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Ciências Atmosféricas

Emissões de CFC aumentaram 2,6 vezes na década passada

Concentração na atmosfera de cinco tipos desse gás, responsável pela destruição da camada de ozônio, atingiu seu pico em 2020

Buraco na camada de ozônio sobre a Antártida, em outubro de 2015

NASA / Goddard Space Flight Center

As emissões combinadas de cinco tipos de clorofluorcarbonetos (CFC), gases produzidos pelo homem que destroem a camada de ozônio situada na alta atmosfera da Terra, aumentaram 2,6 vezes durante a década passada. Em 2020, a concentração desse grupo de CFC foi a maior já registrada. A camada de ozônio protege os habitantes do planeta da ação nociva dos raios ultravioleta provenientes do sol, que podem provocar câncer de pele, problemas imunológicos e outros distúrbios. Os dados fazem parte de estudo publicado em abril na revista Nature Geosciences e surpreenderam seus autores.

As emissões de clorofluorcarbonetos não deveriam ter se elevado na década passada. Desde 2010, de acordo com o Protocolo de Montreal, tratado internacional que controla a produção de gases deletérios à camada de ozônio, a fabricação de CFC para qualquer finalidade está proibida em todo o mundo. Há uma única exceção a essa regra: os gases podem ser produzidos como matéria-prima para a geração de outros produtos químicos. Nesse caso, é esperado que todo ou quase todo o CFC seja consumido nas reações intermediárias que levam à criação de outros compostos, um cenário que, teoricamente, não levaria à liberação de clorofluorcarbonetos para a atmosfera.

Criados artificialmente, os CFC são compostos baseados em carbono que contêm cloro e flúor. Eles não existem de forma livre na natureza e foram amplamente usados, até o início deste século, em diversos produtos: em sistemas de refrigeração de geladeiras e aparelhos de ar-condicionado, como propelentes de aerossóis, solventes e no preenchimento de espumas.

Três dos cinco compostos com aumento nas emissões – o CFC-113a, CFC-114a e CFC-115 – podem ser produtos indesejados resultantes da fabricação de hidrofluorcarbonetos (HFC), gases artificiais que substituíram os clorofluorcarbonetos em diversas aplicações. Os HFC não agridem a camada de ozônio, mas, como os CFC, são gases de efeito estufa que contribuem para a elevação da temperatura média do planeta, principal motor da crise climática. Não se sabe qual seria a origem dos outros dois compostos em alta, o CFC-112a e o CFC-13.

Dois estudos publicados na revista Nature, em 2018 e 2019, observaram um aumento na década passada de outro tipo de clorofluorcarboneto, o CFC-11, e o associaram ao descumprimento do protocolo por indústrias da China. Depois que essas observações foram divulgadas, as emissões de CFC-11 voltaram a cair. “Esse aumento foi detectado por cientistas de diversas instituições, incluindo a Nasa [agência espacial norte-americana]”, diz Suely Machado Carvalho, especialista sênior do painel de tecnologia e economia do Protocolo de Montreal, que representou o Brasil nas tratativas que levaram a esse acordo. “Desde então, a China se comprometeu a melhorar o monitoramento das emissões e a fiscalização local.”

“Os clorofluorcarbonetos têm uma meia-vida na atmosfera da ordem de mais de um século e seus efeitos se prolongam por muito tempo”, comenta o físico britânico Luke Western, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, autor principal do artigo, em entrevista a Pesquisa FAPESP. Para realizar o estudo, a equipe de pesquisadores contou com amostras recolhidas em 14 estações de medição de gases de longa duração espalhadas pelo mundo. Esses registros fazem parte de esforços feitos pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa), dos Estados Unidos, e pelo Experimento Avançado de Gases Atmosféricos Globais (Agage), uma rede internacional que faz esse tipo de observação desde o fim dos anos 1970.

Jerry Mason / Science Photo Library / Fotoarena Sucata de geladeiras e freezers em East Succex, no Reino Unido (1969), que usava gases CFC em seu sistema de refrigeraçãoJerry Mason / Science Photo Library / Fotoarena

Apesar da curva ascendente, as concentrações crescentes dos cinco CFC, segundo o estudo, não devem causar maiores danos à camada de ozônio, cuja porção mais afetada se situa sobre a Antártida, no hemisfério Sul. Somadas, as emissões desses compostos durante a década passada poderiam provocar uma perda de mero 0,002% do ozônio presente em toda a estratosfera, camada da atmosfera que se encontra entre 10 e 50 quilômetros de altitude, ou de 0,01% da camada desse gás sobre a Antártida no período entre agosto e dezembro. Desde a adoção do protocolo de Montreal, assinado em 1989, a camada vem se recuperando e projeções indicam que deverá estar totalmente reconstituída na década de 2060 se não houver nenhuma alteração da tendência atual.

