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Agropecuária

Conhecimento no campo

Embrapa faz 30 anos de desenvolvimento tecnológico para a agricultura e a pecuária

EDUARDO CESARTrigo: produtividade cresceu de 800 kg/ha, em 1970, para 2.000 kg/ha, em 2002EDUARDO CESAR

Em tempos de fome zero, os 30 anos da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, devem ser muito bem festejados. Os motivos para a comemoração vão desde a evidência de que o problema seria muito maior sem os resultados alcançados pelos pesquisadores da empresa e também pelo fato de o país possuir, neste momento, tecnologias e informações suficientes para aumentar a produção de alimentos e aprimorar o plantio e a pecuária, principalmente entre o pequeno produtor rural.

O caminho percorrido pela Embrapa ao longo desses anos deixa como marca o desenvolvimento de centenas de variedades de sementes, técnicas de manejo e de controle de pragas adaptadas para todas as regiões do país. Foram ações que colaboraram fortemente no aumento da produtividade de várias culturas básicas, como o arroz, que teve a produção aumentada entre 1975 e 2000 em 120%; o feijão, 34%; e a batata, 103%, conforme estudo realizado a pedido da Embrapa pelos economistas José Roberto Mendonça de Barros, professor aposentado da Universidade de São Paulo, e Juarez Rizzieri, professor da Faculdade de Economia e Administração da mesma universidade.

O estudo mostrou que a produção de leite bovino aumentou em 70%, e a interferência da sazonalidade (as diferenças de oferta ao longo dos meses do ano) diminuiu em todos os produtos da cesta básica. Assim, a oferta de alimentos em todas as estações do ano está mais regularizada, não interferindo bruscamente nos preços dos produtos. Preços, aliás, que caíram ao longo do período analisado. Tomando os números da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), que mede os índices de preços do Estado de São Paulo, os economistas constataram também uma queda acentuada do valor real (descontada a inflação) de vários produtos. O açúcar caiu 4,47%; o feijão, 13,39%; a carne (coxão mole), 5,82%; o óleo de soja, 8,06%; e o frango, 8,22%, em média ao ano. No geral, os preços dos alimentos básicos caíram 5,25% ao ano. “Esses ganhos na produtividade permitiram a queda dos preços ao consumidor”, afirma Rizzieri. São conquistas que certamente têm muitos dedos da pesquisa agropecuária, aliados, é claro, à capacidade de trabalho, o empenho e o arrojo dos produtores rurais.

Maior oferta de alimentos também evita um perigo que foi um dos motivos da criação da Embrapa em 1973, empresa ligada ao Ministério da Agricultura. Eram tempos de milagre econômico, e o Brasil atingia uma média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de 14% ao ano, e precisava substituir importações e produzir mais alimentos para uma população que se tornava mais urbana. Para isso, o governo militar investiu na infra-estrutura do país, com a ajuda dos empréstimos externos, e viu no incremento à pesquisa agropecuária a saída para obter tecnologias que permitissem aumentar aprodutividade nos diversificados tipos de solo e de climas existentes nas terras brasileiras. Não adiantava importar técnicas esementes de outros países, era preciso criar tecnologia para o campo, como já comprovara o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em São Paulo, e outras experiências igualmente importantes e pontuais, principalmente nas regiões Sudeste e Sul do país.

A missão inicial da Embrapa foi justamente dar uma amplitude nacional à pesquisa na área agropecuária, explorando novas fronteiras agrícolas. O trabalho começou com a empresa agrupando pesquisadores do antigo Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação (DNPEA) em unidades espalhadas pelo país e tornando uniforme a política de pesquisa. Hoje, a empresa é composta por 39 unidades de pesquisa e desenvolvimento espalhadas por 20 estados mais o Distrito Federal. Possui 2.100 pesquisadores, sendo mais da metade com doutorado e apenas uma pequena parcela – não atingindo a 100 pesquisadores – que possui a graduação sem nenhum outro título acadêmico. “A primeira providência na criação da Embrapa foi investir pesado em cientistas”, conta o agrônomo Eliseu Roberto de Andrade Alves, participante da primeira diretoria e presidente da empresa entre 1979 e 1985. Em 1974, já existiam 317 pesquisadores fazendo cursos de mestrado e doutorado, 39 deles no exterior.

