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CEPIDs

Pobreza Desvendada

Centro de Estudos mapeia áreas para implementação de políticas públicas

MIGUEL BOYAYANCerca de 45% dos casos de pneumonia infantil ocorrem em favelas ou em áreas próximasMIGUEL BOYAYAN

A cidade de São Paulo tem 2.018 favelas, com um total de 1,16 milhão de habitantes vivendo em condições precárias de saneamento e habitação. Nessas regiões, ou num raio de 200 metros delas, vivem cerca de 45% das crianças internadas com diagnóstico de pneumonia infantil nos hospitais conveniados do Sistema Único de Saúde (SUS). As áreas mais carentes também concentram a maior parte dos idosos que recebem renda mensal vitalícia — a aposentadoria paga às pessoas com mais de 65 anos que nunca contribuíram para a Previdência Social —, assim como aqueles que recebem pensão por deficiência física.

E, apesar do aparente equilíbrio estatístico entre a oferta e demanda de vagas na rede escolar do município, ali ainda há crianças fora da escola. A Secretaria de Assistência Social (SAS) da Prefeitura de São Paulo já tem como identificar esses enclaves de pobreza por meio do Mapa da Vulnerabilidade Social e do Déficit de Atenção a Crianças e Adolescentes no Município de São Paulo, elaborado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP. “O mapa será uma ferramenta estratégica para a implementação de políticas públicas mais eficientes e dirigidas”, afirma Argelina Cheibub Figueiredo, diretora do CEM.

Níveis de privação
O mapeamento da pobreza, numa cidade com mais de 10 milhões de habitantes, é uma tarefa complicada: exige a consolidação, atualização, digitalização e cruzamento de informações dispersas em distintas bases de dados. O mapeamento do perímetro das favelas e a estimativa da população residente, por exemplo, foram feitos a partir da análise de 8.500 fotos aéreas e de 800 inspeções físicas realizadas pelos pesquisadores do CEM e da Secretaria Municipal da Habitação. A identificação das áreas com maior incidência de pneumonia infantil, do local de residência dos que recebem renda mensal vitalícia e pensão por invalidez, assim como a territorialização das vagas nas escolas, foi possível a partir da análise de dados dos mais de 13 mil setores censitários identificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, de estatísticas das secretarias municipais da Habitação, Saúde e Serviço Social e de informações sobre logradouros públicos. A análise georeferenciada permitiu avaliar os resultados estatísticos em pequenas áreas, habitadas em média por 200 famílias. “A SAS queria que gerássemos informações geográficas que permitissem a localização dessas pessoas”, diz Haroldo da Gama Torres, coordenador do Núcleo de Geoprocessamento e Informática do CEM.

A partir da desagregação dos dados para o conjunto das áreas do município, os pesquisadores puderam classificar a população a partir da sua distribuição socioeconômica no espaço urbano, levando em conta 11 variáveis, como renda, escolaridade do chefe de domicílio, presença de crianças e jovens na família, entre outros. A população foi classificada, de acordo com esses indicadores, em oito grupos. O primeiro deles engloba 6,3% da população sem nenhuma privação: tem as melhores condições de renda e escolaridade no município, registra baixa presença de crianças de 0 a 4 anos e adolescentes e está fortemente concentrado na região sudoeste da cidade. Mas quase a metade da população de São Paulo (48%) estão distribuídos entre os três grupos qualificados de baixa, média baixa e média privação. São famílias mais idosas, têm baixa presença de crianças e jovens e a maioria dos chefes de família tem, pelo menos, ensino fundamental. Concentram-se ao redor da região sudoeste e na Zona Leste da cidade. No extremo oposto ao primeiro grupo, vivendo em situação de altíssima privação, estão 3,8% dos habitantes de São Paulo. Representam algo em torno de 420 mil famílias, vivendo na periferia da cidade, em famílias com alta concentração de crianças entre 0 e 4 anos e de jovens de 15 a 19 anos, e péssimos indicadores de escolaridade — 18% dos chefes de família não são alfabetizados — e de renda — 76% dos responsáveis por domicílio ganham até dois salários mínimos. Os demais 41,9% da população está distribuída num gradiente em torno do 1º e 8º grupos. A identificação dos grupos mais vulneráveis na cidade de São Paulo faz parte dos primeiros resultados da pesquisa que está sendo realizada para a SAS. O próximo passo será localizar os 420 domicílios com famílias superpobres, adianta Torres.

Metropolização de São Paulo
O CEM foi instalado com o objetivo de analisar a recente consolidação do processo de metropolização de São Paulo. O Mapa da Vulnerabilidade Social está no escopo de uma das metas: construir uma base georeferenciada de dados, integrando informações de diversas fontes. Nessa perspectiva, os pesquisadores do CEM já recuperaram, por exemplo, a base de dados da Empresa Metropolitana de Planejamento S.A. (Emplasa) e permutaram essas informações com as prefeituras municipais da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), por meio de convênios. “Já prestamos serviços à prefeitura de Mauá, Guarulhos e Embu”, conta Argelina. No final do ano passado, o CEM lançou um CD-ROM com cartografia digital, dados dos censos do IBGE de 1991 e 2002, e a Contagem Populacional de 1996 para 21 municípios da RMSP (veja Pesquisa FAPESP edição 80). A digitalização dos dados foi realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), parceira do CEM. E, agora, o Centro está iniciando entendimentos com a Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), que poderá garantir a participação do CEM num projeto de revitalização do centro da cidade de São Paulo.

O CEM é formado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fundação Seade, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e pela Escola de Comunicação e Artes, ambas da USP. Além da base georeferenciada de dados, o Centro desenvolve dez projetos de pesquisa nas áreas de política e política pública, cultura, sociabilidade e religião e urbanismo. Estão em curso projetos sobre as configurações familiares na Grande São Paulo; novas formas do emprego na RMSP e mobilidade ocupacional da metrópole; análise do padrão de distribuição de votos nos diferentes níveis de representação; conflitos ambientais na metrópole, entre outros. Na área de sociabilidade e religião, por exemplo, os pesquisadores estão mapeando todos os locaisde culto na cidade de São Paulo. “Os evangélicos têm forte atuação na periferia. Poderemos associar padrão religioso com padrão eleitoral e associativo”, diz Torres.

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