Para controlar formigas, plantas. Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro descobriram substâncias, extraídas de folhas e sementes, que matam formigas cortadeiras como a saúva (Atta sexdens), velha e persistente praga da agricultura brasileira. Os mesmos compostos foram letais contra os fungos que esses insetos cultivam e que lhes servem de alimento. Testados com sucesso em laboratório, os produtos começam agora a ser submetidos a estudos de campo e, se tudo correr bem, dentro de alguns anos estarão disponíveis no mercado de inseticidas e fungicidas agrícolas, dimensionado em cerca de R$ 900 milhões por ano.
Coordenado por João Batista Fernandes, do Departamento de Química da UFSCar – há dez anos dedicado a criar um inseticida natural contra a saúva -, o projeto começou pelo estudo de plantas popularmente conhecidas como tóxicas para a formiga. Um exemplo é o gergelim (Sesamun indicum), que os agricultores usam consorciado à cultura que querem proteger. Então, os pesquisadores constataram que algumas plantas são realmente evitadas pelas formigas cortadeiras: elas geralmente não cortam folhas de mamona, por exemplo. Centrados em 15 plantas, eles concluíram que quatro substâncias contidas em algumas delas tinham maior potencial: a ricinina, extraída da folha da mamona (Ricinus communis); a sesamina, da semente de gergelim; uma cumarina presente na maioria dos cítricos; e ácidos graxos de várias plantas.
O grupo verificou que a ricinina mata as formigas, enquanto a sesamina, a cumarina e os ácidos graxos atuam contra os fungos. “Encontramos outras substâncias que parecem ter o mesmo grau de eficiência, mas que não existem em concentrações tão elevadas”, diz Fernandes.
Venenos proibidos
Inseto herbívoro dominante em vários ecossistemas sul-americanos, a saúva faz muito estrago. Um sauveiro adulto, com três anos, pode abrigar até 5 milhões de formigas, cobrir uma área de 100 metros quadrados e consumir uma tonelada de matéria vegetal fresca por ano, danificando pastagens, culturas (como cana-de-açúcar e cítricos) e áreas de reflorestamento, em particular aquelas em que se utiliza eucalipto. O prejuízo chega a 20% da área infestada. Hoje, o combate à praga é feito com inseticidas altamente poluentes e tóxicos – ao ponto de a comercialização de alguns deles, como DDT, Aldrin e BHC, estar proibida desde 1992.
Em busca de inseticidas mais seletivos e menos agressivos ao meio ambiente e ao homem, os pesquisadores começaram por estudar o comportamento do formigueiro. Depois, no laboratório, trataram de extrair as substâncias, verificar quais delas eram atrativas e quais funcionavam como repelentes para os insetos, para então desenvolver inseticidas e fungicidas.
Digestão pelo fungo
Além disso, foi muito importante para a equipe entender a dinâmica de vida das saúvas. Elas são insetos sociais e, ao contrário das formigas comuns, não são predadoras de outros insetos: há cerca de 50 milhões de anos, explica Fernandes, as formigas da tribo Attini evoluíram para o cultivo de fungos, com os quais vivem em simbiose. Elas cortam material vegetal, que usam como substrato para o desenvolvimento, no formigueiro, do fungo Leucoagaricus gongylophorus. Ou seja, não comem os pedaços de folha que levam para o ninho, mas os deixam lá para serem degradados pelo fungo, este sim o principal alimento da rainha e único das larvas. As formigas adultas se alimentam de substâncias da seiva das plantas e, aparentemente, também das resultantes da degradação do material vegetal pelo fungo.
Para decompor esse material vegetal, o fungo secreta um conjunto de enzimas (xilanases, amilases, celulases e pectinases) que transformam polissacarídeos presentes nas folhas em açúcares solúveis (glicose e xilose, principalmente), nutrientes essenciais para as formigas. “A inibição dessas enzimas reduziria a formação dos nutrientes e acabaria inibindo ou mesmo eliminando o formigueiro”, diz o farmacêutico Maurício Bacci Júnior, pesquisador do Centro de Estudos de Insetos Sociais (CEIS) e professor do Departamento de Bioquímica e Microbiologia da Unesp de Rio Claro.
Patente requerida
Cerca de quatro anos foram dispendidos pelo grupo na extração do princípio ativo das folhas de mamona e das sementes de gergelim, e também nos bioensaios para comprovar sua ação inseticida e fungicida. De cada órgão da planta – folha, caule, casca, flor, semente, fruto e raiz -, os pesquisadores fizeram quatro extratos diferentes. Depois, processaram os extratos que mostraram atividade, até obter ricinina e sesamina puras. Os ácidos graxos, por sua vez, foram tirados das folhas de diversos vegetais ou obtidos de triglicerídeos presentes em certas sementes.
