Potencial eólico brasileiro é três vezes maior do que o do parque nacional de energia elétrica; capacidade atual pode abastecer 22 milhões de residências
Parque Eólico Bons Ventos, em Aracati, no Ceará
CPFL Renováveis
O potencial de geração de energia eólica no Brasil é estimado em cerca de 500 gigawatts (GW), de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), energia suficiente para atender o triplo da demanda atual de energia do Brasil. O número é mais de três vezes superior ao atual parque nacional gerador de energia elétrica, incluindo todas as fontes disponíveis, como hidrelétrica, biomassa, gás natural, óleo, carvão e nuclear. Em dezembro de 2018, a capacidade de geração instalada somou 162,5 GW, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Desse total, as usinas eólicas responderam por 14,2 GW, equivalente à capacidade instalada da usina de Itaipu, de 14 GW – quantidade suficiente para abastecer 22 milhões de residências. A energia gerada com a força dos ventos ocupa o quarto lugar na matriz de energia elétrica nacional.
Elbia Gannoum, presidente-executiva da ABEEólica, explica que o potencial eólico de 500 GW leva em conta apenas a geração onshore (em terra) realizada por aerogeradores que representam o padrão atual, de 2 megawatts (MW) a 3 MW de potência, instalados em torres de 150 metros (m) de altura. Aerogerador (ou turbina eólica) é o aparelho que converte a energia eólica em elétrica. Ocorre que a indústria iniciou um esforço para ampliar a potência dos aerogeradores para em torno de 5 MW. Com uma turbina duas vezes mais potente é possível dobrar a energia gerada em um espaço físico semelhante e reduzir custos operacionais. “A evolução tecnológica pode ampliar consideravelmente o potencial eólico do país”, sustenta a executiva da ABEEólica.
A norte-americana GE anunciou que irá vender no país sua nova turbina de 4,8 MW, lançada mundialmente em 2017. O equipamento tem um rotor de 158 m de diâmetro com três pás, cada uma com 77 m de comprimento. A altura do conjunto todo – torre e mais uma das pás apontando para cima, na vertical – pode alcançar até 240 m, o equivalente ao comprimento de dois campos de futebol, somado à altura da estátua do Cristo Redentor, com seus 30 metros.
A combinação de um rotor maior e torres altas, explica Vitor Matsuo, líder de produto da GE Renewable Energy para a América Latina, permite que a turbina aproveite ventos de maior intensidade e produza mais energia: cerca de 90% a mais do que o modelo da GE anteriormente disponível no país, de 2,5 MW. Uma turbina de 4,8 MW poderá suprir o consumo de 7,5 mil casas.
A nova turbina será produzida na fábrica da GE no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, e as pás na unidade da subsidiária LM Wind Power em Ipojuca, em Pernambuco. As pás serão de fibra de carbono, material mais resistente e leve do que a tradicional fibra de vidro. O desenvolvimento tecnológico foi feito nos Estados Unidos; a participação brasileira consistiu no fornecimento de dados sobre características dos ventos, restrições logísticas e disponibilidade de máquinas, como guindastes, para que fosse adequada às condições de operação no Brasil.
Em outubro, foi a vez de a fabricante dinamarquesa Vestas informar que irá produzir aerogeradores de 4,2 MW no Ceará. A companhia estuda se irá revitalizar as instalações em Aquiraz, onde produzia turbinas de 2 MW, ou se procurará outro local, também no Ceará. Os investimentos alcançam € 23 milhões (cerca de R$ 100 milhões) e a perspectiva é gerar 200 empregos diretos.
Técnicos fazem a manutenção de aerogerador da WEG instalado no Complexo Eólico Cutia, em São Bento do Norte, no Rio Grande do NorteChan/WEG
Única fabricante brasileira de aerogeradores, a catarinense WEG desenvolve uma turbina de 4 MW, prevista para ser lançada no segundo semestre deste ano. A empresa atua no mercado eólico desde 1996 como fornecedora de peças e em 2010 passou a fabricar turbinas. Em 2012 fez uma parceria tecnológica com a Northern Power Systems, de Vermont, Estados Unidos, e em 2016 adquiriu a divisão de aerogeradores da companhia norte-americana. Foram os engenheiros da Northern que conceberam a atual linha de aerogeradores da WEG, com potências de 2,1 MW e 2,2 MW, que soma 308 máquinas comercializadas. A turbina de 4 MW é fruto do trabalho conjunto de uma equipe com 15 engenheiros norte-americanos e 20 brasileiros.
João Paulo Gualberto da Silva, diretor de Novas Energias da WEG, relaciona entre os principais desafios para o desenvolvimento da turbina de 4 MW a realização de cálculos de carga. “A tarefa só se tornou possível com o auxílio de simulações feitas em supercomputadores”, afirma. Trata-se de estabelecer o esforço mecânico necessário para manter fixa uma estrutura “feita para voar” que envolverá um rotor de 147 m de diâmetro que realizará 14 giros por minuto com três pás, que farão uma rotação a cada 10 segundos. Cada pá pesará 23 toneladas e terá 74 m de comprimento e 3 m em seu ponto mais largo.
