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Emilio Moran

Emilio Moran

Segundo antropólogo, saída para problemas ambientais depende da interação das ciências naturais com as sociais

Emilio Moran

Marcia Minillo“Temos que conectar duas ou três áreas que liguem o mundo biofísico com o social para enfrentar a realidade do meio ambiente”, disse MoranMarcia Minillo

Se a atividade humana gerou os problemas ambientais de hoje, é dela que deverão surgir as soluções. Mas para que se alcancem saídas eficazes do ponto de vista ambiental, econômico e social será preciso primeiro compreender como o ser humano se relaciona com a natureza. Esse entendimento depende da integração do conhecimento das ciências naturais com o das ciências sociais, de modo semelhante ao que ocorre na chamada antropologia ambiental ou ecologia humana, que estuda a interação entre as populações humanas e o ambiente físico, defendeu o antropólogo Emilio Moran na palestra “Expansão internacional da antropologia ambiental: experiências na Amazônia”, apresentada em 21 de junho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, como parte da programação cultural da exposição Revolução genômica.

“No Brasil não se pensa que a antropologia também estude o ambiente”, disse Moran, diretor do Centro Antropológico para Treinamento e Pesquisa em Mudanças Ambientais Globais da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. A falta de reconhecimento à contribuição da antropologia para compreender questões ambientais não é um problema só brasileiro. Também é comum na Europa e nos Estados Unidos, onde há tempos a antropologia ambiental é reconhecida como disciplina e ensinada nas universidades. Moran deu uma idéia do desequilíbrio entre ciências naturais e ciências sociais nos Estados Unidos ao citar o volume de recursos que essas áreas recebem para pesquisar mudanças globais e ambientais: as ciências naturais levam 97% das verbas e as sociais 3%. Para Moran, apesar dessa diferença, em parte justificada pelo emprego de tecnologias mais caras pelas ciências naturais, deve haver um intenso esforço de integração entre essas áreas, caso se deseje compreen­der em profundidade as razões que levaram à intensa alteração do ambiente, como a que se observa na Amazônia brasileira.

O principal desafio a essa integração está nas próprias universidades, onde a estrutura dos cursos para diferentes carreiras dificultam a interdisciplinaridade. Segundo Moran, muitas vezes se criam barreiras para que as pessoas não possam cruzar as linhas e, por exemplo, o antropólogo estudar biologia ou o aluno de ciências políticas aprender sensoriamento remoto. Ou seja, na formação acadêmica exige-se uma pureza disciplinar excessiva. “Não precisamos de pureza, precisamos nos sujar para resolver o problema”, disse Moran. Para ele, o fundamental não são as disciplinas, mas a formulação da pergunta científica a responder, que deve ser feita em conjunto por pesquisadores das ciências naturais e sociais.

Moran falou com a experiência de quem teve uma formação essencialmente multidisciplinar e nas últimas décadas esteve à frente de projetos internacionais como o Land Use and Land-Cover Change (Lucc) e o Global Land Project (GLP), que investigam como as atividades humanas vêm alterando os processos biológicos, químicos e físicos do planeta. E exemplificou a importância da interdisciplinaridade para compreender as alterações ambientais apresentando o trabalho que desenvolve há quase quatro décadas na Amazônia brasileira.

Nascido em Cuba e vivendo nos Estados Unidos desde os 14 anos, Moran começou a enveredar pelas ciências naturais durante o doutorado na Universidade da Flórida, no início da década de 1970. Em uma palestra, seu orientador, o antropólogo Charles Wagley, contou que estavam abrindo uma grande estrada na Amazônia capaz de gerar impactos ambientais e sociais em toda a América do Sul pelos 30 anos seguintes e que alguém deveria estudar essa questão. Essa estrada era a Transamazônica – planejada pelo governo militar de Emílio Garrastazu Medici para cortar o Brasil de leste a oeste e promover o desenvolvimento da Amazônia –, e o único candidato que procurou Wagley para estudar seu impacto foi Moran. Quando Moran perguntou o que deveria saber para começar o trabalho, Wagley o mandou estudar ecologia de sistemas, geografia e também solos tropicais, pois na época se pensava que a qualidade do solo limitava o desenvolvimento das sociedades amazônicas. “Ele queria que eu soubesse se era verdade ou não e coletasse amostras de solo”, contou Moran. “Wagley me permitiu criar um programa individual que misturava pedologia, ecologia, geografia e antropologia para enfrentar a pergunta.”

Moran fez sua primeira viagem ao Brasil em 1972, quando veio assistir à abertura da Transamazônica no estado do Pará. Acompanhou os trabalhadores da empreiteira que construía a estrada do município de Marabá, no leste do estado, a Itaituba, no oeste, e viu muita coisa diferente do que os livros contavam ou os planos do governo sugeriam. Encontrou os solos pobres (latossolos) que os livros descreviam, mas, bem próximo, identificou trechos de terra extremamente fértil (terra roxa estruturada eutrófica). As agrovilas prometidas pelo governo – que deveriam ser implantadas a cada dez quilômetros ao longo da estrada, com escolas, água tratada e serviço de saúde – simplesmente não existiam e as pessoas tinham de morar em tapiris, casas simples cobertas de folhas, construídas por elas próprias, contou Moran, que em 1973 e 1974 morou por 14 meses em uma agrovila no município de Altamira com os colonos.

