Dois grupos paulistas de pesquisadores propuseram abordagens matemáticas que explicam respectivamente movimentos do interior e do exterior do Sol, detalhando os mecanismos de formação de dois fenômenos resultantes da atividade solar, ambos associados a campos magnéticos. O primeiro são as manchas solares, regiões mais frias, com campo magnético intenso, onde podem ocorrer gigantescas ejeções de massa. O segundo são os ventos solares, jatos de partículas atômicas a uma temperatura de 1 milhão de graus Celsius (ºC) que se movem a até 900 quilômetros por segundo (km/s).
As duas equipes encontraram semelhanças profundas entre outros fenômenos e o funcionamento da estrela mais próxima da Terra.
No primeiro caso, um geofísico e um meteorologista da Universidade de São Paulo (USP) usaram leis físicas que regem o movimento das massas de ar na alta atmosfera para entender as consequências da interação entre as ondas em forma de redemoinho que ocupam aproximadamente metade da superfície do Sol. Eles mostraram como essas ondas ampliam o campo magnético do Sol e regulam a intensidade das manchas solares, cuja radiação pode prejudicar os equipamentos eletrônicos dos satélites artificiais dos quais dependem a internet e os celulares. Nesse trabalho, a variação da intensidade de energia liberada pelos redemoinhos do Sol apresentou uma periodicidade equivalente à dos ciclos solares, que indicam a variação da atividade solar, marcada pela maior ou menor formação de manchas solares. O Sol encontra-se agora em um desses momentos de menor atividade, fechando um ciclo de 11 anos. Nesses períodos, o número de manchas solares pode chegar a 10 por mês, 10 vezes menos que a do máximo, verificado em 2014 (ver gráfico).
No segundo estudo, físicos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) adotaram o conceito de oscilação – ou volatilidade – do mercado financeiro para descrever o comportamento dos ventos solares. Eles verificaram que as áreas de descontinuidade do campo magnético são decisivas na formação dos ventos solares e indicaram a probabilidade de quando poderiam ocorrer. Partículas energizadas nas correntes elétricas dos ventos solares, aprisionadas nas linhas de campo magnético da Terra, formam a aurora boreal (no polo Norte) ou austral (no Sul) quando colidem com a atmosfera terrestre
Ciclo solar
“Nosso trabalho reforça a ideia de que as ondas de Rossby, que são os redemoinhos da superfície do Sol, são uma das chaves dos ciclos solares”, diz o geofísico Breno Raphaldini, atualmente em estágio de pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Ele estuda as ondas desde o doutorado, concluído em 2014, sob a orientação de Carlos Raupp, do IAG. “As ondas surgem naturalmente, como resultado das reações do núcleo do Sol que aquecem o plasma e geram movimentos”, diz.
O meteorologista americano-sueco Carl Rossby (1898-1957) identificou as ondas que ganharam seu nome na alta atmosfera da Terra em 1939. Girando sempre na direção oeste, já que resultam da rotação do planeta, elas são formadas por grandes massas de ar, como os ciclones extratropicais, que causam fortes tempestades tropicais.
Exatos 30 anos depois, em 1969, o meteorologista Peter Gilman, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, propôs conceitualmente que as ondas de Rossby fossem importantes para ampliar o campo magnético do Sol. Era uma conclusão cabível, já que o plasma – gás formado por partículas carregadas eletricamente e capaz de conduzir eletricidade – do Sol age como um vasto oceano magnetizado, embora as ondas até então nunca tivessem sido observadas.
Em 2017, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos finalmente viram que as mesmas ondas gigantes e magnetizadas da atmosfera terrestre também existiam, de fato, no Sol. Satélites da Nasa, a agência espacial norte-americana, detectaram ondas se movendo no Sol para oeste a uma velocidade média de 3,2 metros por segundo (m/s) no hemisfério Norte e 2,65 m/s no Sul. À descoberta, anunciada em março daquele ano na Nature Astronomy, seguiram-se outras observações, uma delas de ondas de até 20 mil km de profundidade abaixo da superfície do Sol.
“Quando interagem, as ondas podem jogar energia uma para a outra”, diz Raphaldini. A transferência de energia resultante do movimento das ondas amplia o campo magnético que as envolve. Por sua vez, o campo magnético regula a atividade solar e a formação das manchas, em períodos de tempo que correspondem aos ciclos solares, como detalhado em um artigo publicado em dezembro na revista Astrophysical Journal. Um dos autores desse trabalho é o físico chileno Miguel Bustamante, professor da University College Dublin, na Irlanda, que definiu matematicamente um tipo de movimento turbulento chamado ressonância de precessão, usado para analisar os efeitos dos redemoinhos do Sol.
Em outro artigo, publicado em fevereiro na Astrophysical Journal Letters, os pesquisadores do IAG argumentaram matematicamente que o período de menor atividade solar, o chamado mínimo de Maunder, resulta da sincronização entre os redemoinhos do interior do Sol. “As ondas perdem energia e se tornam menores quando oscilam na mesma frequência”, diz Raupp. Segundo ele, a sincronização inibe o crescimento das ondas e a transferência de energia entre elas.
“Esta é uma abordagem original e promissora para estudar fenômenos como o mínimo de Maunder”, diz o astrofísico Gustavo Guerrero Eraso, professor da Universidade Federal de Minas Gerais que não participou desses trabalhos. Prever com exatidão a intensidade dos ciclos, porém, é impossível, porque a atividade solar segue um regime de movimento caótico – ou seja, o comportamento futuro dos ciclos é imprevisível.