Entrevista: Elbia Silva Gannoum
A fadiga dos materiais, a logística e a viabilidade econômica são outras questões a serem ponderadas. Um exemplo das dificuldades, relatado por Gualberto da Silva, diz respeito à montagem. As torres que comportam as turbinas de 2,2 MW possuem 120 m de comprimento, mas precisariam ser reforçadas para suportar as máquinas de 4 MW. Ocorre que os guindastes necessários para realizar a montagem das torres não operam com estruturas maiores. “Estamos definindo o reforço de aço e concreto para que as torres com tamanhos atuais suportem o esforço que será exigido.”
Ao contrário da GE, que fará pás em fibra de carbono, a WEG pretende manter a produção com fibras de vidro e resina epóxi, materiais mais econômicos. O projeto da nova pá está sendo desenvolvido com o auxílio de projetistas e fabricantes de moldes europeus e chineses.
Única fábrica brasileira de aerogeradores, a WEG planeja lançar este ano turbinas com 4 MW de potência
Ruídos e pássaros O Brasil possui atualmente alguns grupos de pesquisa em energia eólica, dentre os quais os das universidades federais do Ceará (UFC), de Santa Catarina (UFSC), do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de São Paulo (USP). Na Escola Politécnica da USP, o grupo Poli Wind foi formado em 2016 com quatro integrantes, entre eles o pesquisador em estágio de pós-doutorado Joseph Youssif Saab Jr., coordenador do Curso de Engenharia Mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia. Saab é autor de um projeto de pás mais silenciosas para turbinas que gerou um pedido de patente e pode se caracterizar como uma contribuição genuinamente brasileira para o desenvolvimento de tecnologia de aerogeradores. “O excesso de ruído é um problema para as comunidades vizinhas aos parques eólicos. É como ter um avião sobrevoando sua casa 24 horas por dia. E o ruído vai piorar na medida em que os aerogeradores ficarem maiores”, alerta o pesquisador. O grupo está em busca de fabricantes dispostos a testar os aerofólios desenvolvidos.
Entrevista: Joseph Saab Junior
Saab criou uma ferramenta de predição do ruído emitido pelas pás para ser aplicada enquanto elas ainda estão em fase inicial de projeto, permitindo ajustes no projeto. A ferramenta computacional é de livre distribuição e já foi baixada mais de 36 mil vezes, no mundo todo, via internet. Para projetar os novos aerofólios, foram desenhadas três turbinas eólicas com diâmetros de 100, 180 e 220 metros, ainda não construídas.
O grupo Poli Wind também se preocupa em mitigar outro aspecto negativo dos grandes aerogeradores, que é a mortalidade de pássaros e morcegos que colidem com as pás eólicas. A recomendação nacional e internacional é estabelecer parques fora do trajeto de rotas migratórias, o que, segundo Saab, nem sempre é observado no Brasil. Uma possível solução apresentada pelo grupo é dimensionar uma seção estreita do aerofólio da pá de forma a gerar a emissão de um som tonal, um assobio, na faixa de 1 a 3 quilo-hertz (kHz), capaz de alertar pássaros sem impactar significativamente o ruído total do rotor para a audição humana.
Outra inovação, com potencial de impacto nos custos operacionais dos aerogeradores, está sendo desenvolvida pela empresa paulista Eolic Future Tecnologia, de São José dos Campos. O projeto, com financiamento do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, objetiva desenvolver um aerogerador de rotor de eixo horizontal, como o normalmente usado nos parques eólicos, mas com uma mudança: a nacelle, peça onde é instalado o sistema gerador, é reposicionada na base da torre, e não no topo, como é usual.
Segundo o engenheiro William Menezes, da Fatec São José dos Campos e pesquisador responsável na Eolic Future, a viabilidade técnica do sistema para torres de 80 metros já está comprovada por cálculos analíticos, e a próxima etapa é fazer um protótipo para testes. A vantagem da instalação da nacelle na base da torre é o potencial de redução de custos de manutenção, na casa de 15% ao ano. Menezes relata que no custo de um aerogerador estão incluídos gastos de manutenção, hoje na casa de R$ 2,5 milhões anuais a partir do quinto ano de operação. Além disso, há o risco de acidentes em tarefas em uma estrutura instalada longe do solo. A Eolic Future planeja comercializar a tecnologia em associação com investidores e fabricantes de aerogeradores.
