Artigo publicado nesta segunda-feira (25/2) na revista Nature Geoscience por pesquisadores brasileiros e colaboradores da Alemanha indica que florestas tropicais em áreas com maior variação no regime de chuvas podem ter sobrevida maior do que aquelas que têm um padrão previsível de chuvas. Os resultados apontam direções de investigação sobre as variáveis que determinam a sobrevivência das florestas (ou resiliência, termo cada vez mais utilizado em ecologia). “Percebemos que a variedade interanual é mais importante do que a chuva média”, afirma a matemática Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Existe uma faixa tropical de latitudes onde pode haver tanto florestas exuberantes, como a Amazônia, quanto fisionomias mais esparsas e de menor estatura, como as savanas. Nas áreas chuvosas predomina a floresta, nas mais secas a savana é típica. Onde a média de chuva é intermediária, podem coexistir os dois tipos de vegetação. Hirota e colegas se concentraram no Brasil, na parte que abrange do Amazonas ao Brasil Central e abriga floresta amazônica e Cerrado, por haver mais dados e ser possível analisar regiões com pouca interferência humana, ressaltando os processos naturais.
Os resultados mostraram que, além da quantidade de chuva característica de cada lugar, também é importante a variabilidade que está escondida pelo valor médio. O estudo surgiu de conversas entre Hirota e o biólogo Rafael Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que a levaram a produzir um mapa unindo, ao longo de vários eixos, variáveis como a média de chuvas de cada local, a sazonalidade e os efeitos esporádicos como El Niño – esse conjunto é chamado de regime de chuvas. Esse mapa, que não foi publicado por si só, serviu como ferramenta para a alemã Catrin Ciemer quando passou um período no laboratório de Hirota na UFSC, como parte de seu doutorado em física na Universidade Humboldt de Berlim, na Alemanha. Ao analisar as variáveis do mapa, Ciemer selecionou como fator principal a variabilidade interanual – causada por eventos do tipo El Niño, por exemplo – em vez da média de chuva.
Em alguns lugares é fácil prever a quantidade e a distribuição das chuvas – e as espécies que vivem ali estão adaptadas a essas condições. Em outros, as precipitações são imprevisíveis e as florestas passam por longos períodos chuvosos ou de seca, sem um ritmo regular. Um lugar com 1.600 milímetros de chuva por ano pode ter essa pluviosidade distribuída de maneira uniforme ou esporádica quando se compara anos sucessivos. Para os pesquisadores, é essa irregularidade que conta.
“Existe um mecanismo compensatório que chamamos de efeito de treino”, diz Hirota. Esse efeito faz com que, nas áreas de maior variabilidade, tanto a floresta como a savana consigam existir em uma faixa mais ampla de média de chuva. Oliveira explica que por trás dessa capacidade estão características funcionais das árvores que lhes permitem resistir a secas prolongadas, por exemplo. Entram nessa equação a densidade da madeira, a estatura das árvores, as propriedades hidráulicas que lhes permitem resistir à seca, entre outras. “Ainda não entendemos todas as propriedades do sistema”, ressalta ele. A importância detectada agora para a resistência à variabilidade é uma pista importante para, daqui em diante, esmiuçar aspectos ecofisiológicos da vegetação.
Oliveira também explica que, para testar as hipóteses levantadas no artigo da Nature Geoscience, o ideal é que existam séries temporais muito longas registrando o que acontece com a floresta conforme as variações climáticas, algo bastante demorado de fazer. No longo prazo, ele propõe que o regime de chuvas selecione espécies capazes de subsistir naquelas condições.
Todas essas ideias amadureceram ao longo de um projeto financiado pela FAPESP que terminou no início de 2018, e agora continuarão a se desenvolver com apoio do Instituto Serrapilheira. “É preciso tempo para que uma inspiração inicial dê origem a um modelo que possa gerar conhecimento”, diz Hirota, que coordena o projeto atual em parceria com Oliveira e outros colegas. A partir dos achados publicados agora, eles pretendem entender como o clima, a presença humana, o tipo de vegetação, a água e o fogo atuam para determinar a resiliência da floresta.
Por enquanto, Oliveira não parece ser preocupar com a possível transformação da Amazônia em savana. Não só é um conhecedor e apreciador do Cerrado, mas também vem observando, nos resultados de sua pesquisa, que as florestas são mais resilientes do que se esperava. “Com as mudanças que ocorrem no clima pode haver uma dinâmica de substituição de espécies mais adaptadas”, pondera. A floresta pode se tornar mais resistente ou com uma feição mais aberta diferente de savana, como aconteceu no experimento que simulou uma seca na Amazônia (ver Pesquisa FAPESP nº 238).
Projetos
1. Towards an understanding of tipping points within tropical South American biomes (nº 13/50169-1); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Convênio Microsoft Research; Pesquisador responsável Ricardo da Silva Torres (Unicamp); Investimento R$ 446.798,40 (FAPESP).
2. Interações entre solo-vegetação-atmosfera em uma paisagem tropical em transformação (nº 11/52072-0); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Convênio Microsoft Research; Pesquisador responsável Rafael Silva Oliveira (Unicamp); Investimento R$ 1.249.709,83 (FAPESP).
3. Fenômenos dinâmicos em redes complexas: fundamentos e aplicações (nº 15/50122-0); Modalidade Projeto Temático; Convênio DFG; Pesquisadores responsáveis Elbert Einstein Nehrer Macau (Inpe) e Jurgen Kurths (Universidade Humboldt); Investimento R$ 3.757.320,00 (FAPESP).
Artigo científico
CIEMER, C. et al. Higher resilience to climatic disturbances in tropical vegetation exposed to more variable rainfall. Nature Geoscience. on-line. 25 fev. 2019.