Os dirigentes do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (MP-USP), o popular Museu do Ipiranga, convidaram especialistas de países como Canadá, México e Portugal para discutir estratégias possíveis capazes de garantir sustentabilidade financeira aos museus brasileiros e ajudá-los a enfrentar desafios de gestão. O seminário internacional, programado para acontecer na capital paulista nos dias 17 e 18 de outubro, já vinha sendo organizado antes do incêndio do Museu Nacional, mas a tragédia e a percepção de que muitas instituições museológicas do país vivem uma situação precária e vulnerável deram ares de urgência ao debate.
O canadense Norman Vorano, pesquisador da Queen’s University que já foi curador do acervo de arte inuite contemporânea no Museu Canadense de História, foi convidado a falar sobre modelos adotados especialmente por museus universitários no país. O Canadá tem museus com experiências bem-sucedidas de sustentabilidade, como é o caso do Musée de la Civilisation, em Quebec, que recebe 1 milhão de visitantes por ano, incluindo 160 mil crianças. No ano passado, cerca de 2,7 mil museus sem fins lucrativos do Canadá tiveram receita de 2,5 bilhões de dólares canadenses, o equivalente a R$ 7,2 bilhões, sendo 49% provenientes de agências públicas, 21% de doações privadas e atividades comerciais e o restante com cobrança de ingressos.
Tais abordagens interessam ao Museu Paulista em um momento em que a instituição passa por uma grande transformação. Fechado desde 2013 devido a problemas de infiltração de água nos forros de algumas salas, o edifício inaugurado há 123 anos deve reabrir apenas em 2022, na celebração do bicentenário da Independência do Brasil, depois de passar por um processo de modernização e restauração que custará, estima-se, cerca de R$ 80 milhões. Nos últimos meses, todo o seu acervo, composto por milhares de objetos, entre móveis e obras de arte de importância histórica, boa parte deles do século XIX, vem sendo transferido para imóveis alugados pela USP, onde permanecerão até que seja construído um prédio capaz de abrigar todos os itens.
O palácio onde funciona o museu, quando reabrir, deverá abrigar apenas exposições. Uma equipe da USP levanta o potencial de captação de recursos para promover a reforma e garantir que o MP conquiste outras fontes perenes de financiamento, em complemento ao orçamento anual de R$ 10 milhões oferecido pela universidade, para garantir uma manutenção adequada. “Estamos mapeando todas as opções possíveis para obter recursos públicos e privados, de agências públicas a empresas e doadores individuais, e com isso revitalizar o museu”, diz o economista Rudinei Toneto Júnior, professor da USP em Ribeirão Preto e responsável pelo Escritório de Parcerias da universidade, órgão criado em 2018 com a missão de viabilizar o ingresso de dinheiro privado em projetos da instituição.
A historiadora Solange Lima, diretora do MP, vê com otimismo a perspectiva de reformar o museu por meio de doações privadas. “Não serão poucas as empresas com interesse em associar sua imagem a um museu que era o mais visitado do país e faz parte do imaginário da população”, diz. A grande dificuldade, ela adverte, será garantir financiamento para o período posterior à reforma. “Estamos conhecendo as experiências internacionais e, embora não exista um modelo único, é possível perceber que bons museus universitários dispõem de múltiplas fontes de recursos, muitos deles recorrendo a diferentes agências de fomento públicas, fundos patrimoniais e campanhas de doação”, afirma.
Verbas complementares
Solange menciona o exemplo do Museu Pitt Rivers, vinculado à Universidade de Oxford, na Inglaterra. Com um acervo de mais de 600 mil peças arqueológicas, tem 34% de seu orçamento repassado pela universidade. Outros 40% proveem de agências governamentais, como o Conselho de Financiamento do Ensino Superior do Reino Unido. O restante da receita entra na forma de fundos de doações e atividades comerciais. “As coleções que administramos são em grande parte propriedade da universidade, que se beneficia dos nossos programas de ensino e das exibições de grande valor histórico e impacto social”, diz a museóloga Laura van Broekhoven, diretora do Pitt Rivers. De acordo com ela, museus arqueológicos como o Pitt Rivers têm certa dificuldade em angariar fundos. Por isso, a política de segurança do museu instituiu um Fundo de Risco, uma espécie de reserva de emergência, para cobrir despesas inesperadas e reparos.
Se universidades e agências públicas de fomento são fundamentais para a operação cotidiana dos museus, e empresas privadas costumam patrocinar exposições, as doações individuais são um complemento importante para garantir a manutenção das instituições e a ampliação de seus acervos. No Brasil, contudo, cativar as pessoas físicas não é uma tarefa fácil. Um levantamento realizado em 2016 pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) mostrou que os brasileiros não se furtam a fazer doações – 77% dos entrevistados haviam contribuído com alguma causa ou instituição no ano anterior –, mas raramente colaboraram com museus. “Os brasileiros tendem a ter uma abordagem mais imediatista e assistencialista: decidem doar dinheiro quando se deparam com pessoas ou instituições em situação de emergência, vítimas de desastres ou outro tipo de sofrimento. A sensibilidade já não é tão grande quando se trata de doar para projetos de longo prazo, como a preservação do patrimônio cultural”, afirma a economista Paula Jancso Fabiani, diretora-presidente do Idis.