O atual bom momento da energia eólica no país teve um precursor, o engenheiro aeronáutico Bento Koike, criador da empresa Tecsis, de Sorocaba (SP). A empresa foi fundada em 1995 para fabricar pás de aerogeradores com tecnologia própria que eram exportadas inicialmente para a Alemanha e, posteriormente, para outros países. Mais de 50 mil pás de 23 modelos diferentes foram vendidas desde então para atender ao mercado interno e externo até 2016. Desse ano em diante a GE, sua principal cliente, diminuiu o número de pedidos e comprou uma concorrente, a LM Wind Power, em 2017. O fato, aliado à crise econômica no país desde 2014, levou a Tecsis a uma situação econômica difícil. Em setembro de 2018 a empresa teve aprovado seu plano de recuperação extrajudicial.
Energia mais barata Analistas apontam que o uso crescente de energia eólica no mundo se dá em função de seu reduzido impacto ambiental, já que é movida por uma fonte renovável, o vento, e pela diminuição do custo de investimento. Relatório da Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena) informa que o Custo Nivelado de Energia (LCOE) da energia eólica caiu em 22% entre 2010 e 2017 – hoje está em US$ 0,06 por kWh. O LCOE contabiliza todos os custos esperados na vida de uma usina divididos pela geração em kWh produzida no período. O preço das turbinas, que responde em média por 70% do investimento, foi reduzido em 40%.
O Conselho Global de Energia Eólica, fórum representativo do setor em nível internacional, informa que em 2017 foram acrescentados 52 GW de capacidade de geração eólica no mundo, totalizando 539 GW. Para 2022 a estimativa é de uma geração global de 840 GW. O Brasil é o oitavo maior gerador eólico e responde por 2% da produção mundial. O país tem 568 parques com mais de 7 mil aerogeradores em operação, segundo dados da ABEEólica de 2017. O aumento de geração já contratada indica uma capacidade instalada de 17,6 GW em 2022.
Elbia Gannoum estima que a geração eólica será a mais comercializada nos leilões de energia promovidos pela Aneel nos próximos anos. Isso se deve ao fato de que a geração eólica tem se mostrado competitiva no Brasil, com um custo na casa de R$ 90 por MWh, enquanto a geração hidrelétrica teve no último leilão, em abril, custo de R$ 198 por MWh.
Uma nova perspectiva também pode vir do mar. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estimou, com base em um estudo de 2011, em 606 GW o potencial eólico no mar territorial brasileiro, sendo que 57 GW estariam em uma região de até 10 quilômetros da costa, com maior chance de aproveitamento. A ABEEólica, no entanto, não prevê uma expansão eólica offshore no curto prazo em razão do investimento, cinco vezes maior do que em terra. Mesmo assim, a Petrobras anunciou em agosto de 2017 a elaboração de projeto para instalar no litoral de Guamaré (RN) o primeiro parque eólico offshore do Brasil. O objetivo é que ele comece a operar em 2022.
Um pouco de história Setor ganhou impulso em 2009 com a realização do primeiro leilão exclusivo de energia eólica
Parque eólico no município de Galinhos, no Rio Grande do NorteNuno Guimarães/Frame/Folhapress
O Brasil começou a prestar atenção ao potencial da energia eólica em 2001, em função da crise energética batizada de “apagão”. Era preciso diversificar a matriz energética e a geração eólica era uma alternativa de rápida implementação. Naquele ano, foi criado o Programa Emergencial de Energia Eólica (Proeólica), cuja meta era contratar 1.050 megawatts (MW) de projetos eólicos até o fim de 2003. Mas a iniciativa não foi bem-sucedida.
Em 2002, o governo instituiu o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), com o objetivo de incentivar o nascimento de uma indústria nacional, mas a produção local era incipiente e cara, e a geração eólica não era competitiva nos leilões, o sistema de comercialização de energia nova instituído pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2004.
Foi somente a partir de 2009, conforme relata Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), com a realização do primeiro leilão exclusivo para a fonte eólica, que o setor começou a ganhar impulso. Na ocasião foi contratado 1,8 gigawatt (GW). No ano seguinte, a geração eólica passou a disputar contratos nos leilões de energia renovável e, em 2011, nos leilões gerais de energia.
O crescimento do setor, segundo Jorge Boeira, líder de energias renováveis da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), também é resultado do apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que em 2012 passou a dar suporte à indústria de equipamentos por meio do programa Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame).
Conforme dados da ABDI, o Brasil conta hoje com seis fabricantes de aerogeradores que somam uma capacidade de produzir 1.500 unidades anuais, suficientes para a geração de 3,5 GW. Em pás eólicas, a capacidade é de 7 mil por ano. Ao todo, mais de 70 empresas fazem parte da cadeia produtiva do setor e o índice de nacionalização é de 80%. “É uma cadeia produtiva completa, que tem condições de ser competitiva em projetos na América Latina”, afirma Boeira.
Projeto Desenvolvimento de um sistema aerogerador de eixo horizontal e transmissão de potência verticalizada visando à redução dos tempos de paradas (downtime) e os custos envolvidos na manutenção (nº 16/21569-0); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável William Marcos Muniz Menezes (Eolic Future Tecnologia); Investimento R$ 130.879,48.
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