Os Estados Unidos tomaram várias iniciativas para conquistar artistas e intelectuais brasileiros, muitos originalmente simpáticos ao socialismo e à revolução cubana. Esse é o tema da pesquisa detalhada de Dária Jaremtchuk, em contribuição indispensável aos estudos sobre a Guerra Fria cultural desenvolvidos no Brasil e na América Latina. A autora se debruça sobre o que chama de “políticas de atração”, as quais buscavam quebrar resistências anti-imperialistas e transformar mentalidades. Influenciavam, por exemplo, o círculo das artes plásticas ao oferecer financiamento para exposições e bolsas de estudo nos Estados Unidos no período em que o Brasil viveu sob uma ditadura (1964-1985) aliada daquele país no contexto da Guerra Fria.
A pesquisa foi realizada em arquivos, sobretudo nos Estados Unidos, onde a autora revirou relatórios de agências de informação, de representações diplomáticas e de museus, consultou ofícios, boletins informativos e correspondência. Sem contar catálogos, fotos, jornais e outras fontes impressas. Ainda foram realizadas entrevistas exclusivas e analisadas matérias na imprensa, que cobria com destaque eventos culturais, incluindo artigos de jornalistas especializados em artes plásticas e atraídos pelas ações culturais norte-americanas.
O primeiro capítulo trata dos casos dos colunistas Roberto Pontual, do Jornal do Brasil, e Jayme Maurício, do Correio da Manhã. Eles foram peças-chave para construir redes de influência a partir de intercâmbios pessoais e institucionais, tema que perpassa toda a obra. O capítulo também analisa exposições itinerantes promovidas pelo International Art Program, empenhado em difundir a produção de artistas dos Estados Unidos, que pretendiam se tornar o centro mundial da arte contemporânea. Na oportunidade, foram usados mecanismos constituintes de verdadeiras “políticas de atração”. O termo, segundo a autora, designa atividades daquele país voltadas a “conquistar a elite culta brasileira”. Buscavam seduzir, cooptar ou, pelo menos, neutralizar adversários.
As iniciativas não eram apenas estatais, como evidencia o segundo capítulo. Entidades privadas desempenhavam papel fundamental, como nos casos analisados de mostras circulantes e exposições promovidas pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), indissociável da liderança de Nelson Rockefeller. O MoMA atuava articuladamente com agências governamentais, ganhando proeminência para seu país e para si próprio como instituição decisiva no cenário internacional.
O terceiro capítulo analisa o Instituto Brasil-Estados Unidos (Ibeu), do Rio de Janeiro, que ofertava prêmios e viagens em parceria com a iniciativa privada. Também se destacam outras instituições, como a Fundação Guggenheim, o Center for Inter-american Relations e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que ajudaram a reverter a imagem negativa dos Estados Unidos e a torná-los a principal referência nas artes.
O Brazilian-american Cultural Institute é tratado no capítulo final. Ligado ao Itamaraty, o instituto surgiu em Washington no começo dos anos 1960 e seria usado pelo regime militar brasileiro para agir no meio artístico, até mesmo promovendo exposições nos Estados Unidos de artistas de oposição, como parte do esforço de melhorar a imagem do governo no exterior, onde era conhecido pelas arbitrariedades e pelas práticas de censura e de tortura.
O livro mostra em seu conjunto como iniciativas culturais dos Estados Unidos foram implementadas por instituições públicas e privadas diversas entre si, mas que tinham em comum a difusão de valores culturais e políticos do lado ocidental da Guerra Fria, liderado por aquele país. A obra também dá pistas para apreender o outro polo da relação, isto é, como essas iniciativas foram recebidas pelos sujeitos contemplados, vários deles de esquerda, e não só no âmbito das artes plásticas. Assim, colabora para o debate de temas como “acomodação, cumplicidade, resistência e dependência de financiamentos” por parte de artistas e intelectuais. Se as políticas de atração não lograram necessariamente alinhá-los aos pontos de vista de Washington, ao menos conseguiram “o esmorecimento do antiamericanismo no meio das artes em curto espaço de tempo”.
Marcelo Ridenti é professor titular de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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