A obtenção dos princípios ativos baseou-se na metodologia do fracionamento em contracorrente: “É uma técnica baseada na existência de pelo menos dois solventes que não se misturam e na solubilidade das substâncias nesses solventes”, explica Fernandes. Aplicada pela primeira vez para obtenção de ricinina e sesamina, essa técnica permite extrair o princípio ativo em menor tempo, com menor custo e grau de pureza bem superior em relação às metodologias comuns, de cromatografia em colunas com um suporte sólido, como sílica ou albumina.
Segundo Fernandes, tanto essa metodologia como as iscas que desenvolveram e as formas de aplicação individual ou associada dos compostos estão sendo descritas para que se encaminhem os pedidos de patente. As iscas são formas de uso do formicida com suporte sólido – em geral polpa de fruta cítrica com um atrativo para os insetos – misturado à substância ativa e oferecido no olho do formigueiro ou na trilha das formigas. A elaboração por vias sintéticas de substâncias ativas com poder inseticida ou fungicida também mostrou bons resultados. Os ensaios com compostos baseados em sesamina, amida, flavanóides, cumarina e derivados de ricinina mostraram que eles têm uma ação eficaz contra formigas ou fungos.
“A síntese de algumas dessas substâncias é realizada a partir de produtos comerciais de baixo custo e utiliza processos simples”, resume Fernandes, evitando mais informações sobre o segredo a ser patenteado. “E algumas delas provaram ter ação igual ou superior às substâncias naturais, principalmente no combate ao fungo”, acrescenta. Num artigo publicado em 2001 na revista Pest Management Science, o grupo detalha a atividade de compostos sintéticos baseados em sesamina sobre a saúva e o fungo.
Produção viável
Com os avanços já obtidos, os pesquisadores descortinam claramente a viabilidade da produção em escala industrial, mas ainda não fecharam nenhum acordo com indústrias para o desenvolvimento conjunto dos produtos. Comprovada a eficácia dos novos inseticidas em laboratório, o grupo iniciou em março os ensaios ambientais, para avaliar se fatores como variação de temperatura, umidade ou intensidade de luz interferem no efeito biológico dos compostos. Só depois disso os produtos elaborados pelos cientistas da UFSCar e da Unesp estarão prontos para controlar as saúvas.
Por dentro da tribo
No grupo, Maurício Bacci Júnior encarregou-se do estudo gênico. Analisou a evolução da tribo Attini, que tem cerca de 200 espécies, das quais as mais evoluídas são as saúvas (14 espécies do gêneron Atta) e as quenquéns (gênero Acromyrmex). A partir do estudo, que concluiu neste mês, ele propõe a existência de uma nova espécie de formiga cortadeira, derivada da Atta sexdens, e descreve variedades genéticas em outras espécies. Também identificou, na escala evolutiva das Atta , a parente mais próxima da sexdens que não tem sido relatada como praga, embora também coma matéria vegetal fresca: é a Atta robusta: “Sua ocorrência se limita aos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ao contrário da Atta sexdens, que ocorre em todo o país. Assim, estudos comparativos entre as duas espécies podem identificar as características que tornaram a Atta sexdens uma praga”.
Bacci analisou genes nucleares e mitocondriais para distinguir as formigas. Para isso selecionou marcadores moleculares a partir do seqüenciamento de DNA. “Entre esses marcadores, uma região do genoma mitocondrial mostrou-se extremamente útil.” Enquanto dois genes permitem estabelecer relações evolutivas entre diferentes gêneros e espécies, com a região escolhida se pode diferenciar populações da mesma espécie que vivam em regiões diferentes.
Outra descoberta dele refere-se aos fungos. Depois de juntar 18 fungos usados por diferentes formigas cortadeiras, Bacci estudou suas características. A comparação entre seqüências de DNA ribossomal sugere que eles são geneticamente semelhantes. “Esses resultados demonstram que formigas que apresentam diferenças de hábitos, preferências alimentares e ocorrência como pragas agrícolas sobrevivem a partir de fungos idênticos. Dessa forma, esses fungos tornam-se alvos preferenciais para o controle das formigas cortadeiras, pois, provavelmente, o mecanismo de controle que atingir um fungo será eficiente para combater a maioria delas.”
Os Projetos
1. Espécies Vegetais e Produtos Naturais Sintéticos para o Controle de Formigas Cortadeiras (nº 00/12538-5); Modalidade Projeto Temático; Coordenador João Batista Fernandes – Laboratório de Produtos Naturais da Universida de Federal de São Carlos; Investimento R$ 919.304,64
2. Estudo da Evolução das Attini Derivadas e Isolamento de seus Fungos Simbiontes (nº 97/13383-0); Modalidade Programa Jovem Pesquisador; Coordenador Maurício Bacci Júnior – Centro de Estudos de Insetos Sociais da Universidade Estadual Paulista/Rio Claro; Investimento R$ 212.334,43