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astrofísica

Perdidas no espaço

Brasileiros descobrem quatro berçários de estrelas fora das galáxias

Num recanto do Universo onde não se julgava haver nada, uma equipe de astrofísicos do Brasil e da França identificou quatro novos berçários de estrelas quentes e jovens, com idades entre 3,2 milhões e 5,6 milhões de anos. Ricas em metais e compostas de hidrogênio carregado de partículas elétricas, essas regiões se localizam em pontos aparentemente vazios do espaço intergaláctico existente nas redondezas de um compacto grupo de cinco galáxias, conhecido como Quinteto de Stephan, distante 280 milhões de anos-luz da Terra.

Um ano-luz equivale ao espaço percorrido pela luz em um ano, algo como 10 trilhões de quilômetros. Os berçários se encontram na cauda de gás de uma das galáxias do Quinteto de Stephan, a NGC 7319, mas se situam a cerca de 70 mil anos-luz de seus braços espirais, onde normalmente ocorre a formação estelar. Isso quer dizer que as novas regiões estão literalmente fora das galáxias. Suas dezenas ou talvez centenas de estrelas estão, portanto, “soltas” no Cosmos, fora do seu lugar cativo, como se fossem órfãs ou eremitas do espaço. São estrelas sem galáxias. Perto do tamanho de uma galáxia, que pode conter bilhões de estrelas, como a Via Láctea, os novos berçários são um ponto imperceptível no Universo.

A descoberta de regiões H II, nome técnico dado aos locais em que se originam estrelas novas, em zonas externas às galáxias, é extremamente rara e recente. “Até dois anos atrás, os astrônomos acreditavam que a formação de estrelas, em especial das mais jovens, só ocorria dentro das galáxias”, diz a pesquisadora brasileira Claudia Mendes de Oliveira, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), uma das autoras da descoberta dos berçários, relatada num artigo científico publicado na edição de 10 de abril do The Astrophysical Journal .

“Somente no interior delas haveria densidade de gás alta o bastante para isso acontecer.” No meio intergaláctico, a densidade de gás seria baixa demais para levar à formação de estrelas. Seria, mas não é – a julgar pelo trabalho redigido pela equipe franco-brasileira e por outros artigos científicos recentes.A identificação de quatro berçários de estrelas jovens e quentes nos arredores do Quinteto de Stephan – obtida com a utilização de instrumentos instalados no Observatório Gemini Norte, no Havaí – representaa segunda evidência de peso a favor da ideia de que existem, sim, regiões H II fora das galáxias.

A primeira surgiu em 2002, quando um grupo de pesquisadores da Europa, Austrália e Japão descobriu uma solitária região H II nas proximidades da constelação de Virgem. Depois da publicação desses trabalhos pioneiros, dois outros grupos internacionais encontraram mais seis berçários de estrelas fora de galáxias. Pelo jeito, há mais grupos de jovens estrelas órfãs vagando pelo espaço intergaláctico do que qualquer astrofísico um dia imaginou.

“A presença de regiões H II fora de galáxias não é tão rara como pensávamos até agora”, afirma Laerte Sodré Junior, também do IAG-USP, outro autor da descoberta dos berçários junto ao Quinteto de Stephan. “Na verdade, estamos diante de um novo mecanismo de formação de estrelas.” Ainda assinam o artigo no The Astrophysical Journal o brasileiro Eduardo Cypriano, que hoje mora no Chile, e a francesa Chantal Balkowski, do Observatório de Paris. As pesquisas da equipe contam com financiamento da FAPESP e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex).

Encontrar regiões H II no meio do nada ainda não é prova cabal de que há formação de estrelas jovens nesse trecho do espaço, fora das galáxias. As estrelas podem hoje estar ali, mas isso não significa que sempre estiveram. Seu local de nascimento pode ter sido o interior de uma galáxia próxima e, mais tarde, por algum motivo, provavelmente colisões entre galáxias, essas estrelas podem ter sido expelidas para o meio intergaláctico. Seria uma situação análoga à de um brasileiro que, por algum motivo, deixa seu país e se muda para os Estados Unidos.

Isso não o torna norte-americano. No máximo, ele está norte-americano. No caso dos quatro berçários de estrelas identificados nos arredores do Quinteto de Stephan, os astrofísicos contam com uma evidência para defender a hipótese de que essas regiões H II devem ter se originado exatamente no lugar onde atualmente se encontram: sua extrema juventude em termos astronômicos.

Os quatro berçários de estrelas são considerados excessivamente jovens para terem surgido num ponto do Universo (o interior de uma ou mais galáxias vizinhas) e depois migrado para outro (o meio intergaláctico). Esse tipo de deslocamento demanda mais tempo para ocorrer do que a idade média atribuída às novas regiões H II, 4,6 milhões de anos. Logo, os berçários devem ter nascido onde estão hoje.

O cenário parecia perfeito a não ser por um detalhe. Como os pesquisadores explicariam a alta metalicidade medida nessas estrelas jovens que se formaram fora das galáxias, paradoxalmente num ambiente quase desprovido desse tipo de elementos químicos? Afinal, a quantidade de metais presentes nas novas regiões H II é da mesma ordem da encontrada no interior de galáxias e estrelas, como o Sol. “A verdade é que ainda não temos uma boa resposta para essa pergunta”, admite Claudia. “Mas propomos um cenário para dar conta dessa situação.”

Para os astrofísicos, as regiões H II se originaram no quase vazio do meio intergaláctico a partir de material já reciclado e enriquecido com metais que, cerca de 100 milhões de anos atrás, havia sido ejetado do interior do Quinteto de Stephan devido a colisões entre as suas galáxias. Seu elemento constituinte, portanto, não foi apenas o gás primordial do meio intergaláctico, pouco denso e pobre de metais. Foi sobretudo o material mais pesado e metálico que se soltou das galáxias vizinhas.

Os cientistas suspeitam de que os berçários de estrelas estejam associados a nuvens de gás frio (hidrogênio neutro) que se desprenderam do Quinteto de Stephan e hoje se encontram na cauda da galáxia NGC 7319. Devido a alguma instabilidade mais recente, ocorrida há poucos milhões de anos, essas nuvens de gás deram origem às regiões H II no meio intergaláctico. “A existência dessas regiões representa um mecanismo de enriquecimento e transferência de metais das galáxias para o meio intergaláctico”, afirma Sodré Junior. Agora que descobriram a existência de berçários estelares no vazio do Universo, os pesquisadores vão ter de acompanhar a evolução dessas inusitadas formações. Eles acham que essas estrelas soltas no espaço podem, um dia, originar um dos eventos mais energéticos do Cosmos: explosões que geram supernovas, estrelas capazes de, temporariamente, brilhar mais do que uma galáxia inteira.

O Projeto
Evolução de Galáxias em Grupos e Aglomerados; Modalidade Projeto Temático; Coordenadores Laerte Sodré Junior e Claudia Mendes de Oliveira; Investimento R$ 207.588,40

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