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Física

Elétrons em alta velocidade

Acelerador de partículas é projetado e construído no Instituto de Física da USP

Mícrotron: experimentos em física nuclear e na medicina

eduardo cesarMícrotron: experimentos em física nuclear e na medicinaeduardo cesar

Existem vários modelos de aceleradores de partículas, com tamanhos diferentes e características próprias. São máquinas que levam, no interior de uma tubulação, feixes de partículas até um alvo específico para quebrar um átomo, entrar em choque com partículas subatômicas ou entender a formação de um material, orgânico ou inorgânico. No mundo, o mais famoso é o gigantesco Large Hadron Collider (LHC), localizado na Europa. No Brasil, o maior é o Síncrotron, instalado em Campinas, no interior paulista. O mais recente exemplar desse tipo de máquina no país é um mícrotron que acelera elétrons até perto da velocidade da luz e foi, de forma quase completa, aqui projetado e construído por pesquisadores do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) com recursos financeiros da FAPESP – principalmente para a compra de equipamentos e bolsas de estudo –, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), num total de investimentos de cerca de R$ 1,5 milhão.

Os primeiros testes que validaram o equipamento e produziram feixes de elétrons foram realizados em 2008 e os experimentos iniciais com o novo acelerador aconteceram em agosto de 2010. Esse começo de trabalho tratou de análises e diagnóstico para detecção do feixe e da emissão de radiação gerada pelo acelerador, estudos que estão relacionados com a construção do complemento do aparelho. Hoje o acelerador opera com um feixe de energia de 1,9 milhão de elétrons-volts (MeV). O objetivo para os próximos cinco anos é atingir os 38 MeV, que o transformarão em uma máquina única no mundo porque não existe outro mícrotron com essa configuração. O maior mícrotron do planeta está na Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, na Alemanha, instituição que colaborou com a equipe do IF ao longo de todo o projeto, possuidora de um acelerador com energia de até 1,5 bilhão de elétrons-volts (GeV).

O mícrotron da USP deverá atingir um estágio intermediário de 6 MeV, com um feixe de boa qualidade, em 2012 ou 2013. “Com 6 MeV será possível fazer estudos com finalidades médicas porque é a mesma energia dos aceleradores usados em radioterapia para tratamento de cânceres”, diz o professor Vito Vanin, coordenador do mícrotron e chefe do Departamento de Física Experimental do instituto. “Com ele poderemos estudar a interação entre a radiação e o corpo. Nesses casos, para aplicação da radioterapia, hoje se prepara uma máscara para a radiação atingir apenas o local onde está o tumor. Ocorre que as beiradas dessa área também são afetadas e gostaríamos de contribuir para minimizar esse problema. Os dados experimentais atuais sobre esse tema são escassos”, diz Vanin. Nesses estudos, os brasileiros terão a colaboração de pesquisadores das universidades de Barcelona e Politécnica da Catalunha, ambas na Espanha, e da Universidade Duisburg-Essen, na Alemanha, que possuem trabalhos teóricos sobre o assunto e pretendem entrar numa fase experimental com o equipamento do IF da USP.

Em estudos de física básica o novo acelerador poderá colaborar para um melhor entendimento das rea­ções de fissão em núcleos pesados, como átomos de urânio, tório e outros elementos em que será possível retomar as linhas de pesquisa interrompidas com o antigo acelerador linear de elétrons do IF, aposentado definitivamente em 1993. Era uma máquina que foi doada pela Universidade Stanford, dos Estados Unidos, para o IF em 1967 com a intermediação do professor José Goldemberg, da USP. “Nós pensávamos em construir um novo acelerador ainda com o antigo funcionando”, diz Vanin. Embora com mais energia, igual a 60 MeV, o antigo acelerador era do tipo pulsado, enquanto o ideal e mais avançado para a área de pesquisa seria um acelerador com um feixe contínuo de elétrons em altíssima velocidade e sem pulsos. “Essa característica é importante por ser mais bem adequada para fins experimentais, embora seja mais trabalhoso implementar uma máquina de feixe contínuo, muito mais complexa que uma pulsada.”

O feixe de elétrons na interação com um alvo-radiador, que é um material normalmente metálico colocado dentro da tubulação antes do material a ser analisado, produz fótons, partículas elementares de luz, com energia suficiente para investigar a estrutura nuclear de forma independente dos processos da interação que ocorrem entre prótons e nêutrons, o que garante uma nova ferramenta para o estudo do núcleo dos átomos. A colisão dos elétrons contra esse alvo-radiador também gera raios X e gama que são radiações penetrantes usadas em vários tipos de análise, inclusive as nucleares. “A interação do feixe de elétrons com uma amostra arranca elétrons da camada interna desse material e o preenchimento do buraco por outro elétron do átomo produz raios X. Pode acontecer também o efeito de bremsstrahlung, que é a radiação de freamento repentino dos elétrons pelo núcleo do átomo, fenômeno no qual se baseia a produção dos raios X nos aparelhos de uso médico. Esses processos, mais a radiação óptica de transição, que é a luz gerada pelo elétron quando ele deixa o vácuo por onde transita para ingressar em um meio material, estão sendo estudados em nossos primeiros experimentos com o acelerador.”

