Os setores produtivos nacionais têm recorrido, com maior freqüência, a processos e sistemas de trabalho mais eficientes e limpos com o objetivo de melhorar o aproveitamento das matérias-primas, diminuir os resíduos e buscar a reciclagem de produtos e de sobras industriais. O resultado dessa seqüência de novos procedimentos é a redução substancial de custos e a possibilidade de conquistar mercados externos, cada vez mais exigentes em relação a processos de produção que causem menos agressões ao ambiente. “A adoção de tecnologias limpas leva as empresas a economizar muito dinheiro e a aumentar seu faturamento”, diz o professor Luis Nunes de Oliveira, coordenador adjunto das áreas de exatas da diretoria científica da FAPESP.
“Além disso, a empresa deixa de ser multada em casos, por exemplo, de descarte de resíduos em rios.” Dentro dessa política estratégica para o país, sete projetos financiados pela FAPESP ampliam e lançam novas perspectivas para o uso e desenvolvimento de tecnologias limpas. Esses projetos englobam desde a construção civil até a reciclagem de metais e o aproveitamento de embalagens. “A construção civil é o ramo da economia que mais agride a Natureza, devido à grande quantidade de recursos naturais que demanda”, reconhece Vahan Agopyan, engenheiro civil e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Os estudos de Agopyan são centrados em projetos que têm como objetivo reutilizar o que é descartado como lixo. Entre os mais importantes está o que transforma a escória de resíduo da produção do aço, sem nenhum valor, em componente importante na fabricação de um cimento inovador: duas vezes mais resistente e 40% mais barato que o cimento comum. No novo cimento, que rendeu o registro de uma patente, a escória desempenha função fundamental. Combinada com ativadores, que são substâncias formadas por compostos de silicatos de sódio, sulfatos e hidróxidos de cálcio, o cimento ganha baixa alcalinidade, o que permite acrescentar fibras na mistura.
Fibras de vidro fazem do cimento de escória material resistente e fácil de moldar. “A escória tinha um valor irrisório. Nossa pesquisa agregou valor a esse rejeito, transformando-o num excelente material do ponto de vista industrial”, diz Agopyan, que coordenou o projeto Painéis de Cimento de Escória Reforçados com Fibra de Vidro E, desenvolvido no âmbito do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP.
Dois anos atrás, quando esse projeto foi concluído, as siderúrgicas não tinham outra alternativa senão pagar para deixar esses resíduos em aterros industriais. Devido aos altos custos, grande parte da escória era abandonada no meio ambiente, contaminando o solo e a água. “Com o tempo, a escória endurece e forma rochas compostas por metais pesados que contaminam o lençol freático”, diz Agopyan. A cada ano, as siderúrgicas brasileiras obtêm, como subproduto da obtenção do aço, cerca de 6 milhões de toneladas de escória de alto-forno. Hoje, não só economizam o que gastavam com destinação final como ainda faturam com a escória.
Venda de escória
A Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), em Vitória, no Espírito Santo, apoiou o projeto e fatura, atualmente, US$ 9 milhões por ano com a venda da escória para quatro cimenteiras. Antes, toda a sua produção, de 1,7 milhão de toneladas por ano, tinha como destino apenas duas empresas que estocavam o produto em terrenos. “Nossos clientes não sabiam o que fazer com tanta escória”, diz Paulo Lana, gerente de vendas especiais da CST.
Agopyan é o primeiro brasileiro a integrar a diretoria do Conselho Internacional de Pesquisa e Inovação em Construção Civil (CIB), entidade existente há mais de 50 anos, como vice-presidente. “Essa preocupação com o meio ambiente não é modismo”, diz. Tanto que o CIB, que muda o tema de seus congressos a cada três anos, em 2001 retomou o mesmo assunto abordado em 1998: a construção sustentável.
