Alimentados por arrecadação tributária, regimes de financiamento à educação como o Fundeb, que expira em 2020, constituem desafio ao governo federal
Elisa Carareto
O Brasil investiu R$ 304,8 bilhões em educação pública, em 2015. Desse total, R$ 212,3 bilhões (69,6%) foram financiados por estados e municípios, enquanto R$ 92,6 bilhões (30,4%) saíram dos cofres federais. Apesar de ser a maior arrecadadora de impostos, a União aporta menos de um terço dos recursos públicos destinados à educação. De acordo com os últimos dados disponíveis do Ministério da Educação (MEC), a maior parte dos recursos, R$ 253,3 bilhões (83%), foi destinada à educação básica. R$ 51,6 bilhões, ou seja, 17% dos investimentos, foram feitos em educação superior. Entre os muitos desafios que a nova administração federal tem pela frente está o de repensar o financiamento das 184 mil escolas públicas existentes no país. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal mecanismo de financiamento da educação básica, responsável por custear, em 2018, cerca de 40 milhões de matrículas e movimentar R$ 150,6 bilhões – o que representa cerca de 60% dos recursos destinados à educação básica pública –, expira no final de 2020.
A Constituição Federal em vigor desde 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, estabelecem que a União, os estados e municípios devem atuar de maneira articulada para financiar as diferentes etapas do ensino público. Responsável por gerenciar 47,5% das matrículas da educação básica, conforme dados do Censo Escolar divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do MEC, os municípios atuam na oferta de educação infantil (creche e pré-escola) e ensino fundamental, etapas que atenderam, respectivamente, 8,7 milhões e 27,2 milhões de alunos, em 2018. Já as unidades federativas (os estados e o Distrito Federal) são responsáveis por escolas que atendem, prioritariamente, os anos finais do ensino fundamental e também o ensino médio – este último envolveu 7,7 milhões de matrículas, em 2018. À União cabe prover educação superior e organizar o fluxo de recursos para equalizar o financiamento disponível às redes de ensino de estados e municípios, que também possuem autonomia para criar iniciativas no ensino superior.
Infográfico Ana Paula Campos
Educação básica De acordo com a Constituição, a União deve aplicar, anualmente, ao menos 18% da receita resultante de impostos na manutenção e no desenvolvimento da educação, enquanto o percentual equivalente para estados e municípios é de 25%. Porém, a Emenda Constitucional no 95, de 2016, conhecida como emeda do teto, determinou que, em 2018, a União investiria em educação e outras áreas valor equivalente a 2017 mais a correção pela inflação. Isso significa que, desde o ano passado, o investimento em educação não mais acompanha eventual avanço da arrecadação tributária e a União não necessariamente direciona à área ao menos os 18% resultantes da arrecadação de impostos. “Esses percentuais devem ser destinados a ações para manutenção e desenvolvimento do ensino, as chamadas ações de MDE, sendo que o MEC, por um lado, e as secretarias de cada governo estadual e municipal, por outro, organizam a distribuição dos recursos”, explica Camillo de Moraes Bassi, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
As ações de MDE envolvem itens como remuneração de pessoal, construção de escolas, renovação de infraestrutura e aquisição de material didático, ficando de fora atividades que não apresentam relação direta com o processo pedagógico, como aquisição de merenda escolar e desenvolvimento de programas de assistência social nas escolas. Cerca de 60% do gasto médio anual de R$ 253,3 bilhões com educação básica (que inclui educação infantil, ensino fundamental e médio, além das modalidades de Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial) compõe o Fundeb, criado por Emenda Constitucional em 2006 em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e que funcionará até 2020.
Em relação ao futuro do Fundeb, Caio Callegari, coordenador de projetos do Todos pela Educação, defende a reorganização de seu mecanismo de distribuição, de maneira que municípios com menor arrecadação própria recebam uma parcela maior dos recursos do fundo. “Só uma parte dos impostos arrecadados por estados e municípios é redistribuída pelo Fundeb. Passa pelo seu mecanismo de repartição a parcela de 20% de alguns dos impostos vinculados à educação”, diz. Ele lembra que há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em trâmite no Congresso Nacional que defende a incorporação do Fundeb à Constituição, tornando-o mecanismo permanente de financiamento à educação, ou seja, sem data para expirar.