O projeto do novo acelerador começou a tomar corpo por meio de um acordo com o IF da USP e o Laboratório Nacional Los Alamos, dos Estados Unidos, que forneceu um projeto para a construção das estruturas aceleradoras do mícrotron no início dos anos 1990. O instituto norte-americano também estava construindo um acelerador desse tipo de maior energia que chegou a funcionar, mas mostrou-se instável e foi desativado. “Nós queríamos trabalhar com energias mais baixas e o professor Jiro Takahashi [do próprio IF da USP] redesenhou o projeto e construiu as estruturas aceleradoras”, diz Vanin. No início do projeto e construção do acelerador, a coordenação dos trabalhos esteve com o professor Marcos Martins, que atualmente é diretor de pesquisa e desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). “Todos os componentes do mícrotron foram construídos com tecnologia nacional, comprados de indústrias brasileiras, com exceção da válvula Klystron, que amplifica micro-ondas, e alguns acessórios. Ao construir a máquina nós ganhamos o domínio das condições experimentais, conhecemos os limites e as possibilidades de todos os componentes, além de a manutenção ser feita por nós e sabermos se as mudanças serão fáceis ou difíceis, caras ou baratas.”

Complexidade para garantir um feixe rápido e contínuo

eduardo cesarComplexidade para garantir um feixe rápido e contínuoeduardo cesar

Parceiros da usinagem
Alguns componentes, como as câmaras de vácuo de um equipamento chamado de booster, ao longo do mícrotron, foram usinados pelo Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. É no interior dessas câmaras, colocadas dentro de eletroímãs, que o feixe de elétrons dá voltas para repassar numa estrutura aceleradora e ganhar velocidade. Outra contribuição veio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que usinou os canais por onde passa a água de refrigeração das estruturas aceleradoras. A máquina, neste estágio inicial, possui seis metros de comprimento para condicionamento dos elétrons e alguns metros quadrados para o booster.

A válvula klystron, de origem francesa, foi financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1989, num valor total, que inclui um equipamento de testes, de cerca de US$ 200 mil. Ela é um amplificador de micro-ondas que fornece ondas eletromagnéticas para servir de meio de aceleração dos elétrons no percurso ao longo do equipamento até atingir a amostra a ser analisada. São dezenas de quilowatts de potência inseridos na tubulação, o equivalente a uma centena de fornos domésticos de micro-ondas. Os elétrons são gerados num canhão, capaz de produzir 100 quilovolts, que retira essas partículas de um componente eletrônico chamado de catodo. O feixe de elétrons possui uma corrente elétrica de 50 micro-amperes, que parece pequena quando comparada ao consumo de um eletrodoméstico, mas corresponde ao fluxo de centenas de bilhões de elétrons por segundo. O canhão foi projetado e construído no IF com o aperfeiçoamento de uma solda realizada em um forno a vácuo para a ligação entre peças metálicas e cerâmicas. O tubo cerâmico do canhão de elétrons foi doado pela empresa NGK do Brasil, fabricante de velas de ignição para motores automobilísticos.

Viagem do feixe
Depois de produzido no canhão de elétrons, o feixe viaja em uma espécie de túnel com diâmetro de um centímetro e meio. Ao longo do trajeto, quando o túnel atravessa câmaras chamadas de cavidades, as micro-ondas são injetadas e formam um campo elétrico na direção do feixe. Nas pontas da estrutura aceleradora do booster existem dois grandes eletroímãs que fazem o feixe retornar para ela, de modo a fornecer novo impulso ao feixe. Para que tudo funcione sem interferências externas, uma parte do equipamento possui uma blindagem magnética que bloqueia, inclusive, o campo magnético da Terra. Ao longo de todo equipamento há uma série de microcontroladores que checam vários parâmetros. Entre os sistemas necessários ao bom funcionamento do mícrotron está o de proteção pessoal. “Existe um sistema de intertravamento que desliga o acelerador caso alguém entre no prédio da máquina, por medida de precaução contra possíveis problemas com a radiação X ou gama – ninguém fica ao lado do mícrotron enquanto ele funciona.” O controle do equipamento é feito de outra sala do instituto com um sistema dotado de um software exclusivo desenvolvido pela equipe do mícrotron.

O projeto e a construção do mícrotron mostram o esforço de independência de um grupo de pesquisadores em dotar o país de um instrumento de grande importância não apenas para a ciência básica como também para a indústria. “Cada vez mais com o avanço tecnológico haverá necessidade de aceleradores industriais para analisar peças com feixes de alta energia, por exemplo, e nós provamos que temos capacidade científica e tecnológica para a construção de um acelerador de elétrons. Assim podemos transmitir conhecimentos em aceleradores para quem necessite construir um”, diz o professor Vanin. Ele conta também que o grupo do mícrotron tem interesse em manter intercâmbio com pesquisadores de outras instituições que desejem usar o acelerador.

Acelerador

Os projetos
1. Montagem da sala de controle do mícrotron (nº 98/15389-9); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Marcos Nogueira Martins – USP; Investimento R$ 40.835,45 e US$ 31.425,00 (FAPESP)
2. Aquisição de dados no laboratório do acelerador linear (nº 97/04084-0); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Vito Roberto Vanin – USP; Investimento R$ 44.047,73 e US$ 55.659,50 (FAPESP)
3. Sistema de transporte do feixe do mícrotron booster (nº 03/07008-5); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Marcos Nogueira Martins – USP; Investimento R$ 166.665,00 (FAPESP)
4. Instalação e caracterização da rede de micro-ondas de alta potência do acelerador mícrotron do IFUSP (nº 06/01017-0); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Vito Roberto Vanin – USP; Investimento R$ 124.812,50 e US$ 25.700,00 (FAPESP)

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