Outra contribuição de Agopyan para esse tema – junto com outros pesquisadores da USP – foi colaborar no texto de uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre “Resíduos da Construção Civil”, que dará mais responsabilidades aos municípios para fiscalizar empreiteiras e transportadoras na geração e no transporte de entulhos de construção civil. A partir dessa resolução, haverá mais regras a cumprir por parte das empreiteiras e dos proprietários das caçambas, que também serão responsáveis pelo depósito de resíduos. No momento, o texto da resolução está em análise pela câmara técnica de controle ambiental do Conama.
A construção civil ainda tem um grave problema a resolver. É a presença do amianto na composição das telhas. O uso desse mineral é proibido em 21 países, devido aos problemas de saúde que provoca. A partir de janeiro de 2005, a decisão valerá para todos os países membros da União Européia. Mas no Brasil a fibra mineral continua a ser utilizada pelos fabricantes de caixas d’água, telhas e pastilhas de freio. O projeto de lei federal que bania definitivamente o amianto da indústria brasileira sob o argumento de que esse material é cancerígeno e causa doenças no pulmão não foi aprovado, mas substituído por outro, que estabelece o seu uso controlado.
Fibras vegetais
Mas a substituição do amianto nas telhas brasileiras já está a caminho com um projeto do PITE – Desenvolvimento de Tecnologia para Fabricação de Telhas de Fibrocimento sem Amianto -, desenvolvido em parceria com as empresas Infibra-Permatex, de São Paulo, e Imbralit, de Santa Catarina. A principal função do projeto é eliminar o amianto e introduzir fibras vegetais e plásticas na fabricação das telhas. O uso crescente desses materiais é uma tendência mundial na construção civil.
O cimento, quando misturado às fibras vegetais, torna-se apropriado à produção de equipamentos delgados e mais resistentes a esforços dinâmicos. “A indústria brasileira tem como grande desafio desenvolver tecnologias para o uso de fibras que sejam, ao mesmo tempo, limpas e viáveis economicamente”, diz o coordenador do projeto, professor Holmer Savastano Júnior, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP).
O projeto prevê a fabricaçãode telhas reforçadas com fibras plásticas e de celulose. Matéria-prima renovável, as fibras de celulose são aceitas internacionalmente. A intenção é utilizar fibras de eucalipto e de pinus, para reforçar as telhas, e fibras plásticas, que dão resistência a longo prazo. Na fase atual, os pesquisadores testam essas matérias-primas em escala de laboratório.
Casca de arroz
Outra fibra vegetal que pode ser útil como matéria-prima em insumos para a construção civil é a casca de arroz. Não in natura, mas com a extração da sílica existente nessa fibra para compor concretos estruturais. A casca de arroz é hoje um grande problema ambiental no Brasil. Por ano, são descartados 10 milhões de toneladas de casca de arroz – e 400 mil toneladas de sílica -, que são queimadas ou deixadas sobre a terra. Para aproveitar o potencial desse resíduo, na USP de São Carlos desenvolve-se o projeto Concretos de Alto Desempenho com Sílica de Arroz, coordenado pelo professor Jefferson Libório, do Laboratório de Engenharia Civil do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia.
Os pesquisadores desenvolveram um método para extrair a sílica da casca do arroz e comprovaram sua aplicação em concretos estruturais. Libório desenvolveu a tecnologia junto com o professor Milton de Souza, do Instituto de Física e Ciência dos Materiais da USP. O trabalho conjunto já possui um pedido de patente e está prestes a ser colocado no mercado. “Várias empresas estão interessadas, mas temos de manter os nomes em sigilo enquanto elas fazem os ensaios”, diz Libório.
Outro foco do desenvolvimento de tecnologias limpas está na reciclagem de produtos descartados. Embora seja popular a destinação de latinhas de cervejas e refrigerantes para a reciclagem, apenas 229 mil toneladas de alumínio de sucata recuperada participaram do 1,5 milhão de toneladas produzidas no Brasil durante o ano 2000, segundo levantamento feito pela Associação Brasileira do Alumínio (Abal). Na avaliação do professor Antonio Carlos da Cruz, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), essa proporção deve aumentar gradativamente.
