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Física

Eletricidade de muitas formas

Materiais especiais ganham novas possibilidades de conduzir corrente elétrica em contato com semicondutores

Direções possíveis dos spins da corrente elétrica: As setas indicam os vários sentidos dos spins na superfície de contato entre o arseneto de gálio e o seleneto de bismuto, como resultado da interação entre os materiais. Cada círculo representa níveis diferentes de energia dos elétrons. Os spins da corrente elétrica podem variar no sentido horário (círculos azuis) ou anti-horário (rosas).

Seixas et al., Nature Communications Direções possíveis dos spins da corrente elétrica: As setas indicam os vários sentidos dos spins na superfície de contato entre o arseneto de gálio e o seleneto de bismuto, como resultado da interação entre os materiais. Cada círculo representa níveis diferentes de energia dos elétrons. Os spins da corrente elétrica podem variar no sentido horário (círculos azuis) ou anti-horário (rosas).Seixas et al., Nature Communications

Um novo tipo de material especial, capaz de conduzir eletricidade em sua superfície, não em seu interior, poderia ganhar versatilidade – e conduzir eletricidade em várias direções e com níveis de energia diferentes – após ser colocado em contato com um material semicondutor de eletricidade usado há décadas em computadores, de acordo com simulações realizadas por físicos da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos.

Resultado de um estudo que usou modelagem computacional, essa conclusão surpreendeu por indicar a possibilidade de reorganização dos elétrons responsáveis pela condução da eletricidade. Outro achado inesperado foi a indicação de que a corrente elétrica poderia ser criada e controlada por meio de feixes de laser aplicados na área de contato entre os materiais.

Os pesquisadores chegaram a esses resultados ao analisar o que poderia acontecer quando o arseneto de gálio, material semicondutor usado na fabricação de computadores, LEDs e lasers, encostasse em um material de propriedades eletrônicas completamente diferentes, o seleneto de bismuto, capaz de conduzir correntes elétricas especiais. No seleneto de bismuto, uma propriedade dos elétrons semelhante à rotação, o spin, está sempre apontando em uma mesma direção, paralela à superfície do material. As simulações em computador indicaram que o contato entre os materiais diferentes aumentaria as possibilidades de organizar os spins das correntes elétricas na camada entre os materiais.

“Ao entrarem em contato, o arseneto de gálio e o seleneto de bismuto modificam suas propriedades eletrônicas”, observou o físico brasileiro Leandro Seixas, um dos autores do estudo e hoje pesquisador na Universidade Nacional de Cingapura. Ele começou a investigar as interações entre os materiais durante um estágio no Instituto Rensselaer feito ainda em seu doutorado, concluído em 2014 sob a orientação de Adalberto Fazzio, do Instituto de Física da USP (ver Pesquisa FAPESP no 192).

Os cálculos indicaram que, quando o seleneto de bismuto encosta no arseneto de gálio, os elétrons mantêm a capacidade de se movimentarem de forma ordenada pela área de contato entre os dois materiais. Além disso, alterações no nível de energia e na velocidade dos elétrons parecem permitir mudar o sentido de rotação (spins) e, ainda assim, mantê-los ordenados.

Se for confirmada em medições experimentais, essa propriedade torna possível codificar e manipular informações nos spins, criando a base de uma nova tecnologia de computação chamada spintrônica. Nos computadores atuais, o processamento da informação é realizado por meio de transistores de silício, um material semicondutor. Os transistores de silício controlam a passagem de correntes, feitas de multidões de elétrons, sem considerar seus spins, que nesses materiais semicondutores apontam em direções aleatórias. Para os físicos, materiais como o seleneto de bismuto, chamados de isolantes topológicos por conduzirem a corrente elétrica apenas em sua superfície, tornariam possível criar um novo tipo de transistor que processaria informação usando correntes elétricas de spins ordenados, o que pode, em princípio, ser mais rápido e gerar menor perda de energia.

Projeto
Propriedades eletrônicas, magnéticas e de transporte em nanoestruturas (2010/16202), Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Adalberto Fazzio (IF-USP); Investimento R$ 1.327.201,88 (FAPESP)

Artigo científico
SEIXAS, L. et al. Vertical twinning of the Dirac cone at the interface between topological insulators and semiconductors. Nature Communications. v. 6, n. 7630. 3 jul. 2015.

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