Para Alves, o passo seguinte da Embrapa foi selecionar as prioridades num país que avançava na industrialização, se urbanizava e precisava produzir excedentes para exportar. A partir de 1974, centros de pesquisa foram adaptados ou instalados nos vários pontos do Brasil e de acordo com as necessidades locais. Assim nasceram, por exemplo, a Embrapa Cerrado, em Planaltina, no Distrito Federal; a Embrapa Soja, em Londrina (PR); a Embrapa Amazônia Oriental, em Belém (PA); a Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS); e a Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas (BA).

No início, a empresa se voltou para a produção de grãos. Os primeiros cultivares, as variedades de plantas adaptadas a uma determinada região climática e de solo e que podem trazer resistência a algumas pragas, foram de trigo e de soja, ainda com experimentos iniciados em centros regionais do Sul do Brasil. A soja começava então a se tornar o principal produto agrícola de exportação do país, atingindo hoje uma importância comparada a outras culturas em períodos distintos da nossa história, como o pau-brasil, o açúcar e o café. Esse grão é consumido no Brasil e exportado para ser usado na produção de óleo de cozinha e na composição de rações para frangos e suínos.

Um grande impulso para a escalada comercial dessa leguminosa, que possui 40% do peso de seu grão em proteína, foi também um dos primeiros resultados científicos e tecnológico da Embrapa. Pesquisadores da empresa desenvolveram linhagens da bactéria do gênero Rhizobium, que retira o nitrogênio do ar e transfere para as raízes da soja. Essa técnica seguia os caminhos dos estudos realizados pela agrônoma Johanna Dobereiner (1924-2000), nas décadas de 50 e 60, no DNPEA, pesquisadora que depois foi transferida para a Embrapa Agrobiologia, na cidade de Seropédica (RJ), onde também identificou linhagens de bactérias fixadoras de nitrogênio para a cana-de-açúcar. Com a adoção da bactéria inoculada nas sementes de soja foi possível eliminar a adubação química que fornecia o nitrogênio para a planta.

“Identificamos as bactérias Rizhobium presentes nos solos e selecionamos as estirpes mais eficazes”, explica Amélio Dall’Agnol, gerente da área de comunicação e negócios da Embrapa Soja. Com as sementes tratadas com as linhagens corretas para cada tipo de solo, os produtores passaram a economizar na adubação química da lavoura. Segundo cálculo da Embrapa, o produtor passou a economizar R$ 460 por hectare. Contabilizando a economia para toda a produção de soja no país, consegui-se uma redução de custos de cerca de R$ 5 bilhões por ano.

Outro fator fundamental para a expansão dessa leguminosa a partir dos anos de 1970 foi o desenvolvimento de variedades de sementes adaptadas ao clima tropical. “Antes o cultivo de soja (uma planta de origem asiática), só se desenvolvia em latitudes próximas ou superiores a 25º”, lembra Amélio. Essa latitude corresponde no país ao sul do Estado de São Paulo e norte do Paraná. “O Brasil rompeu essa barreira e hoje se planta soja no Centro-Oeste, no Maranhão, no Pará e em Roraima.”

Também chamadas de cultivares, as variedades de qualquer planta comercial, como no caso das “tropicais” da soja, são produzidas por meio de cruzamentos (troca de polens) entre plantas mais resistentes ao clima de cada região, técnica que hoje também utiliza a biologia molecular para identificar genes de interesse. Ao longo desses anos, a Embrapa desenvolveu vários cultivares e possui uma coleção de 5 mil tipos (genótipos) de soja, garantindo uma grande variabilidade genética à cultura.

Depois de devidamente aprovados, os cultivares são repassados para fundações formadas por produtores que apóiam financeiramente o desenvolvimento das sementes e produzem esse insumo para a venda aos agricultores. Atualmente, a Embrapa é responsável por cerca de 60% das sementes usadas no plantio da soja no Brasil. A safra de 2002 atingiu a produção de 42 milhões de toneladas de grãos, representando 23% da produção mundial. Desse total, cerca de 22 milhões de toneladas foram exportadas (em grãos, farelo e óleo), gerando uma receita de US$ 5,6 bilhões.