Bassi, do Ipea, destaca que outra meta para 2020 envolve aumentar a quantidade de recursos disponibilizados por meio do fundo, porém as fontes ainda não foram definidas. O pesquisador informa que impostos municipais (IPTU, ISS e ITBI) não compõem o Fundeb, apenas os impostos dos estados (ICMS, IPVA, ITCMD), além da complementação da União. Já os municípios entram com a cota-parte do ICMS e IPVA. “Em síntese, 60% dos recursos do Fundeb originam-se dos estados, 30% dos municípios e 10% da União”, esclarece. Bassi defende que 5% do mínimo estabelecido pela Constituição, que não trafega pelo fundo, passe a transitar. Ele também sugere a incorporação de impostos municipais ao fundo. “Essas ações obrigariam a União a elevar sua participação na composição do fundo, já que ela tem o dever legal de aportar o equivalente a 10% do valor total do fundo”, diz Bassi.
Infográfico Ana Paula Campos
Embora seja o principal responsável pelo custeio da educação básica pública brasileira, o Fundeb não é a única fonte de financiamento à área. Outro mecanismo importante é o salário-educação, contribuição social recolhida de empresas vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social, em uma alíquota que representa 2,5% da folha de pagamento. Do total arrecadado, 10% ficam com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão vinculado ao MEC, e, dos 90% restantes, 30% vão para a União e 60% são transferidos em cotas mensais diretamente às secretarias de educação de estados e municípios, proporcionalmente ao número de matrículas em cada rede de ensino. Os recursos retidos pelo FNDE são aplicados em programas para custeio da merenda, renovação e ampliação da frota de veículos escolares, melhorias na infraestrutura das escolas, entre outras iniciativas. Bassi, do Ipea, observa que a dotação orçamentária do FNDE, em 2019, é de cerca de R$ 27,6 bilhões. De acordo com o pesquisador, em 2018, o valor total do salário-educação repassado a estados, municípios e o Distrito Federal foi de aproximadamente R$ 13,1 bilhões, sendo que São Paulo, por exemplo, ficou com R$ 5,1 bilhões.
Especialista em política e gestão educacional, José Marcelino de Rezende Pinto, ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), explica que o restante do financiamento da educação pública advém dos recursos vinculados a impostos estaduais e municipais que não fazem parte do Fundeb, além de transferências voluntárias da União, que chegam às redes por meio de programas criados pontualmente pelo MEC.
Ensino superior Cerca de 20% da população entre 18 e 24 anos de idade está matriculada em um curso superior, e essa etapa da educação consome 17% dos investimentos do país em educação pública. No caso das 63 instituições federais de ensino superior e seus cerca de 1,2 milhão de alunos, sua principal fonte de financiamento é o orçamento vinculado ao MEC, previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) e proveniente do Tesouro Nacional – em 2018, foram R$ 46,8 bilhões, incluindo recursos captados por meio de contratos e convênios estabelecidos com gestões estaduais e municipais para executar projetos específicos, além de fontes complementares. “As universidades formalizam convênios para atender necessidades específicas como, por exemplo, assessorar um órgão público no desenvolvimento de determinadas políticas”, diz Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ex-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
As universidades federais, constitucionalmente, têm autonomia para realizar sua gestão financeira, mas, na prática, isso não é inteiramente respeitado, segundo Tourinho. Anualmente, elas elaboram e submetem ao governo federal suas propostas orçamentárias e são atendidas a partir de decisões dos ministérios. Entre os fatores que devem ser considerados na preparação do orçamento e na dotação dos recursos estão a produção de conhecimento científico e patentes, o número de servidores, a quantidade de alunos diplomados e ingressantes e o tempo de duração dos cursos. “O orçamento do ministério para 2018 foi de cerca de R$ 109 bilhões, sendo que desse montante 43% se destinou às universidades federais”, conta Thiago José Galvão das Neves, coordenador do Fórum de Pró-reitores de Planejamento e Administração da Andifes. De acordo com ele, os recursos do Tesouro Nacional financiam atividades regulares das instituições, incluindo o pagamento de salários dos servidores (ativos, aposentados e pensionistas) e despesas como contas de água, luz, telefone, material de expediente, aquisição de equipamentos, construção de salas de aula e laboratórios. “Cerca de 25% do orçamento das instituições federais é consumido pela folha de pagamento de aposentados e pensionistas, de maneira que a despesa previdenciária é lançada indevidamente, como se fosse investimento em educação”, diz. O orçamento do MEC prevê o pagamento de professores e pesquisadores, mas não financia atividades diretas de investigação científica. Para tanto, as instituições dependem principalmente da captação de recursos de agências de fomento como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e agências estaduais que custeiam o desenvolvimento de projetos de pesquisa, tanto de professores quanto de alunos.