MPS/NASA/HormesDesign
Redemoinhos da superfície do Sol como estes ampliam formação das manchas solares
MPS/NASA/HormesDesignVentos solares
O físico Tiago Gomes, atualmente em estágio de pós-doutorado no ITA, elaborou uma abordagem matemática para prever a probabilidade de surgimento de descontinuidades do campo magnético dos ventos solares, mas não com precisão porque elas também têm uma natureza caótica.
“Os ventos rápidos, de 900 km/s, e as áreas de descontinuidade podem ser previstos no máximo para um futuro próximo, dependendo da intensidade de cada fenômeno, porque, por serem caóticos, a incerteza se torna muito elevada para grandes horizontes de tempo”, afirma.
Ele verificou que uma das maiores tempestades solares pode ocorrer a cada 150 anos. Trata-se do evento de Carrington, registrado em 1859 pelo astrônomo amador britânico Richard Carrington (1826-1875), com uma intensidade de mil a 10 mil vezes maior que os ventos que chegam todo dia à Terra e auroras boreais que puderam ser vistas de latitudes menores que as polares, como Cuba, Bahamas e Havaí. “Estatisticamente, poderá ocorrer outra vez a qualquer momento”, diz Gomes.
Em 2014, no início do doutorado, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ele verificou que fenômenos do mercado financeiro, como a variação do preço das ações de uma empresa na Bolsa de Valores, geravam gráficos muito semelhantes aos dos campos magnéticos dos ventos solares e também seguiam as leis do caos e de outro tipo de movimento irregular, a turbulência.
Além de ver que essa abordagem funcionava, ele identificou a origem do movimento turbulento dos ventos solares: eram as chamadas lâminas de corrente, áreas de descontinuidade do campo magnético e de correntes elétricas mais intensas, identificadas em 1965 pelo geofísico norte-americano John Wilcox (1925-1983), da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Norman Ness, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Com extensão que pode ir de poucos centímetros a milhares de quilômetros, foram detectadas por meio da técnica de volatilidade usada no mercado financeiro. “Uma lâmina de corrente dos ventos solares é essencialmente equivalente a uma crise financeira, porque ambas representam mudanças abruptas de comportamento ou descontinuidades.”
Gomes concluiu que as lâminas mais intensas, embora ocupassem uma proporção menor dos ventos – estimadas em no máximo cerca de 30% da área – e se formassem e se desfizessem continuamente, emergiram como as responsáveis pela turbulência e outras características essenciais dos ventos.
“Quanto mais carregada eletricamente a lâmina de corrente, maior a probabilidade de ocorrer uma reconexão magnética, que transforma energia magnética em energia cinética, formando as auroras boreais ou austrais”, diz.
Sua abordagem, detalhada em um artigo publicado em outubro de 2019 na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, permitiria também identificar as lâminas de corrente, que podem desestabilizar equipamentos eletrônicos de satélites, do mesmo modo que os pilotos de avião evitam as nuvens carregadas eletricamente. Para o cientista molecular Reinaldo Santos-Lima, professor do IAG que não participou desses trabalhos, essa abordagem poderia ser combinada com simulações numéricas de turbulência de plasmas para conhecer melhor as limitações do método. “Temos agora de confrontar esses modelos com as observações”, diz ele.
No caminho inverso, Gomes emprega no mercado financeiro técnicas de detecção de eventos solares raros. Em um de seus trabalhos, ele verificou que até 5% das transações de cartões de crédito, quase o dobro do valor obtido por outras técnicas de análise, são fraudulentas. “Um dos sinais de possível fraude é uma mudança abrupta na movimentação, o mesmo princípio dos ventos solares”, observa.
Rumo ao Sol
Muita informação está chegando – e servindo para ajustar os modelos teóricos – da sonda Parker Solar Probe. Lançada em agosto de 2018, completou em janeiro de 2019 a primeira das 21 órbitas previstas do Sol, mandou 17 Gigabytes de dados, confirmou que os ventos rápidos são gerados por partículas que saem de grandes buracos próximos dos polos da coroa solar e mostrou que os lentos, até então de origem desconhecida, emanam de buracos menores perto do equador da estrela. Ao atingir o máximo de sua aproximação, a cerca de 6,2 milhões de km do Sol, a Parker atingirá uma velocidade superior a 700 mil km/h, o que a tornará o objeto mais veloz já construído.
Projeto
Variabilidade paleoclimática da Zona de Convergência do Atlântico Sul e processos nos oceanos Atlântico e Pacífico: Último Glacial, Holoceno Médio e último milênio (no 17/23417-5); Modalidade Bolsa no país – Pós-doutorado; Convênio Belmont Forum; Pesquisador responsável Pedro Leite da Silva Dias (USP); Bolsista Breno Raphaldini Ferreira da Silva; Investimento R$ 191.688,62.
Artigos científicos
RAPHALDINI, B. et al. Nonlinear Rossby wave-wave and wave-mean flow theory for long term solar cycle modulations. The Astrophysical Journal Supplement Series, v. 877, p. 1-17, 2019.
RAPHALDINI, B. et al. A new mechanism for Maunder-like solar minima: Phase synchronization dynamics in a simple nonlinear oscillator of Magnetohydrodynamic Rossby Waves. The Astrophysical Journal Letters. v. 890, n. 1, p. 2-11. 13 fev 2020.
McINTOSH, S. W. et al. The detection of Rossby-like waves on the Sun. Nature Astronomy. v. 1, 0086. 27 mar. 2017.
GOMES, T. F. P. et al. Extreme value theory in the solar wind: The role of current sheets. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. v. 490, 1879–93. 18 out. 2019.
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