A principal região produtora de soja do país (com 58% do total, sendo que em 1970 produzia apenas 2%) é também uma das novas fronteiras agrícolas. O cerrado se transformou nas últimas três décadas em grande produtor de grãos. É o responsável por cerca de 50% da safra de grãos, incluindo soja, milho, arroz, trigo e sorgo (gramínea usada em rações para animais), além de produzir algodão, abacaxi e tomate. Até o final dos anos 60, a região era reconhecida, do ponto de vista agrícola, apenas como pastagem. Hoje, essa aptidão continua, com cerca de 40% do rebanho bovino do país.

Originariamente constituído, em grande parte, de vegetação rasteira, árvores baixas e retorcidas, o cerrado possui um solo pobre, carente de correções químicas, para que nele possa se desenvolver a agricultura comercial. “O solo do cerrado é miserável, quase não tem matéria orgânica, fósforo micronutrientes”, explica Amélio. “Desenvolvemos para a região um pacote que incluía a calagem, com aplicação de cal para eliminar o efeito tóxico do excesso de alumínio presente naquele solo.”

A outra fronteira agrícola conquistada nos últimos anos foi o semi-árido nordestino. Lá, a irrigação com águas do rio São Francisco permitiu que a região central do semi-árido se tornasse um pólo exportador de frutas, englobando terras, num total de 600 mil hectares, dos estados da Bahia e de Pernambuco. Para a região e para o restante do país, a grande surpresa surgiu no início dos anos 80, com o plantio da uva em pleno calor e seca nordestina, na região do Vale do São Francisco, tendo como centros as cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). A notícia ganhou destaque internacional e hoje 95% da produção local é exportada.

O semi-árido também foi adaptado para ser um bom campo para o plantio da manga. Junto com a uva, as duas frutas representam para o país US$ 65 milhões em vendas no comércio externo. “Do total exportado pelo Brasil, 85% das mangas saem do Vale do São Francisco”, diz Paulo. Além de ter colaborado para a implantação econômica dessa cultura na região, a Embrapa também desenvolveu um produto que neutraliza os efeitos do látex da própria mangueira em seu fruto. No momento da colheita, quando a planta expele o látex, manchas escuras se formam logo em seguida e prejudicam o aspecto da fruta, gerando prejuízos na hora de exportar. O neutralizador de manchas produzido pela Embrapa é eficiente e se mostrou mais vantajoso economicamente que o neutralizador importado usado até aqui. Com apenas 6 quilos do produto é possível tratar 50 toneladas de fruta, enquanto o importado trata apenas 15 toneladas.

O combate às pragas permitiu que a Embrapa viabilizasse uma outra fruta. Dessa vez na Amazônia, uma região carente de pesquisa agropecuária, que ao mesmo tempo detém uma rica biodiversidade num solo frágil, clima úmido com chuva em abundância. O fruto é o cupuaçu, nativo da região e cada vez mais procurado pelo mercado interno e externo para a produção de doces e sorvetes. Os pesquisadores da Embrapa criaram meios para tornar o cupuaçu agriculturável e lançaram quatro cultivares de cupuaçueiro resistentes à vassoura-de-bruxa, doença que reduz a produção de frutos em 30% e pode até matar a planta. Essas variedades são clones produzidos a partir de espécies resistentes à doença.

O desenvolvimento de tecnologias pela Embrapa abrange uma longa lista de produtos e processos e não ficou restrito às áreas de fronteira agrícola. Um exemplo está na tradicional área de cultivo de maçãs nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Pesquisadores da região já reduziram em 25% a aplicação de inseticidas nas plantações. A técnica principal introduz na área de plantio armadilhas com hormônios sexuais sintéticos que atraem os insetos e matam-nos. A redução de pulverizações de agroquímicos também está presente nas plantações de batata e tomate. A Embrapa desenvolveu um equipamento que, instalado na lavoura, informa o teor de umidade que facilita o aparecimento de fungos. A pulverização na hora certa reduz em 30% o uso de fungicidas. No tomate, a economia chega a US$ 300 por hectare e na batata, os produtores deixam de gastar US$ 90 milhões por ano.

