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Educação

Em compasso diferente

Pesquisa analisa a relação de professores e alunos com os meios de comunicação e aponta para a falta de políticas públicas voltadas para essa área

Léo Ramos Chaves

Como escolas de ensino fundamental e médio estão lidando com os meios de comunicação e as formas contemporâneas de organizar, produzir e distribuir conhecimento e informação, a exemplo das redes sociais? Essa pergunta norteia o relatório “Inter-relações: Comunicação e educação no contexto do ensino básico”, recém-lançado pelo grupo de pesquisa Mediações Educomunicativas (Mecom) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). “A maioria dos professores e alunos ouvidos reconhece que os meios de comunicação são fundamentais para os processos de ensino e aprendizagem, mas faltam políticas públicas voltadas para essa área em nossas escolas”, diz Adilson Citelli, coordenador do projeto.

A pesquisa, que teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ouviu 509 professores e 3.708 estudantes, sobretudo da rede pública de ensino. Dentre os alunos, 57% deles eram do ensino fundamental, 40% do médio e 3% da Educação de Jovens e Adultos (EJA).  Em relação aos docentes, 47% deles têm entre 20 e 40 anos de idade. Entretanto, “o fato de haver um grande contingente de professores habitando universo tecnológico próximo ao dos alunos não significa que estejam ocorrendo ajustes capazes de provocar mudanças significativas nas relações de ensino e aprendizagem”, assinala o relatório.

Iniciado em 2017, o levantamento se deu por meio de entrevistas presenciais, questionários eletrônicos e, em alguns casos, visitas às unidades de ensino da amostra, situadas nas regiões Sudeste (36%), Sul (33%), Nordeste (20%), Centro-Oeste (5%) e Norte (1%) do país. A coleta de dados terminou no final de 2019, pouco antes de as escolas serem fechadas, em março do ano seguinte, por causa da pandemia de Covid-19. Em razão desse novo contexto, Citelli pretende não apenas dar continuidade ao estudo, como também se prepara para lançar, no próximo mês, o livro Dinâmicas midiáticas e cenários escolares (Editus) com ensaios escritos pela equipe de pesquisadores durante o período de isolamento social. “A pesquisa mostra que não havia uma discussão elaborada sobre o papel da tecnologia nas escolas”, alerta Citelli, que investiga o assunto desde o final da década de 1990. “A pandemia evidenciou que essa questão é urgente e não pode mais ser negligenciada.”

Segundo o especialista, um dos fatores que precisam mudar para que essa discussão avance no ambiente escolar é a formação dos professores. Dentre os docentes ouvidos pela pesquisa, 52% declararam não ter cursado na faculdade nenhuma disciplina voltada ao estudo da comunicação na educação. “A formação na graduação é muito importante para que o futuro professor entenda que as tecnologias são meios e como elas podem ser utilizadas para trabalhar os diferentes conteúdos com os estudantes. Entretanto, é fundamental ter formação continuada, já que a velocidade das mudanças tecnológicas requer constantes aprendizados e logo deixa defasado o conhecimento aprendido na graduação”, observa Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Porém como aponta o estudo, apenas 28% dos professores entrevistados conhecem programas oficiais de formação continuada, que em sua maioria são promovidos pelas secretarias de educação municipais e estaduais. Na avaliação de Fernando Cássio, do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (UFABC), além da falta de divulgação desses cursos, os docentes não têm tempo de estudar e se aprimorar profissionalmente em razão da jornada extenuante de trabalho. De acordo com a pesquisa, mais de 60% dos professores cumprem carga horária acima de 30 horas semanais e 15,9% declararam ser obrigados a fazer deslocamentos entre cidades para assumir o segundo ou terceiro turno. Além disso, 77% deles reclamam da falta de tempo para planejar e preparar as aulas, cumprir a agenda escolar, se atualizar profissionalmente, cuidar de projetos pessoais e acompanhar o que acontece no Brasil e no mundo, informações que também são usadas na sala de aula. “São condições inadequadas para a prática docente”, aponta Cássio.

Outro entrave é a falta de infraestrutura nas escolas. “O Brasil é um país extremamente desigual em que existem escolas sem o básico, como biblioteca, saneamento e energia elétrica, quanto mais tecnologia”, diz Santos. Citelli concorda. “Há desigualdades entre os sistemas de ensino público e privado e até mesmo no interior de cada um deles”, completa. De acordo com o estudo, nem todas as escolas têm equipamentos em quantidade suficiente ou mesmo acesso à internet para que professores possam desenvolver suas aulas por meio de recursos tecnológicos e midiáticos. Para completar, em 74% dos casos os computadores com ou sem internet costumam ficar nas diretorias ou secretarias das escolas. Assim, funcionários e professores utilizam esses equipamentos mais do que os estudantes, o que, segundo a pesquisa, “denota um uso para o trabalho administrativo e de planejamento e pouca e/ou limitada inclusão nas formações discentes”.

De qualquer forma, a entrada da tecnologia na escola já é uma realidade, como aponta o relatório. “Mesmo que a unidade educativa não possua determinados equipamentos para fins didáticos, a presença do celular, dos computadores e da internet é algo objetivo na vida de grande parte de professores e alunos”, diz Citelli. Segundo o estudo, 80% dos docentes utilizam o smartphone como meio preferencial para acessar a internet e 91% deles recorrem ao computador para realizar atividades didáticas. Ainda de acordo com a pesquisa, os veículos de comunicação convencionais, como rádio e televisão, são praticamente desconsiderados e descartados pela grande maioria dos estudantes, que relatam ficar mais de cinco horas por dia na internet. Para se informar, eles recorrem às redes sociais como WhatsApp (69%) e Facebook (65%), enquanto o YouTube é citado por 76% dos alunos como o meio de comunicação predileto para entretenimento.

Citelli observa, contudo, que o uso do telefone celular em sala de aula segue como uma questão controversa para os educadores. “Embora 76% deles reconheçam que se pode fazer uso do aparelho em sala de aula a depender da maneira como será utilizado, muitos professores denotam preocupação em perder o controle sobre a turma por não poderem atuar no encaminhamento mais profícuo dos acessos na rede em razão das classes lotadas.”

Como mostra a pesquisa, o fato de estarmos sempre conectados à internet afeta nossa percepção do tempo, bem como impacta a forma de ensinar e aprender. Para 69% dos professores, reflexo disso está no comportamento dos alunos que sugerem, por exemplo, falta de concentração, desinteresse e ansiedade em sala de aula. Além disso, os estudantes ouvidos defendem mudanças na metodologia de ensino tradicional, em que aulas expositivas sejam substituídas por atividades mais dinâmicas que permitam “maior participação e abertura de espaços, tanto para ideias – com debates e pesquisas – quanto físico, com atividades fora da escola”.

Segundo Citelli, existe hoje nas escolas um desacerto entre o tempo acelerado do mundo digital e o tempo pedagógico, que é mais reflexivo e lento. “Há um ritmo para a exposição da matéria que nem sempre coincide com o ritmo do aluno, imerso em um circuito tecnológico de extrema aceleração. Se a tradição discursiva escolar é a do texto longo, com regras argumentativas e sequências de exposição, os estudantes estão consumindo mensagens diretas e instantâneas por meio de vídeos curtos, memes e GIFs, por exemplo. São compassos diferentes”, observa o especialista. “Um dos grandes desafios contemporâneos é fazer com que a tecnologia esteja a serviço da educação e não o contrário.”

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