Existem exceções, como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). As contribuições dos quase 2 mil membros da Associação de Amigos do Jardim Botânico – que pagam mensalidades e ganham acesso irrestrito à área de visitação – renderam R$ 713 mil em 2017 e, quando necessário, podem ajudar a pagar consertos ou reformas urgentes, de acordo com o economista Sérgio Besserman Vianna, diretor da instituição. Todo o dinheiro arrecadado com os ingressos de aproximadamente 650 mil visitantes por ano e de atividades, como uma exposição de orquídeas que reuniu 15 mil pessoas em um final de semana de setembro, segue para o Tesouro Nacional – a instituição é vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.
Nos Estados Unidos, o Smithsonian Institution, que compreende 19 museus em Washington, Estados Unidos, criou uma estratégia talhada para arrecadar dinheiro de pessoas físicas. Uma campanha que mobilizou mais de 535 mil doadores de 107 países entre 2014 e 2018 levantou mais de US$ 1,88 bilhão em dinheiro privado. Desse total, 93% dos doadores deram menos de US$ 100. O montante será aplicado na montagem de exposições, aquisição de peças para acervo, reformas e organização de atividades educativas. É possível doar de diferentes maneiras para os museus do Smithsonian. No site da instituição, o interessado pode optar por fazer uma contribuição avulsa ou mensal. O valor mínimo é de US$ 35. O doador deve escolher para qual museu, centro de pesquisa ou programa institucional deseja dar dinheiro. Outra opção é tornar-se membro de um programa de patronato chamado Amigos do Smithsonian. Nessa modalidade, os doadores oferecem uma quantia anual que varia de mil a US$ 25 mil. Em retribuição, ganham benefícios que vão desde o envio de catálogos de exposições até jantares com diretores e visitas a centros de pesquisa fechados ao público. “As contribuições vieram diretamente de pessoas, fundações e empresas”, conta Linda Thomas, porta-voz do Smithsonian.
Filantropia
A maioria dos museus e organizações culturais dos Estados Unidos é financiada por uma combinação de fundos públicos e filantropia privada. “Sessenta e quatro por cento das receitas do Smithsonian vêm do governo federal, pois ele é considerado um museu nacional”, diz Linda. Anunciado em março, o orçamento público da instituição para o ano fiscal de 2018 é de US$ 1 bilhão, o que representa US$ 96 milhões a mais do que havia sido solicitado. Em 2017, o repasse federal foi de US$ 863 milhões. Em 2016, a instituição inaugurou o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana e atualmente realiza uma grande reforma do Museu Nacional do Ar e do Espaço, que em maio recebeu uma doação de US$ 1 milhão de uma companhia aérea. Por não cobrar ingressos do público, o Smithsonian abriu outras frentes para captar recursos, além das doações. Em 2017, foram contabilizados mais de US$ 200 milhões gerados pelos negócios que a instituição mantém, como lojas, cafeterias, contratos de aluguel e teatros. Outros US$ 72 milhões foram fruto de rendimentos de um fundo patrimonial, composto por dotações de grandes doadores.
A tradição em mecenato nos Estados Unidos explica o sucesso dos chamados fundos patrimoniais filantrópicos, ou endowment, abastecidos por recursos públicos e privados e que, em muitos casos, constituem um patrimônio do qual as instituições utilizam apenas os dividendos. A Universidade Harvard foi a primeira instituição de ensino e pesquisa do país a criar um fundo desse tipo, em 1643 (ver Pesquisa FAPESP nº 219), cujos rendimentos são investidos em projetos científicos, infraestrutura e bolsas. Em 2017, 74% do financiamento do Museu de Zoologia Comparada (MCZ) de Harvard originou-se de fundos dessa natureza. “O apoio federal concedido a universidades privadas nos Estados Unidos não garante recursos suficientes para sustentar atividades básicas, como a manutenção de coleções. A maioria dos recursos de Harvard deriva de endowment, que é o modelo-padrão para universidades como a nossa”, disse à Pesquisa FAPESP o zoólogo Jim Hanken, diretor do MCZ.
Os fundos de endowment estão no radar dos gestores dos museus brasileiros há algum tempo, e há alguns projetos de lei que abordam esse assunto tramitando no Congresso. Um deles regulamenta o funcionamento de fundos de doações privadas em universidades. Foi aprovado na Câmara dos Deputados e tramita agora no Senado. Uma semana após o incêndio no Museu Nacional, o governo federal editou duas medidas provisórias voltadas à gestão e ao financiamento de instituições museológicas. A primeira estabelece um marco regulatório para a captação de recursos privados por meio de fundos patrimoniais. Se for aprovada, os fundos poderão arrecadar, administrar e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas a programas, projetos e demais finalidades de interesse público – o que até hoje era vedado a instituições públicas federais.