Infográfico Ana Paula Campos
Tourinho explica que, até 2015, o orçamento das universidades federais recebia reajustes anuais, que consideravam a expansão das matrículas e das atividades de ensino e pesquisa. “Com isso, havia certa previsibilidade para planejar o desenvolvimento das instituições. Mas a partir de 2015 houve corte nos recursos de investimento e congelamento do orçamento de custeio por parte do MEC”, informa. Segundo ele, a medida gerou uma perda, considerada a inflação, de aproximadamente 20% no orçamento de custeio destinado às federais e de aproximadamente 70% nos recursos de investimento, ao mesmo tempo que o número de alunos matriculados no ensino superior seguiu crescendo, como resultado de um processo de expansão das universidades federais iniciado em 2004.
Além disso, entre 2000 e 2015, outras etapas da educação – infantil e ensino médio – apresentaram aumentos significativamente maiores nos investimentos, se comparadas à educação superior. Segundo Renato Pedrosa, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 2009 e 2015, os recursos direcionados ao ensino médio e à educação infantil aumentaram em 49% e 75%, respectivamente. “Já o ensino superior teve expansão de apenas 18% nos investimentos no período, mesmo tendo ocorrido grande ampliação da rede federal de universidade e institutos de tecnologia (IFETs)”, destaca.
Apesar de o avanço de investimentos no ensino superior ter sido menor em comparação com a educação básica, o investimento por aluno nessa etapa da educação se equipara ao de países como Portugal e Espanha, atingindo uma média anual de US$ 11,7 mil, enquanto nesses países europeus os valores são de US$ 11,8 mil e US$ 12,5 mil, respectivamente. “Porém, no Brasil, um quarto do valor do investimento no ensino superior corresponde a despesas previdenciárias, algo que não ocorre nesses países europeus”, destaca Tourinho. E, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil gasta US$ 3,8 mil por ano por aluno no primeiro ciclo do ensino fundamental (até a 5ª série), valor que representa metade da média dos países filiados à organização, que é de US$ 8,7 mil.
Aumentar os recursos disponibilizados por intermédio do Fundeb é uma das propostas para 2020
Assim como as universidades, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica tem como fonte de financiamento principal os recursos do Orçamento Geral da União, repassados anualmente pelo Tesouro Nacional. Essa rede federal envolve cerca de 600 instituições, entre Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, Centros Federais de Educação Tecnológica e escolas vinculadas a universidades federais, além da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Os valores repassados pelo Tesouro Nacional destinam-se a despesas de custeio e pagamento de pessoal, incluindo inativos e pensionistas.
Roberto Gil Almeida, reitor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) e presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), explica que os institutos também podem receber aportes de emendas parlamentares. “Há, ainda, a possibilidade de arrecadação por meio de convênios fechados com as agências de fomento e até mesmo com empresas, com a finalidade de desenvolver projetos pontuais.” De acordo com Almeida, do orçamento total do MEC, em 2018, o montante destinado a toda rede federal foi de R$ 14 bilhões, ou seja, cerca de 14% do total. “Os valores distribuídos anualmente aos institutos variam de acordo com a gestão orçamentária realizada pelo MEC. Em 2018, o Conif calculou serem necessários R$ 3,9 bilhões para garantir o bom funcionamento da rede, excluídas despesas de pessoal. Porém, o montante repassado foi de apenas R$ 2,1 bilhões”, lamenta Almeida.
Além dos institutos federais, há os sistemas estaduais de formação profissional, como a Rede Paula Souza, em São Paulo, que também recebe aportes do MEC. No caso da Rede Paula Souza, seu orçamento é elaborado anualmente e enviado à Secretaria de Planejamento e Gestão do estado, responsável por receber as propostas de todos os órgãos do governo. Assim como os institutos federais, essas instituições, além de recursos estaduais, também podem ser financiadas pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em 2011 pelo governo federal.
Se por um lado as instituições federais apresentam modelos similares de financiamento, por outro, as universidades estaduais contam com distintos sistemas para custear suas atividades. O país possui cerca de 40 instituições estaduais em 24 unidades da federação, com 800 mil alunos matriculados. Haroldo Reimer, presidente da Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), explica que em São Paulo, a partir do Decreto no 29.598, de 1989, as três universidades estaduais – USP, Unicamp e Universidade Estadual Paulista (Unesp) – passaram a ser financiadas com repasses da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Hoje, são repassados às universidades paulistas 9,5% da arrecadação desse imposto.
