tem 16 cursos e polos em dezenas de cidades. Já em 2004, o MEC criou o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que fornece recursos para que 151 universidades e institutos federais mantenham graduações em EaD, utilizando instalações e docentes dos cursos presenciais. Atualmente, o sistema disponibiliza 168.580 vagas, mas chegou a atender 264 mil estudantes em meados da década passada. O número de vagas caiu porque o investimento no sistema foi reduzido a partir de 2016.

“Vamos voltar ao patamar das 264 mil vagas nos próximos editais”, afirma a presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho. Ela conta que uma diminuição do investimento no programa também comprometeu a qualidade de parte dos cursos: apenas metade deles teve notas acima de 3 no Enade. “A ideia é investir na recuperação dos cursos com desempenho insuficiente”, afirma. “Mas também temos cursos de EaD de altíssimo nível, como uma licenciatura em física na Universidade Federal do Rio de Janeiro, outra em computação na Federal de Santa Maria, entre vários outros”, conta. Segundo ela, a boa qualidade está relacionada com o corpo docente, o mesmo que atua nos cursos presenciais das universidades públicas, além de tutores que têm ao menos nível de mestrado.

No debate sobre a EaD no Brasil, o crescimento de cursos remotos para formação de professores – as licenciaturas – é um capítulo de destaque. Uma análise de dados do Inep e do Enade feita pelo movimento Todos pela Educação mostrou que, em 2022, dois terços dos docentes formados fizeram cursos de EaD – em 2012, eles eram apenas um terço do total. O levantamento mostra ainda que a qualidade das licenciaturas em EaD caiu nos últimos anos no país. Dos 15 cursos analisados, nove tiveram redução na nota média do Enade entre 2014 e 2021.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Apesar desse desempenho, a modalidade remota tornou-se um esteio da formação de docentes em um momento em que o desinteresse pelas licenciaturas leva a uma escassez de professores nas escolas brasileiras (ver Pesquisa FAPESP nº 332). “Em um estado com uma carência enorme de professores como o Maranhão, jamais se conseguiria expandir o acesso à educação superior em cidades do interior e comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas se não houvesse as licenciaturas em educação a distância”, afirma Ilka Serra, pró-­-reitora de Extensão e Assuntos Estudantis e pesquisadora na área de EaD da Universidade Estadual do Maranhão (Uema). A instituição oferece mais de 4 mil vagas em graduações na modalidade EaD e mantém polos em 40 municípios.

Um parecer aprovado em maio de 2024 pelo MEC para orientar as licenciaturas em EaD causou polêmica: determina que os cursos a distância para formar docentes passem a ter uma carga horária de no mínimo 50% de aulas presenciais. A medida, se for confirmada pela nova regulamentação, inviabilizaria iniciativas que são bem avaliadas. “Estamos muito preocupados”, diz o engenheiro da computação Marcos Borges, presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). A instituição, vinculada ao governo de São Paulo e criada há 12 anos, tem como missão principal formar professores. Atualmente atende 80 mil alunos de graduação em EaD, um terço deles em licenciaturas (os demais estão na área da computação, administração e engenharia de produção). “Se for necessário incluir essa carga presencial, teremos que reavaliar a oferta de licenciaturas, pois não seria possível ter professores atuando presencialmente em mais de 400 polos, incluindo cidades pequenas e muito distantes dos grandes centros”, afirma.

Ele destaca a importância da Univesp para o ensino público paulista. “Por meio da EaD, conseguimos hoje formar docentes de diferentes disciplinas em cidades pequenas, onde há grande carência desses profissionais”, diz Borges, que é pesquisador da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, campus de Limeira. Os 430 polos da Univesp estão espalhados por 380 municípios – desses, 244 não têm nenhuma instituição com cursos presenciais. “Nessas cidades, ou o aluno faz EaD ou vai embora estudar em outros lugares.” Borges observa que uma descontinuidade dos cursos prejudicaria especialmente pessoas de classes mais baixas, que não podem se dedicar exclusivamente aos estudos – entre os ingressantes em 2024, 78% trabalhavam, 85% cursaram o ensino médio em escolas públicas, 58% tinham renda familiar de até 3 salários mínimos, 78% faziam parte da primeira geração da família com formação superior e 55% eram mulheres. Esses alunos, observa Borges, teriam dificuldades com o formato presencial. “Hoje vemos universidades gratuitas e de primeiríssima linha que não conseguem preencher suas vagas em licenciaturas. Isso não acontece com a Univesp: preenchemos 99,9% das nossas mais de 25 mil vagas anuais”, diz.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

A ideia do MEC de exigir conteúdo presencial pode ampliar uma confusão de conceitos que já envolve a educação a distância e a híbrida. “A flexibilidade de tempo, espaço e conteúdos curriculares caracteriza a EaD. Um curso a distância que exige ao menos 50% de formação presencial deixou de ser EaD”, diz Daniel Mill, do Grupo Horizonte da UFSCar. “Precisamos de um novo marco regulatório que pense mais na qualidade do que na forma”, diz. Em paralelo, um outro fenômeno foi detectado por pesquisadores da educação, a chamada “eadização” do ensino presencial. Em 2019, o MEC publicou uma portaria em que liberou as universidades para oferecer cursos presenciais com até 40% da carga horária por meio da educação a distância – exceto para a carreira de medicina. O limite anterior, de uma portaria de 2016, era de 20%. Em um artigo publicado em 2022 na revista Educação & Sociedade, autoras da UFMT analisaram essa flexibilização e concluíram que, em vez de aproveitar as tecnologias a distância para aperfeiçoar o ensino presencial, o expediente costuma ser usado para resolver precariedades. “Como não há uma norma, essa espécie de cota on-line do ensino híbrido frequentemente é usada para operacionalizar disciplinas em que faltam professores. Você junta as turmas e as coloca no que se considera EaD”, diz Ana Lara Casagrande, da UFMT, uma das autoras do artigo.