Acidentes e malária
Dois problemas afetavam os colonos e os trabalhadores que abriam a estrada, constatou o antropólogo. Um deles era a malária, que atingia entre 20 e 70 pessoas por mês. O outro eram os ferimentos graves provocados pela queda de árvores ou pelos acidentes com caminhões que tombavam nas pontes improvisadas ao longo da estrada, feitas com troncos de madeira deitados sobre valas ou o leito de riachos. Moran iniciou seus estudos comparando a energia que os colonos ingeriam com a que gastavam para derrubar árvores, plantar alimentos ou coletar frutos. Também reuniu e analisou amostras de solo nas agrovilas e descobriu que, diferentemente do que mostrava um levantamento inicial dos solos ao longo da Transamazônica, o da região não era exclusivamente pobre. De 15% a 20% das terras eram terra roxa, boas para a agricultura. O governo federal havia encomendado um mapa de solos que teve de ser feito em pouco tempo, razão por que se baseou em amostras coletadas a cada 500 metros ao longo da estrada. Mas esse mapa, o melhor possível obtido no prazo exíguo de dois anos, mostrava a composição do solo apenas no traçado da Transamazônica e não dava idéia do que havia um pouco além da estrada. Até hoje, segundo Moran, não há estudos que aprofundem as descobertas iniciais daquele levantamento e os moradores da região continuam a agir sem orientação adequada.

Comparando as características dos diferentes tipos de solo, o pesquisador demonstrou que as pessoas naturais da Amazônia sabiam identificar as áreas de terra fértil melhor do que os colonos vindos de outras regiões do país. “Tentei mostrar que o caboclo da Amazônia, aquele que o governo havia falado que não prestava, só caçava onça e não sabia cultivar, na verdade conseguia escolher a melhor terra”, disse. Além do critério visual – as áreas com solo mais escuro em geral são mais férteis –, os nativos da Amazônia avaliavam características da vegetação diferentes das levadas em consideração pelas pessoas que haviam migrado do Sul ou do Nordeste. Os imigrantes pensavam que o solo era mais fértil nas áreas em que as árvores são mais altas. Esse critério podia ser verdadeiro em outras regiões, mas não na Amazônia, onde a floresta é menos densa nas áreas férteis. Segundo Moran, os colonos naturais da Amazônia usavam outras características da vegetação para escolher as melhores terras e obtinham os índices mais altos de produção agrícola. Com base nesse resultado, o antropólogo perguntou a técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por que não usavam esse conhecimento para instalar os imigrantes de outras regiões. Ouviu como resposta que a taxa de migração era tão alta que não havia tempo de selecionar apenas as terras boas. “Cada um tinha que se virar e escolher uma terra sem saber se era boa”, contou Moran, que em junho lançou no Brasil seu livro mais recente Nós e a natureza, sobre a redução do consumismo como estratégia para a preservação do planeta.

Após uma interrupção de quase uma década – período em que escreveu seu primeiro livro em português, Ecologia humana das populações da Amazônia –, o pesquisador retornou à Amazônia no início dos anos 1990 quando os meios de comunicação afirmavam que as queimadas levariam à desertificação do ecossistema. “Eu não acreditava porque, quando perguntava aos colonos qual o principal problema com a terra, eles nunca falavam que se tornava deserto, mas que havia uma invasão rápida da mata secundária”, contou.

Para estudar esse problema, o antropólogo teve mais uma vez de recorrer a outras áreas do conhecimento. Foi aprender sensoriamento remoto e, com mais financiamento e uma equipe maior, analisar em sete regiões da Amazônia um fenômeno que preocupava os pesquisadores naquela época: a capoei­rização, substituição da floresta por vegetação secundária, que ressurge após o corte – atualmente se acredita que, com o aumento da temperatura média do planeta nas próximas décadas e a redução da umidade na Amazônia, parte da floresta possa se tornar savana.

Com Mario Dantas, da Embrapa-Pantanal, Moran usou imagens de satélite, entrevistas com os colonos, análises de solo e observações locais das áreas de estudo para avaliar o efeito da intervenção humana sobre a floresta e o uso do fogo para o manejo da terra. Constatou que a forma de uso do solo dependia da fertilidade. Nas propriedades em que prevaleciam os solos pobres (latossolos eram mais de 75% da área), os colonos só plantavam pasto. Quanto maior a porção de terra fértil (50% ou mais), menor era a área dedicada à pastagem e maior a variedade de culturas, como cacau, cana-de-açúcar e outras. Duas décadas após o início da colonização, as pessoas haviam aprendido a melhor forma de usar a terra, concluiu Moran.