Entre as muitas vantagens, a reciclagem consome muito menos energia elétrica do que a necessária para produzir alumínio a partir da bauxita, 5% no máximo. Mas, para que os processos de reciclagem tornem-se realmente limpos, novas tecnologias precisam ser aperfeiçoadas. Cruz coordena uma pesquisa considerada inovadora, pelo fato de dispensar o uso de sais na reciclagem de alumínio. Usados para proteger o próprio alumínio contra a oxidação, os sais geram resíduos que contaminam o ambiente.
O projeto Reciclagem do Alumínio: Desenvolvimento de Inovações Tecnológicas prevê o controle da atmosfera do forno, impedindo ao máximo a presença de oxigênio, e substitui a combustão, que requer o uso desse gás, pelo uso de plasma térmico para aquecer o forno. Esse produto é obtido pela passagem de corrente elétrica em um gás, formando o plasma, substância capaz de atingir a temperatura de até 20 mil graus Celsius.
Escala industrial
Os recursos investidos no projeto pela FAPESP e por seis empresas representadas pela Abal viabilizaram tanto a tecnologia como o forno rotativo, com capacidade para processar 300 quilos de material – volume suficiente para demonstrar o desempenho em escala industrial. Falta apenas a inspeção das condições de segurança, para que o forno comece a operar, reciclando borra de alumínio, latinhas, panelas, blocos de motor e esquadrias usadas em janelas e portas.
A vantagem do plasma para a reciclagem de alumínio está no fato de esse processo não produzir resíduos nem efluentes tóxicos e perigosos. Uma das empresas candidatas a se valer dessa nova tecnologia é a Latasa, que fabrica 6 milhões de latinhas, metade com alumínio reciclado. Hoje, o processo utilizado para reciclagem das 40 mil toneladas de alumínio da empresa utiliza sais que precisam ser descartados e geram um custo adicional para eliminá-los com segurança. O gerente do Centro de Reciclagem da Latasa em Pindamonhangaba, no Vale do Paraíba, Antonio Paulo Galdeano Damiance, não revela a quantidade de sais utilizados na reciclagem nem o custo com a destinação final, mas assegura que, nos últimos três anos, a Latasa reduziu os sais, e, conseqüentemente, os resíduos, em 45%. Segundo o gerente, isso se deve à aplicação de tecnologias norte-americanas no processo. Com a ajuda dos pesquisadores da USP, a empresa tem chances de zerar esse índice.
Menos energia
Os avanços na área de reciclagem de alumínio não param por aí. Um novo tipo de refino eletrolítico do alumínio, um dos processos de reciclagem desse metal, tornou-se viável economicamente devido a uma tecnologia desenvolvida nas instalações do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), por meio do projeto Desenvolvimento de um Processo de Refino Eletrolítico (reciclagem) de Sucatas de Alumínio em Banhos de Cloretos Fundidos. Até pouco tempo, esse processo exigia tanta energia elétrica quanto a consumida na produção do alumínio primário.
Ao substituir os sais de fluoretos (compostos de flúor) pelos cloretos (à base de cloro) e, a partir disso, reestruturar o processo, o professor Marcelo Linardi, do Ipen, diminuiu o gasto de energia em dois terços, de 15 quilowatts (kW) para cerca de 4 kW por quilo de alumínio reciclado produzido. Com essas inovações e outras modificações no processo, ele construiu uma célula de refino eletrolítico, obtendo alumínio com 99,8% de pureza a partir de sucatas.
Ciclo de vida
Se o destino das latinhas de alumínio foi a reciclagem em 78% do total de unidades produzidas no Brasil em 2000, as outras embalagens ainda não têm o mesmo sucesso. Embora exista tecnologia para reciclagem, papel e plástico, por exemplo, ainda não atingem alto índices de reaproveitamento. O principal motivo é que o quilo desses materiais custa bem menos que o do alumínio. Mas em inferioridade não vale para os estudos com embalagens de papel e papelão, vidro, madeira, plástico, aço e de leite longa vida. No campo da pesquisa acadêmica, essas embalagens merecem a mesma atenção.