Os clorofluorcarbonetos provocam reações químicas quando alcançam a estratosfera terrestre. Suas moléculas se rompem ao serem atingidas pela radiação ultravioleta. Os átomos de cloro liberados por essa quebra desintegram as moléculas de ozônio com que se deparam. Isso faz com que a camada de ozônio se torne mais fina e sua capacidade de proteger a Terra da radiação ultravioleta seja reduzida. O prêmio Nobel de Química de 1995 foi dado a três pesquisadores que, a partir dos anos 1970, estudaram a formação e o deterioramento da camada de ozônio: o mexicano Mario Molina (1943-2020), o holandês Paul J. Crutzen (1933-2021) e o norte-americano Frank Sherwood Rowland (1927-2012).

Fazer aumentar o chamado buraco na camada de ozônio não é o único problema causado pelos CFC, como destaca a engenheira química Damaris Kirsch Pinheiro, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), coordenadora do projeto Modelagem e Previsão dos Efeitos Secundários do Buraco de Ozônio Antártico (Meso), uma parceria entre instituições do Brasil e da França. “Esses gases são fortes causadores de efeito estufa”, diz Pinheiro, que não participou do estudo internacional com os cinco tipos de CFC (nenhum brasileiro é coautor do trabalho). “Alguns deles chegam a ser muito mais potentes do que o dióxido de carbono [CO2, principal gás de efeito estufa]. Ou seja, uma molécula de CFC, dependendo de qual seja, pode provocar o mesmo efeito estufa que 5 mil moléculas de CO2”, explica. Em termos de potencial de efeito estufa, o efeito acumulado das emissões somadas dos cinco CFC analisados equivale a uma vez e meia o dióxido de carbono emitido em Londres no ano de 2018.

Para o bioquímico norte-americano Ray Weiss, do Instituto Scripps de Oceanografia na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), o novo estudo sinaliza também a importância de ter meios para realizar medições de diferentes tipos de gases que podem se encontrar na atmosfera. Às vezes, alguns deles estão em quantidade maior do que o esperado.

Coautor do artigo na Nature Geosciences, Weiss dá um exemplo. “Há um composto chamado trifluoreto de nitrogênio [NF3], usado na fabricação de televisores e telas de computador. Acreditava-se que 2% do gás produzido ia para a atmosfera até que pesquisadores realizaram medições e viram que 9% do trifluoreto de nitrogênio escapava das fábricas”, conta Weiss a Pesquisa FAPESP. “A discrepância [entre a estimativa e a realidade] era por não se saber como esse gás sai das plantas de produção de eletrônicos e vai parar na atmosfera.” Além disso, também há a suspeita de que parte das fábricas não destrua o NF3 como deveria, visto que esse processo é caro. Esse gás é 17 mil vezes mais potente do que o CO2 em causar o efeito estufa ao longo de um período de 100 anos.

“Seria extremamente relevante termos mais estações de medição desses tipos de gases de efeito estufa no mundo”, diz Pinheiro. Não existe no Brasil instrumentos dedicados a registrar a concentração de CFC e HFC, mas, segundo a pesquisador da UFSM, seria importante ter uma estação com essa finalidade no Sudeste, que abriga a maior parte do parque industrial nacional. “Não sabemos se temos emissões desses gases porque não fazemos medições”, comenta Pinheiro. “Apenas quando tivermos esse tipo de dado, saberemos de fato como estamos implementando o Protocolo de Montreal no país.”

Artigos científicos
WESTERN, L. M. et al. Global increase of ozone-depleting chlorofluorocarbons from 2010 to 2020. Nature Geoscience. 3 abr. 2023.
RIGBY, M. et al. Increase in CFC-11 emissions from eastern China based on atmospheric observations. Nature. 23 mai. 2019.
MONTZKA, S. A. et al. An unexpected and persistent increase in global emissions of ozone-depleting CFC-11. Nature. 17 mai. 2018.

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