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Boas práticas

Dados fraudulentos geram indenização milionária

Universidade Duke fecha acordo para pagar US$ 112,5 milhões e encerrar processo em que pesquisadora foi acusada de falsificações sistemáticas

Zansky

A  Universidade Duke, nos Estados Unidos, fechou um acordo com a Justiça e aceitou pagar US$ 112,5 milhões, o equivalente a R$ 440 milhões, para encerrar um processo no qual uma pesquisadora da instituição era acusada de falsificar dados em artigos científicos e em relatórios apresentados a órgãos federais de fomento à pesquisa, como os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e a Agência de Proteção Ambiental (EPA).

Erin Potts-Kant, coordenadora de pesquisa clínica da divisão pulmonar na Duke Health, complexo de hospitais e escolas de medicina e enfermagem da universidade, tinha como função certificar a validade de resultados de trabalhos da unidade, mas, em vez disso, modificava dados desfavoráveis para facilitar a obtenção ou manutenção de financiamento. Projetos sobre a função pulmonar de ratos, que se basearam em dados manipulados, somaram US$ 200 milhões em verbas federais para pesquisa entre 2006 e 2018. Doze artigos científicos foram retratados também por utilizarem informações manipuladas. O trabalho da pesquisadora tornou-a coautora de dezenas de artigos científicos, que estão sendo investigados. “Potts-Kant se engajou em fraudes sistemáticas”, acusou o ex-analista de laboratório da universidade Joseph Thomas, que denunciou o caso e iniciou a ação contra Duke em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Segundo ele, a pesquisadora chegou a inventar conjuntos inteiros de dados.

O escândalo chamou a atenção não apenas pelas cifras, mas também por recorrer a uma legislação raramente utilizada em casos de integridade científica: a Lei de Alegações Falsas, que pune quem comete fraudes usando recursos federais com o pagamento de indenizações vultosas, equivalentes a até três vezes o dinheiro desviado ou obtido irregularmente. A maior parte dos US$ 112,5 milhões irá para as agências de fomento que financiaram projetos com dados falsificados. A lei também permite que denunciantes recebam até 30% da indenização estabelecida. No caso de Duke, o autor da ação, Joseph Thomas, vai receber US$ 33,75 milhões. “O acordo envia uma forte mensagem de que a fraude e a desonestidade não serão toleradas no processo de financiamento de pesquisa”, afirmou, em nota oficial, o Departamento de Justiça.

Devemos aceitar a responsabilidade e reconhecer que nossos processos não funcionaram, disse o reitor Vincent E. Price

Potts-Kant perdeu o emprego em 2013, quando o caso veio à tona e ela também enfrentou acusações de desviar dinheiro da instituição. Mas isso não foi o suficiente para reverter o estrago na reputação da Universidade Duke, envolvida em outros escândalos. Uma das mais prestigiosas universidades norte-americanas, berço de 13 ganhadores do prêmio Nobel e responsável por um orçamento anual de pesquisa na casa de US$ 1 bilhão, a instituição já enfrentava outras acusações de práticas negligentes. Em meados dos anos 2000, dois pesquisadores de Duke, Anil Potti e Joseph Nevins, selecionaram pacientes para realizar ensaios clínicos de métodos capazes de predizer a evolução de certos tipos de câncer e apontar o tratamento mais adequado. O recrutamento foi realizado embora já se soubesse que tinham sido detectados erros nos trabalhos científicos que embasavam as técnicas. Na contramão das evidências de que os métodos eram problemáticos, a universidade liberou os ensaios em fevereiro de 2010, fiando-se em explicações de Potti que mais tarde se revelaram inconsistentes (ver Pesquisa FAPESP nº 189). Os dois pesquisadores foram demitidos.

O descaso da instituição no episódio de Potti e Nevins foi citado como mau exemplo em um amplo relatório apresentado em abril de 2017 pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos, com recomendações para aperfeiçoar práticas e políticas relacionadas à integridade científica nos Estados Unidos (ver Pesquisa FAPESP nº 255). “Não sei se Duke mudou suas práticas, mas não ficaria surpreso se o problema se repetisse”, criticou, na apresentação do documento, o bioengenheiro Robert Nerem, presidente do comitê que produziu o relatório.

No caso de Potts-Kant, a universidade foi acusada de acompanhar de modo frouxo o trabalho de seus pesquisadores e de demorar a tomar atitudes incisivas quando o caso eclodiu. Por conta disso, desde abril de 2018 os NIH passaram a impor restrições adicionais a pesquisadores da Duke. Projetos com financiamento a partir de US$ 250 mil são obrigados a fornecer orçamentos mais detalhados do que o exigido de outras instituições.

Zansky

A universidade se defendeu, em uma declaração oficial, dizendo que só descobriu a possível fraude em 2013 depois que Potts-Kant foi demitida. E argumentou que, inicialmente, não compreendeu a gravidade e a extensão do crime. O reitor da universidade, o cientista político Vincent E. Price, informou que a instituição está revendo seus processos para promover a integridade científica. “Esperamos que os pesquisadores da Duke sempre sigam os mais altos padrões de integridade e praticamente todos fazem isso com muita dedicação”, disse. “Quando indivíduos não cumprem esses padrões e quem está ciente de possíveis erros não os relata, como aconteceu nesse caso, devemos aceitar a responsabilidade, reconhecer que nossos processos para identificar e prevenir desvios de conduta não funcionaram e tomar medidas para melhorar.”

No ano passado, a universidade nomeou a ginecologista Geeta Swamy para o recém-criado cargo de vice-reitora de integridade científica. Também abriu um Escritório de Integridade Científica e começou a exigir planos detalhados e prestação de contas para todas as unidades da Duke Health. Price anunciou, ainda, a criação de um Painel de Excelência e Integridade em Pesquisa, que vai propor novas políticas para a universidade até 30 de junho, e de um comitê de supervisão executiva, liderado por A. Eugene Washington, chanceler para assuntos de saúde. “Continuamos a ter confiança na alta qualidade do corpo docente da Duke e em suas pesquisas”, afirmou Price. “O acordo judicial, que resulta de má conduta intencional que ocorreu em um laboratório, mas que afetou o trabalho de muitos pesquisadores, não deve diminuir o trabalho de salvar vidas que acontece todos os dias na Universidade Duke.”

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