Em cultivos tradicionais como o trigo, o uso de novos cultivares aumentou a produtividade por hectare (ha). “Em 1970, a colheita rendia 800 kg/ha; em 1990, 1.500 kg/ha; e em 2002, 2.000 kg/ha”, diz o pesquisador Pedro Luiz Scheeren, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS). Em outra cultura tradicional como o milho, que cresceu em produtividade 102% entre 1975 e 2000, a Embrapa desenvolveu cultivares que possuem mais proteína. São milhos com teores de proteínas e aminoácidos 50% superiores ao tipo comum. Essas qualidades, além de enriquecer a alimentação humana, levam a uma redução de 2% no custo final da produção de frangos e suínos.

Na pecuária, a empresa desenvolveu, principalmente, cultivares de plantas forrageiras, que servem de alimento para o gado, em todas as regiões do país. No semi-árido, por exemplo, foi desenvolvido um sistema para bovinos e caprinos que associa a utilização racional da caatinga com plantas cultivadas resistentes à seca. Essa forragem pode ser conservada seca em silagem para ser servida nos períodos de estiagem mais prolongados. Na suinocultura, a Embrapa conseguiu, por cruzamentos entre várias raças, duas variedades de suíno que possuem 40% menos gordura e, por isso, são chamados de suínoslight . A primeira variedade, lançada em 1996, pela Embrapa Suínos e Aves, de Concórdia (SC), já é produzida em 12 estados e representa 12% do mercado desse tipo de carne.

A Embrapa nos últimos anos avançou também para fora do campo, ao desenvolver tecnologias que não têm relação direta com o agricultor, mas trazem benefícios tanto para a agroindústria como para o planejamento e a proteção ambiental. Nessas áreas, duas tecnologias de ponta foram usadas recentemente pelos pesquisadores da empresa: as imagens de satélite e os polímeros condutores. No primeiro caso, a Embrapa Monitoramento por Satélites, de Campinas (SP), montou uma fotografia vista do espaço, pelos satélites Landsat, de cada Estado brasileiro. São mapas com definição do território em 30 a 90 metros por pixel (pontos) na tela do computador. Eles fornecem dados sobre os recursos naturais e os impactos das atividades rurais e urbanas, facilitando o zoneamento ecológico e econômico e ajudando no planejamento de atividades como o ecoturismo.

No caso dos polímeros condutores, eles foram usados na confecção de sensores capazes de identificar e diferenciar tipos de vinho e de água, além de ajudar na monitoração da presença de metais pesados em rios e mananciais. O aparelho, chamado de língua eletrônica, foi desenvolvido na Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos (SP), e contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo, Embrapa Uva e Vinho e Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas (SP).

A língua eletrônica foi patenteada pela Embrapa e soma-se a outras 168 patentes (ou pedidos de patente) registradas ao longo dos últimos 30 anos. Dessas, 54 foram requeridas no exterior. Em 1998, a empresa criou uma secretaria de propriedade intelectual que ajuda pesquisadores de todas as unidades a formularem suas patentes e faz o licenciamento dos produtos.

Com tantas realizações tecnológicas, é de se perguntar como a Embrapa transfere essas informações para aqueles que trabalham no campo e na agroindústria. A resposta se divide em várias frentes. A mais comum é por meio de consultas às próprias unidades, pessoalmente, por telefone ou pela Internet, no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC). “Também repassamos para órgãos públicos e privados que disseminam as informações, além de fazermos reuniões e implementarmos treinamentos para técnicos e agricultores”, explica o ex-presidente da empresa, Eliseu Alves.

O repasse das informações é fundamental no caso da agricultura familiar, formada por agricultores que, muitas vezes, têm dificuldades em obter suporte técnico mais apurado. É nesse segmento que a Embrapa está se voltando nos últimos anos, para tentar equilibrar a agricultura familiar, responsável por 35% da produção do país, com o sucesso do agronegócio, a agricultura empresarial capaz de contratar técnicos, agrônomos e veterinários e, assim, obter informações mais facilmente para o desenvolvimento dos negócios. Os dois setores somados geram, hoje, 20% do PIB nacional.

