Um novo tipo de material especial, capaz de conduzir eletricidade em sua superfície, não em seu interior, poderia ganhar versatilidade – e conduzir eletricidade em várias direções e com níveis de energia diferentes – após ser colocado em contato com um material semicondutor de eletricidade usado há décadas em computadores, de acordo com simulações realizadas por físicos da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos.
Resultado de um estudo que usou modelagem computacional, essa conclusão surpreendeu por indicar a possibilidade de reorganização dos elétrons responsáveis pela condução da eletricidade. Outro achado inesperado foi a indicação de que a corrente elétrica poderia ser criada e controlada por meio de feixes de laser aplicados na área de contato entre os materiais.
Os pesquisadores chegaram a esses resultados ao analisar o que poderia acontecer quando o arseneto de gálio, material semicondutor usado na fabricação de computadores, LEDs e lasers, encostasse em um material de propriedades eletrônicas completamente diferentes, o seleneto de bismuto, capaz de conduzir correntes elétricas especiais. No seleneto de bismuto, uma propriedade dos elétrons semelhante à rotação, o spin, está sempre apontando em uma mesma direção, paralela à superfície do material. As simulações em computador indicaram que o contato entre os materiais diferentes aumentaria as possibilidades de organizar os spins das correntes elétricas na camada entre os materiais.
“Ao entrarem em contato, o arseneto de gálio e o seleneto de bismuto modificam suas propriedades eletrônicas”, observou o físico brasileiro Leandro Seixas, um dos autores do estudo e hoje pesquisador na Universidade Nacional de Cingapura. Ele começou a investigar as interações entre os materiais durante um estágio no Instituto Rensselaer feito ainda em seu doutorado, concluído em 2014 sob a orientação de Adalberto Fazzio, do Instituto de Física da USP (ver Pesquisa FAPESP no 192).
Os cálculos indicaram que, quando o seleneto de bismuto encosta no arseneto de gálio, os elétrons mantêm a capacidade de se movimentarem de forma ordenada pela área de contato entre os dois materiais. Além disso, alterações no nível de energia e na velocidade dos elétrons parecem permitir mudar o sentido de rotação (spins) e, ainda assim, mantê-los ordenados.
Se for confirmada em medições experimentais, essa propriedade torna possível codificar e manipular informações nos spins, criando a base de uma nova tecnologia de computação chamada spintrônica. Nos computadores atuais, o processamento da informação é realizado por meio de transistores de silício, um material semicondutor. Os transistores de silício controlam a passagem de correntes, feitas de multidões de elétrons, sem considerar seus spins, que nesses materiais semicondutores apontam em direções aleatórias. Para os físicos, materiais como o seleneto de bismuto, chamados de isolantes topológicos por conduzirem a corrente elétrica apenas em sua superfície, tornariam possível criar um novo tipo de transistor que processaria informação usando correntes elétricas de spins ordenados, o que pode, em princípio, ser mais rápido e gerar menor perda de energia.
Projeto
Propriedades eletrônicas, magnéticas e de transporte em nanoestruturas (2010/16202), Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Adalberto Fazzio (IF-USP); Investimento R$ 1.327.201,88 (FAPESP)
Artigo científico
SEIXAS, L. et al. Vertical twinning of the Dirac cone at the interface between topological insulators and semiconductors. Nature Communications. v. 6, n. 7630. 3 jul. 2015.