Infográfico Ana Paula Campos
No Paraná, há sete universidades estaduais e a negociação do orçamento ocorre anualmente. Lá, a folha de pagamento e os encargos correspondentes são de responsabilidade do governo do estado. Já em Goiás há um artigo na Constituição Estadual que obriga o repasse de 2% da receita líquida de impostos e transferências à Universidade Estadual de Goiás (UEG), única instituição pública estadual de ensino superior do estado. A remuneração dos servidores inativos não entra na folha de pagamento da universidade, sendo custeada pelo instituto estadual de previdência do estado. “Em linhas gerais, na maioria dos estados brasileiros o funcionamento é similar ao do Paraná. Ou seja, o estado assume a folha de pagamentos e a reitoria busca recursos com o governo para investir em desenvolvimento, manutenção e custeio de suas atividades”, esclarece Reimer, lembrando que quando não há um dispositivo assegurando determinado percentual de tributos ao ensino superior, como ocorre em São Paulo, se estabelece livre negociação entre as instituições e os gestores estaduais. “Com isso, as universidades podem ser prejudicadas em anos de menor arrecadação”, observa.
Sobre a pós-graduação, Reimer explica que as universidades estaduais recebem do governo federal repasses para manutenção e criação de programas de mestrado e doutorado, como verbas de suporte administrativo, além das bolsas de pesquisa das agências de fomento, a exemplo do que acontece com as instituições federais. “Cerca de 90% de toda produção científica brasileira é gerada em universidades públicas e as estaduais respondem por 40% dessa produção, que inclui patentes, dissertações, teses e livros”, contabiliza. Já em relação às instituições municipais, Reimer esclarece que, apesar de criadas pelas câmaras das cidades, elas podem cobrar mensalidades, que representam sua fonte prioritária de financiamento.
A cobrança de taxas (anuais ou mensais) por instituições de ensino públicas, principalmente no nível superior, é comum em diversos países. No Brasil, além das municipais, um exemplo com presença significativa em determinadas regiões são as universidades comunitárias. Nos países da OCDE, os pagamentos feitos por particulares às instituições públicas ou privadas alcançam quase um terço do total dos custos, dos quais 70% recaem sobre os estudantes ou suas famílias, representando importante componente do financiamento do ensino superior.
Infográfico Ana Paula Campos
Desafios dos investimentos A dinâmica atual de gastos públicos e o desempenho dos estudantes, nem sempre satisfatório no que diz respeito às avaliações da educação, suscitam debates sobre o melhor caminho para superar os desafios educacionais do país. Hoje, o percentual médio do PIB destinado à educação (incluindo do ensino fundamental até a educação superior), de 5%, conforme a OCDE, aproxima-se, por exemplo, dos 6% destinados pelos Estados Unidos às mesmas etapas do ensino, observa Tourinho. “Porém, o PIB norte-americano, que em 2015 foi de aproximadamente 18,1 US$ trilhões, conforme o Banco Mundial, é bastante superior ao brasileiro, que no mesmo ano foi de US$ 1,8 trilhão. Isso significa que, nos Estados Unidos, o investimento por aluno é muito maior do que o do Brasil”, enfatiza.
Andressa Pellanda, coordenadora executiva do movimento Campanha Nacional pelo Direito à Educação, chama a atenção para o fato de os países da OCDE possuírem níveis diferentes de desenvolvimento e qualidade da educação. “A Noruega, por exemplo, não precisa incluir 2,8 milhões de crianças, como o Brasil”, destaca. Ela diz que a Lei no 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação (PNE), prevê, até 2024, que os investimentos em educação cheguem a 10% do PIB. “O cálculo tem por base o Custo Aluno-Qualidade [CAQ], mecanismo criado pela Campanha e que lista quais são os insumos de qualidade de uma escola e quanto eles custam, por etapa e modalidade da educação”, explica. Segundo ela, a ampliação dos investimentos é necessária para a incluisão de crianças e adolescentes que estão fora da escola e para melhorar a qualidade do ensino público.
“O gasto mensal por aluno na rede pública corresponde a cerca de um quarto da mensalidade de uma escola privada de classe média”, enfatiza José Marcelino de Rezende Pinto, da FFCLRP-USP. Ele lembra que a população brasileira está envelhecendo e, portanto, existe uma tendência de redução na quantidade de pessoas em idade escolar. No final de janeiro, o Inep divulgou o Censo Escolar 2018, indicando que entre 2014 e 2018 houve queda de 1,3 milhão nas matrículas da educação básica.“Porém, o efeito desse bônus populacional se fará mais evidente somente após 2050, aliviando a demanda de vagas principalmente no ensino fundamental, etapa cujo atendimento à população está universalizado”, alerta o pesquisador.
Ao justificar a necessidade de acréscimo de recursos à educação, os pesquisadores destacam que a taxa de atendimento no ensino superior ainda é muito baixa, com cerca de 19,9% da população, segundo o governo federal, percentual que envolve as pessoas com 18 a 24 anos. No ensino superior, Thiago José Galvão das Neves, da Andifes, lembra que as universidades apresentaram processo de expansão, nos últimos anos, com o aumento de vagas e a criação de novos campi, sobretudo no interior.