A visão voltada para uma produção familiar mais viável e rentável ficou documentada no Balanço Social da empresa publicado em 1997 e reforçado em 2001. Um trecho desse último documento expressa o desafio que a Embrapa tem nesse momento histórico. “Os pequenos produtores são incapazes, sozinhos, de superar os obstáculos que os levam a abandonar o campo e se dirigir para a periferia das grandes cidades. Precisam da assistência do Estado. São eles os assentados rurais, os caboclos amazônicos, os indígenas e os pequenos agricultores que se alimentam com o que colhem da terra.”

Para fazer esse trabalho, a empresa conta com um recurso fundamental: respeitabilidade. “Isso é possível sentir no dia-a-dia e quando fazemos coletas de campo”, diz o pesquisador José Valls, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, especialista nas espécies de amendoeiro do gêneroArachis , a mesma do amendoim comercial. “Quando dizemos que somos da Embrapa, logo ouvimos: ‘Entra, entra, entra’. Sem precisar de muita explicação.”

Da biodiversidade aos transgênicos
A diversidade genética animal e vegetal de importância socioeconômica tem um endereço certo no Brasil. É a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o antigo Cenargen, localizada ao lado da sede da empresa, em Brasília. Constituída em 1974, ela foi uma das primeiras unidades da Embrapa. Inicialmente, o centro se especializou na coleta e na guarda de material genético de espécies que podem servir para programas de melhoramento genético, como na produção de novas variedades ou raças, e na manutenção da rica diversidade biológica para as populações futuras. São sementes, amostras de DNA, sêmen e embriões. Guardados em câmaras frias, in vitro nos laboratórios ou no campo estão mais de 83 mil espécimes vegetais. Eles representam 690 espécies, que incluem a soja, por exemplo, e plantas silvestres e medicinais, como ipeca e jaborandi. Recentemente, índios craôs, do Tocantins, recuperaram variedades de milho usadas pelos seus antepassados, que foram coletadas por pesquisadores da Embrapa na década de 1970.

Na área animal, a Embrapa preserva, em fazendas especiais, 33 raças, das quais existem poucos exemplares no país. Assim, entre os bovinos estão o mocho nacional e o pantaneiro. O Pantanal também é o ambiente onde se preserva uma raça de cavalos. No Nordeste, existem núcleos onde são preservados o jegue e a cabra azul. No Rio Grande do Sul, estão a ovelha crioula lanada e, no Norte, na Ilha de Marajó (PA), duas raras raças de búfalos, a carabao e a baio.

Além da caracterização do material coletado, a Embrapa Recursos Genéticos faz o trabalho de identificação de doenças e controle do material vegetal que entra ou sai do país, seja com propósitos comerciais, seja de pesquisa. No ano passado, por exemplo, os pesquisadores detectaram um fungo presente em amostras de trigo importado da Rússia. Somente depois de ele ser eliminado com fungicida, o trigo pôde ser descarregado dos navios.

Em meados da década de 1980, os pesquisadores passaram a adotar técnicas de biologia molecular. “Começamos a identificar marcadores nas moléculas das plantas e aceleramos o processo de melhoramento das variedades, facilitando a identificação de genes de interesse”, conta Luiz Antônio Barreto de Castro, chefe da unidade.

O próximo passo foi o início do trabalho com plantas transgênicas, ainda de forma experimental, em 1986. Hoje, a Embrapa espera a definição do uso dessas plantas no Brasil com três novos produtos. Um mamão resistente ao vírus que provoca a mancha anelar, uma batata também resistente a um vírus que provoca deformações e reduz o número de tubérculos e um feijão que se torna imune ao mosaico dourado, outra doença virótica. “Introduzimos um gene de cada vírus no DNA de cada planta. Esse gene expressa a proteína replicase, que funciona para a reprodução do microrganismo. Quando o vírus vai ao ataque, ele ‘acha’ que a planta já tem a proteína e não secreta essa substância e, portanto, não se multiplica”, explica o pesquisador Francisco Aragão. As plantas estão passando por testes de acordo com normas da Comissão Técnica Nacional de biossegurança (CTNBio). Outra conquista da Biotecnologia foi uma vaca, que recebeu o nome de Vitória, clonada pela técnica de transferência nuclear. Vitória é o primeiro passo para a multiplicação de bovinos de elevado padrão genético.