Nesse trabalho, realizado com cerca de 400 proprietários em Altamira, Moran descobriu ainda que um fenômeno comum na Amazônia – a venda das propriedades obtidas durante o início da colonização – também estava essencialmente ligado à qualidade do solo. Quem tinha propriedades com maior proporção de solos férteis não vendia suas terras, enquanto os outros as negociavam com freqüência. Como apenas 20% das terras na Amazônia são terra roxa, essa constatação levantou, segundo Moran, a seguinte dúvida: não seria melhor identificar inicialmente as áreas de terra fértil, que podem ser usadas para a agricultura, em vez de sair desmatando indiscriminadamente para depois se descobrir que a terra é fraca? “Os caboclos sabem proteger a área que não merece ser desmatada”, afirmou Moran, para quem tentar proteger tudo não é uma estratégia realista nem do ponto de vista político nem prático. Para ele, esse conhecimento poderia orientar o desenvolvimento agrícola da Amazônia e a definição de áreas a serem protegidas.

Nesse trabalho, em que observou ainda que a floresta se recupera em ritmos diferentes segundo as características do solo, o antropólogo constatou que no Brasil o desmatamento progride em função da economia: nos períodos de hiperinflação e crédito rural apertado dos anos 1980 o desmatamento e a migração para a Amazônia caíram, mas aumentaram com a estabilização da economia.

Ferramenta adequada
O uso de ferramentas de outras áreas do conhecimento levou Moran a identificar outro fator que influencia a derrubada da floresta: o perfil das populações que chegam às frentes de colonização. Ele decidiu investigar esse efeito ao notar que a trajetória do desmatamento havia sido a mesma nas diferentes regiões estudadas, embora a origem dos colonos fosse diversa. Segundo Moran, os livros de ecologia sempre colocam a população como culpada dos problemas ambientais. “Incorporei um demógrafo ao grupo e entrei no assunto para ver até que ponto a demografia podia nos ajudar a esclarecer essa culpa humana”, disse.

O antropólogo e sua equipe passaram a investigar se o número de membros, o gênero e a idade dos integrantes das famílias dos colonos afetavam o desmatamento na Amazônia. Um fato que influenciou a decisão de estudar esse efeito foi que no início da colonização de Altamira, no Pará, o perfil da população era distinto do de outras frentes de colonização. No mundo todo essas frentes são compostas por gente jovem, na faixa etária dos 20 aos 25 anos, e sem filhos. Em Altamira era diferente. O Incra estimulou a ida para a Amazônia de pessoas com mais idade e mais filhos, pois o objetivo era povoá-la. Mais tarde, durante a Presidência do general Ernesto Geisel, o governo parou de escolher quem migraria para a Amazônia e a estrutura etária dos colonos se tornou mais próxima à das populações de fronteira.

Moran desejava saber se a estrutura dessas diferentes levas de migrantes alteraria o ritmo do desmatamento. Constatou que, de modo geral, cada frente de colonização produzia dois surtos de desmatamento intercalados por uma queda. Esse padrão se repetiu em diversos períodos analisados. Para explicar o fenômeno, Moran propôs a teoria do ciclo doméstico. Na fase inicial da colonização, os pais desmatam e se dedicam à agricultura para a subsistência da família, formada por vários filhos pequenos. À medida que os filhos crescem, passam a ajudar na agricultura e aumentam a produção e a venda para o mercado, permitindo o acúmulo de capital. Mais tarde, com os filhos adultos, as famílias mudam as culturas para mais perenes e os que se casam passam a querer sua própria lavoura. Esse fenômeno ocorre nas regiões de terras férteis, enquanto nas áreas de solos mais pobres as famílias se dedicam à criação de gado.

Na Amazônia também não se observa outro fenômeno comum em regiões de fronteira, onde as famílias têm sempre muitos filhos para ajudar na lavoura: a elevada taxa de fertilidade. Em duas décadas a fertilidade caiu de 6 filhos por casal para cerca de 2, padrão semelhante ao das outras regiões brasileiras. Moran atribui essa queda à urbanização do país, que, imagina-se, atingirá as regiões de fronteira.

O uso de ferramentas de diferentes áreas do conhecimento permitiu à equipe de Moran ver que os fatores que influenciam o desmatamento na Amazônia são muitos e de diferentes ordens (biofísicos, demográficos e econômicos). “Temos que conectar pelo menos duas ou três áreas que liguem a parte do mundo biofísico com a parte social para poder enfrentar a realidade do meio ambiente de hoje”, disse Moran.

O antropólogo concluiu sua apresentação lembrando uma recomendação que fazia aos membros de sua equipe em Indiana: “Quando você entrar por aquela porta para uma reunião, deixe suas ferramentas e armas, seus métodos e suas teorias lá fora. Depois que definimos a pergunta científica, mandamos procurar a ferramenta mais adequada para respondê-la, sem nos preocupar com quem trouxe a ferramenta”.

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