Carlos Renato de Melo Castro, gerente de estudos econômico-fiscais do Tesouro Nacional, conta que, em 2017, o gasto da União em educação envolveu R$ 117,2 bilhões. Em 2008, os gastos totais do governo federal com a área envolveram R$ 61,4 bilhões, com R$ 31,8 bilhões dirigidos à educação superior e profissional e R$ 18,9 bilhões à básica. “Isso significa que a expansão dos investimentos da União na área passou de 1,1% do PIB, em 2008, para 1,8%, em 2017”, diz. Os dados fazem parte de estudo do Tesouro Nacional divulgado no final do ano passado, que também identificou que o aumento dos investimentos federais em educação não resultou em melhorias nos indicadores de desempenho escolar, como sinalizam os dados do Pisa (Programme for International Student Assessment). Dos 70 países avaliados em 2015, o Brasil ficou na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática. “O estudo mostra que o aumento das despesas federais em educação não foi acompanhado por melhorias de desempenho dos estudantes”, observa. Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, lembra que nos últimos 10 anos estudantes do ensino médio seguiram com notas baixas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). “Defendemos que, antes de elevar os gastos em educação, é necessário melhorar a gestão desses recursos”, destaca. Para isso, ele propõe o aprimoramento da qualificação de gestores municipais em questões financeiras, bem como a elaboração de estudos comparativos para identificar fatores de sucesso e fracasso nas escolas. José Marcelino, da Fineduca, discorda dessa posição, afirmando que “a própria OCDE em seus estudos indica que, para fazer diferença, o gasto por aluno teria de atingir patamares cerca de quatro vezes superiores aos valores atualmente praticados no Brasil”.
Infográfico Ana Paula Campos
Teto dos gastos
A Emenda Constitucional no 95, conhecida como “emenda do teto”, foi aprovada com o propósito de evitar o crescimento real do gasto público federal. Em vigor desde 2017, estabeleceu que a partir de 2018 os desembolsos da União passariam a ser os mesmos do ano precedente, corrigidos pela inflação – no caso, revogando a obrigação de aplicar 18% de suas arrecadações líquidas de impostos em educação. “Ou seja, o orçamento de 2019 será o mesmo do ano passado, corrigido pela inflação”, esclarece Jorge Abrahão de Castro, pesquisador e técnico aposentado do Ipea.
No entanto, o Fundeb e o salário-educação, principais fontes de financiamento da educação básica, ficaram de fora da regra, de maneira que seus valores não estão limitados aos montantes gastos no ano precedente, podendo ser ampliados caso suas fontes de financiamento se elevem. “Isso significa que, no caso do Fundeb, a União segue obrigada a aportar um montante equivalente a 10% dos valores totais arrecadados pelo fundo, enquanto também deve seguir direcionando 2,5% da folha de pagamento ao salário-educação”, afirma Castro. Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, considera que a legislação não deve afetar o financiamento da educação básica, justamente por deixar de fora duas das suas principais fontes, o Fundeb e o salário-educação, diferentemente da educação superior, cuja distribuição de recursos está limitada ao investimento feito no ano precedente.
De acordo com Carlos Renato de Melo Castro, gerente de estudos econômico-fiscais do Tesouro Nacional, é possível que os gastos em educação aumentem por meio de uma “decisão alocativa” na elaboração do orçamento anual, ou seja, caso o governo federal decida destinar recursos de outras áreas para a educação. Segundo ele, nos últimos anos, a área tem recebido um valor maior do que o mínimo constitucional de 18%. “Em 2017, 18% da arrecadação líquida da União representava R$ 49 bilhões e, no período, foram gastos R$ 63,2 bilhões, valor acima do mínimo exigido pela Constituição”, diz. Ainda de acordo com Melo Castro, em 2019, o valor mínimo que o governo federal deve aplicar em educação é de cerca de R$ 53 bilhões – o orçamento aprovado foi de R$ 121 bilhões.
“Portanto, o teto de gastos não necessariamente resultará no congelamento dos investimentos educacionais, porém haverá uma pressão maior para que esses recursos não aumentem muito, porque estarão disputando espaço com outras áreas”, analisa Caio Callegari, do TPE. Já na avaliação de José Marcelino, da USP, a emenda inviabiliza o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, pois, ao congelar os gastos primários federais, gera reflexos nos recursos de estados e municípios, impedindo a ampliação da oferta e a melhoria da qualidade do ensino público.
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