Entrevista
Clayton Campanhola: Avanço na informação

O agrônomo Clayton Campanhola assumiu o cargo de diretor-presidente da Embrapa com o objetivo de manter o desempenho tecnológico da empresa e estender o conhecimento acumulado ao longo desses 30 anos para os agricultores mais pobres. Ele é pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna (SP), desde 1985, unidade que chefiou entre 1990 e 1998. Campanhola fala a seguir sobre esse desafio.

Como o senhor analisa o desempenho da Embrapa nesses 30 anos?
Desde a sua criação, a Embrapa preocupou-se muito com a questão da produtividade e oferta de alimentos. Existia na época a idéia de que haveria um crescimento muito grande da população e iria faltar alimentos. Outra preocupação era diminuir os desequilíbrios regionais. Ela promoveu a pesquisa e, obviamente não sozinha, cumpriu bem esse papel, principalmente até o início da década de 90. Nos primeiros 20 anos, a Embrapa deu o resultado esperado. Nós tivemos grandes avanços de produtividade, exploração de novas áreas e fronteiras.

E a partir dos anos de 1990, o que aconteceu?
O crédito começou a ficar escasso, inclusive na época do governo Collor nós tivemos o crédito a juros de mercado para a agricultura, dificultando os investimentos. Então, nós tivemos escassez de crédito e de demanda de tecnologia. Veio a liberação de mercados e quedas importantes na produção do algodão e do trigo. Isso desestruturou um pouco a pesquisa em alguns produtos. Tudo isso fez com que a Embrapa tivesse de buscar alternativas, inclusive de captação de recursos. Para isso firmou contratos com a iniciativa privada, como para a produção de sementes, que ela repassa e recebe royalties. Além disso, ela arrecada com prestação de serviços, análises laboratoriais, além de também competir na captação de recursos públicos, inclusive na FAPESP.

Quais os desafios neste novo governo?
O que estamos nos propondo é trabalhar com agricultores familiares, principalmente aqueles que têm dificuldade de acesso à tecnologia. Vamos trabalhar com os conceitos de território, que é mais de um município, onde a Embrapa seria um dos agentes de desenvolvimento, não só de pesquisa. Em um território de regiões muito pobres, o problema não é só tecnologia, falta tudo.

Na prática muda o enfoque de trabalho da empresa ou apenas amplia?
Nós temos de manter o desenvolvimento de tecnologia para grande produtores, para as commodities e para agricultores familiares integrados ao mercado. Queremos atingir os agricultores que, muitas vezes, não têm produção nem para subsistência. Só no Rio Grande do Sul, por exemplo, existem mais de 300 mil grupos de agricultores familiares abaixo da linha de pobreza. Esse pessoal não aparece, não tem poder de organização nenhum.

Como a tecnologia será levada a esses agricultores?
Nós queremos estimular pesquisadores que têm o perfil e a disposição para trabalhar com agricultura familiar. Em vez de gerar tecnologia e transferir, vamos começar o trabalho discutindo com os agricultores, fazer o diagnóstico junto com eles.

Como a Embrapa vai participar do Programa Fome Zero?
Principalmente, para atender regiões onde não há oferta de alimentos. Nossa proposta é estimular a produção local de alimentos. E a agricultura familiar é mais propensa a esse processo, porque trabalha com áreas menores, facilitando a produção para a comunidade local. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está disposto a colocar US$ 1milhão para iniciarmos esse trabalho.