Em 2020, o MEC encomendou à organização de pesquisa Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) um estudo para expandir a educação a distância nas universidades federais. Um painel de especialistas coordenado por Klaus Schlünzen, da Unesp, levantou dados sobre iniciativas internacionais – como a Open University, do Reino Unido, a Universidade Aberta de Portugal e a Universidade Indira Ghandi, que atende 3 milhões de estudantes na Índia – e fez recomendações para que as instituições públicas de ensino superior se envolvessem mais com a modalidade e ampliassem as vagas. “Ficou claro que, em um país continental como o Brasil, precisaríamos recorrer à EaD para atingir a meta de 33% de escolarização superior da população. Caberia às universidades públicas promover o ensino de qualidade, sendo ele mediado pela tecnologia ou não, para cumprir esse objetivo”, diz. Schlünzen observa, contudo, que a EaD jamais pode ser uma modalidade de ensino de massa. “É impraticável que um tutor seja responsável por 500 alunos ao mesmo tempo.”

Na sua avaliação, as universidades públicas também têm responsabilidade na crise da educação a distância, porque até hoje evitaram institucionalizar a modalidade. “Mesmo as universidades que aderiram ao sistema UAB tratam a educação a distância como um apêndice de suas atividades e não investiram na EaD com o mesmo interesse e a mesma qualidade com que se dedicam ao ensino presencial”, diz. Segundo ele, existem disciplinas em instituições públicas no Brasil em que um professor dá aulas para quatro ou cinco alunos presencialmente. “Esse professor poderia atender, de forma híbrida, 20 alunos a distância e os quatro ou cinco presenciais que ele tem. As universidades precisam rever seus modelos.”

Capes cria diretrizes para atividades on-line em cursos de mestrado e doutorado presenciais
Aulas gravadas não poderão ser computadas na carga horária dos programas

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou em dezembro de 2024 uma instrução normativa que cria regras para adoção de atividades remotas nos programas de mestrado e doutorado do país. As diretrizes autorizam os programas de pós-graduação stricto sensu a oferecer on-line parte do conteúdo das disciplinas de seus cursos desde que na forma síncrona (aulas e atividades ao vivo) e que isso “não corresponda
à totalidade da carga horária didática do curso”, conforme nota técnica divulgada pela instituição.

Aulas gravadas, como as disponíveis em cursos de educação a distância (EaD), não poderão ser computadas na carga horária das disciplinas.
“Isso não quer dizer que esse recurso seja proibido”, explica a presidente
da Capes, Denise Pires de Carvalho. “Em muitos cursos, há carga horária dedicada a estudos livres. Nada impede que um professor recomende ao aluno consultar uma aula gravada nesse tempo livre.” A instrução normativa teve como base o relatório produzido por um grupo de trabalho que analisou os impactos do ensino híbrido na pós-graduação.

De acordo com Carvalho, a instituição optou por não estabelecer um limite para as atividades on-line por entender que essa definição cabe aos programas, de acordo com as peculiaridades de cada curso ou área do conhecimento. Na avaliação da Capes, as aulas e atividades on-line síncronas são compatíveis com uma formação de qualidade de mestres e doutores. “A geração de conhecimento é contínua e se espera que as disciplinas de pós-graduação acompanhem os avanços da ciência em tempo real, discutindo os resultados de artigos recentes e novas abordagens científicas. É possível fazer isso em aulas e atividades síncronas”, afirma. “Já aulas gravadas, a depender de quando foram produzidas, podem estar completamente defasadas.”

O Conselho Técnico-Científico (CTC) da Educação Superior da Capes já avaliou diversas propostas de criação de cursos de pós-graduação stricto sensu na modalidade EaD, mas até hoje só aprovou uma delas: em 2023, autorizou a oferta de um mestrado profissional a distância em energia e sociedade pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, no Rio de Janeiro (Cefet-RJ). O curso mantém 40% das atividades em modo presencial para orientação, pesquisa e até parte das aulas. Apenas 18% de seu conteúdo poderá ser ministrado de forma assíncrona, sem a presença ao vivo do professor.

Artigos científicos
SCUDELER, M. A. et al. A educação a distância como estratégia de captação de alunos após a redução da oferta do Fies. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior. v. 28, p. 1-22. 2023.
BURCI, T. V. L. et al. Inclusão de pessoas com deficiência visual na educação a distância. Acta Scientarum Education. (On-line). v. 40, p. 32212. 2018.
CASAGRANDE, A. L. et al. As contingências e condições objetivas da “Eadização” do ensino superior presencial. Educação & Sociedade. Revista de Ciência da Educação. v. 43, p. 1-15. 2022

Relatório
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE. Diagnóstico e desafios para a expansão da EaD no Brasil. Expansão EAD IES Públicas. Brasília, DF: 2021. 98p.

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