O Brasil já possui um vasto banco de dados com os resultados das avaliações desses materiais, com números e tabelas de consumo de combustível, energia, água e todos os outros insumos necessários à fabricação e ao ciclo de vida dessas embalagens. Esse banco de dados foi composto durante o projeto Análise do Ciclo de Vida de Embalagens para o Mercado Brasileiro, do PITE, finalizado em 1999 e desenvolvido por pesquisadores do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea), do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas. Segundo Anna Lúcia Mourad, química que integra o grupo de pesquisa, o banco de dados, cuja primeira versão foi concluída em 1998, passa por freqüentes atualizações. “Fizemos o levantamento completo, detalhado, de tudo o que se consome para obter uma caixa de papelão”, exemplifica Anna Lúcia, responsável pela área de materiais celulósicos da pesquisa.
Papelão ondulado
Esse não é o único projeto do Cetea afinado com a proposta de produção mais limpa. Um outro, desenvolvido no âmbito do PITE, intitulado Desenvolvimento de Sistemas de Embalagens de Papelão Ondulado para Hortifrutícolas, também tem forte caráter ambiental. Em parceria com a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), o Cetea desenvolveu três tipos de caixas de papelão ondulado para armazenamento e transporte de tomate, laranja, uva, berinjela, pepino, pêssego e cenoura. Desde 1999, quando o projeto foi concluído, as caixas de papelão estão disponíveis para a cadeia de hortifrutícolas, que anteriormente não tinha opção para as caixas de madeiras tipo K.
Normas técnicas
O papelão ondulado tem pelo menos duas vantagens em relação à caixa K. A primeira pelo fato de ser descartável e reciclável, o que aumenta o nível de limpeza das frutas e verduras comercializadas. A outra está relacionada à maior compatibilidade do papelão com a fragilidade dos produtos. Nas caixas K, as perdas dos hortifrutícolas chegam a 30%. Segundo a engenheira de alimentos Eloísa Garcia, pesquisadora do Cetea, “a perda de produtos por falha de embalagem traz conseqüências negativas ao ambiente, muitas vezes maiores que o custo ambiental da fabricação e disposição final de uma embalagem adequada”.
Do cimento às embalagens, todos os setores buscam a excelência em produtos e sistemas menos tóxicos e que gastem menos energia. Iniciativas por um mundo mais voltado para os conceitos de tecnologia limpa são incentivadas, inclusive, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Desde 1995 a capital gaúcha, Porto Alegre, é a sede brasileira do Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL), fundado com o apoio da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Nos últimos anos, essas entidades ajudaram a instalar centros de tecnologia limpa em 22 países em desenvolvimento. O centro recebe apoio e está instalado no prédio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
“A destinação final dos resíduos custa caro às empresas. Quando elas reduzem esses resíduos na origem do processo, tornam-se mais competitivas”, diz Hugo Springer, diretor do CNTL. Com o apoio desse centro, empresas ligadas ao Senai tornaram sua produção mais limpa em vários setores da indústria: calçadista, moveleiro, metal-mecânico, alimentos e celulose. O empenho nesse esforço comum conta também com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Referência para o empresariado, a ABNT prestou, em novembro do ano passado, sua mais recente contribuição, com o lançamento da ISO 14040, que vem somar-se ao conjunto de normas ISO 14000 dirigidas à proteção ambiental.
Segundo Hubmaier Lucas de Andrade, coordenador do subcomitê de ciclo de vida na ABNT, a nova norma orienta as empresas na revisão de toda a cadeia produtiva, por meio da análise do ciclo de vida do produto. “A ISO 14040 é uma ferramenta voluntária que não é certificável, mas ajuda as empresas a tomar decisões para aperfeiçoar o processo”, diz Andrade. Na avaliação do coordenador, a aplicação da norma facilita a definição de prioridades no desenvolvimento de tecnologias limpas.
“No Brasil, temos de construirum arranjo institucional que permita às empresas levantar seus dados deciclo de vida, desde o uso da matéria-prima até o pós-consumo”, avalia Andrade. Por tudo isso, o novo século aponta para a perspectiva das tecnologias limpas. Uma condição para que o planeta continue vivendo outros séculos.
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