Como a empresa vai se portar frente ao polêmico assunto dos organismos transgênicos?
O papel da Embrapa é, dentro do princípio da precaução, gerar informações. Como é que se geram essas informações sobre o impacto ambiental, impacto à saúde? Primeiro, é preciso ter métodos e protocolos. Existe um projeto aprovado na gestão anterior sobre biossegurança, que visa analisar os organismos transgênicos com os quais a Embrapa está trabalhando e fazer estudos para ver, por exemplo, o risco de polinização cruzada, etc. Nós estamos num país tropical, onde há uma grande biodiversidade, precisamos tomar muito cuidado, porque a situação é diferente de outros países.

E a questão da agricultura orgânica?
A Embrapa demorou muito a entrar nessa área. Esse é um segmento que cresce muito no Brasil, a taxas de 30% ao ano desde 1999. Nós estamos propondo que sejam intensificadas as pesquisas com cultura orgânica. Existe o aspecto ambiental por trás, mas existe também o diferencial de renda. O alimento orgânico vale mais.

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Da biodiversidade aos transgênicos

A diversidade genética animal e vegetal de importância socioeconômica tem um endereço certo no Brasil. É a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o antigo Cenargen, localizada ao lado da sede da empresa, em Brasília. Constituída em 1974, ela foi uma das primeiras unidades da Embrapa. Inicialmente, o centro se especializou na coleta e na guarda de material genético de espécies que podem servir para programas de melhoramento genético, como na produção de novas variedades ou raças, e na manutenção da rica diversidade biológica para as populações futuras. São sementes, amostras de DNA, sêmen e embriões. Guardados em câmaras frias, in vitro nos laboratórios ou no campo estão mais de 83 mil espécimes vegetais. Eles representam 690 espécies, que incluem a soja, por exemplo, e plantas silvestres e medicinais, como ipeca e jaborandi. Recentemente, índios craôs, do Tocantins, recuperaram variedades de milho usadas pelos seus antepassados, que foram coletadas por pesquisadores da Embrapa na década de 1970.

Na área animal, a Embrapa preserva, em fazendas especiais, 33 raças, das quais existem poucos exemplares no país. Assim, entre os bovinos estão o mocho nacional e o pantaneiro. O Pantanal também é o ambiente onde se preserva uma raça de cavalos. No Nordeste, existem núcleos onde são preservados o jegue e a cabra azul. No Rio Grande do Sul, estão a ovelha crioula lanada e, no Norte, na Ilha de Marajó (PA), duas raras raças de búfalos, a carabao e a baio.

Além da caracterização do material coletado, a Embrapa Recursos Genéticos faz o trabalho de identificação de doenças e controle do material vegetal que entra ou sai do país, seja com propósitos comerciais, seja de pesquisa. No ano passado, por exemplo, os pesquisadores detectaram um fungo presente em amostras de trigo importado da Rússia. Somente depois de ele ser eliminado com fungicida, o trigo pôde ser descarregado dos navios.

Em meados da década de 1980, os pesquisadores passaram a adotar técnicas de biologia molecular. “Começamos a identificar marcadores nas moléculas das plantas e aceleramos o processo de melhoramento das variedades, facilitando a identificação de genes de interesse”, conta Luiz Antônio Barreto de Castro, chefe da unidade.

O próximo passo foi o início do trabalho com plantas transgênicas, ainda de forma experimental, em 1986. Hoje, a Embrapa espera a definição do uso dessas plantas no Brasil com três novos produtos. Um mamão resistente ao vírus que provoca a mancha anelar, uma batata também resistente a um vírus que provoca deformações e reduz o número de tubérculos e um feijão que se torna imune ao mosaico dourado, outra doença virótica. “Introduzimos um gene de cada vírus no DNA de cada planta. Esse gene expressa a proteína replicase, que funciona para a reprodução do microrganismo. Quando o vírus vai ao ataque, ele ‘acha’ que a planta já tem a proteína e não secreta essa substância e, portanto, não se multiplica”, explica o pesquisador Francisco Aragão. As plantas estão passando por testes de acordo com normas da Comissão Técnica Nacional de biossegurança (CTNBio). Outra conquista da Biotecnologia foi uma vaca, que recebeu o nome de Vitória, clonada pela técnica de transferência nuclear. Vitória é o primeiro passo para a multiplicação de bovinos de elevado padrão genético.

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