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Entrevista

Antonio Carlos Rossini Jr.: Aposta em ambientes conectados

Engenheiro fala sobre a expansão da internet das coisas no país e a trajetória de uma das primeiras startups brasileiras com foco nesse ecossistema

Para o cofundador da Nexxto, deficiências na rede de telecomunicações são um obstáculo para IoT no Brasil

Léo Ramos Chaves

A internet das coisas (IoT) ainda engatinhava no Brasil no fim da década passada quando três engenheiros recém-formados juntaram forças para montar uma startup voltada a monitorar objetos a distância, como equipamentos de informática em datacenters, com o uso da tecnologia de identificação por radiofrequência RFID (do inglês radio frequency identification). “Essa foi uma das primeiras tecnologias a compor o ecossistema da IoT”, diz o engenheiro de telecomunicações Antonio Carlos Rossini Jr., um dos fundadores da RFIdeas, em 2010.

A trajetória da empresa foi meteórica. Nos primeiros anos, teve apoio de uma incubadora paulista, foi contemplada com recursos de um programa da FAPESP para pequenas empresas inovadoras e recebeu um aporte milionário de um fundo de estímulo a startups, o Fundo de Inovação Paulista. Em 2015, os empreendedores investiram em uma nova solução baseada em IoT para controlar remotamente a qualidade de alimentos, medicamentos e ambientes. Hoje, 1.500 desses sensores estão em operação.

Na entrevista a seguir, Rossini, de 34 anos, que complementou sua formação com especializações em finanças e marketing, fala sobre os desafios da IoT no Brasil e conta como a aposta em inovação definiu os rumos da startup, que acabou adotando a marca Nexxto, inspirada na expressão next to your things.

Como você vê a expansão da internet das coisas no Brasil?
Além de grandes empresas, diversas startups estão surgindo para atuar em IoT. Há boas oportunidades na indústria 4.0, na agricultura 4.0, em edifícios inteligentes, entre outros setores. Muitas aplicações podem ser criadas com uso de sensoriamento e inteligência em redes locais. Já a expansão para redes regionais ou nacionais é um desafio. Para essas aplicações, que exigem maior amplitude de conectividade, o calcanhar de aquiles é a infraestrutura de telecomunicações. Nas grandes cidades, a cobertura de celular funciona bem, mas basta se afastar um pouco para que o sinal fique intermitente ou suma. Se pensarmos em aplicações de IoT no campo ou que exijam mobilidade, como monitorar um caminhão em tempo real, temos problemas. Para isso, precisamos de uma rede de comunicação com maior cobertura, mais robusta e confiável.

Criada em 2010, a empresa tem 250 mil itens monitorados pelas soluções Artis e Ativis, além de 1.500 sensores ativos da plataforma de IoT Nexxto

Este é o único obstáculo?
Não. Outro gargalo é a padronização da conectividade que permite que os aparelhos – as tais “coisas” – se comuniquem entre si. A tecnologia de comunicação sem fio conhecida por Wi-Fi é tão difundida porque se definiu um padrão. Celulares e computadores conversam na mesma língua do Wi-Fi, o padrão IEEE 802.11. Hoje, várias tecnologias de comunicação sem fio, entre elas LoRa, SigFox e NBIoT, disputam qual vai ser o padrão da IoT. Sem essa definição, a difusão da IoT fica limitada, pois elementos de rede de diferentes fabricantes, como sensores, roteadores e repetidores, nem sempre se comunicam entre si. Um terceiro obstáculo é o custo dos componentes de hardware. O preço vai baixar quando tivermos escala, mas para ter escala é preciso vender mais. Como resolvemos isso na Nexxto? Projetamos nossos hardwares para serem simples, robustos e de baixo custo.

O que exatamente a Nexxto faz?
Quando foi criada, em 2010, pouca gente conhecia o conceito de IoT. A empresa nasceu para atuar com a tecnologia de etiquetas eletrônicas de identificação por radiofrequência, RFID. Nosso nome original era RFIdeas. As etiquetas são pequenos sensores que, ao serem instalados em computadores, máquinas diversas e outros objetos de alto valor, fazem seu monitoramento. Essa solução, batizada de Artis, previne furtos e confere ganhos de eficiência acima de 80% em processos de gestão de ativos, segundo nossos clientes.

Naquela época, o Brasil tinha empresas que ofereciam a tecnologia RFID?
Sim, existiam companhias que criavam projetos para atender a demandas específicas dos clientes. Adotamos outra estratégia, a de criar produtos de prateleira para resolver necessidades claras do mercado. Descobrimos uma demanda grande para rastrear objetos em datacenters, como servidores, storages [armazenadores de memória] e switches [equipamentos de rede para redirecionar informações]. Não é fácil controlar tudo isso com planilhas e processos manuais. Há risco financeiro e de segurança, já que os aparelhos estão sujeitos a extravio. Mas o maior problema é perder as informações que carregam. Um dos nossos clientes na Califórnia concentra em seus servidores 70% de todo o tráfego da internet. Imagine se um de seus equipamentos é extraviado. Por isso, criamos um plano de negócio focado no uso da tecnologia RFID para rastreamento de ativos de datacenters.

Você montou a RFIdeas sozinho?
Não, ela foi criada com um colega que estudou comigo na Poli [Escola Politécnica da Universidade de São Paulo], o engenheiro de sistemas eletrônicos Lucas Almeida. Desde a graduação a gente pensava em empreender. Depois que concluímos o plano de negócio, no fim de 2010, fomos incubados no Cietec [Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia, incubadora instalada na Cidade Universitária]. Lá conhecemos o Pipe [Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas], da FAPESP. Inscrevemos um projeto para construir um protótipo do Artis e fomos aprovados. Como nem eu nem o Lucas sabíamos como desenvolver softwares profissionalmente, convidamos um colega do Lucas, o engenheiro eletricista Matheus Costa, formado na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] para ser nosso sócio. E ele topou.

Quanto foi investido no empreendimento?
No primeiro ano, sobrevivemos com recursos próprios, mas ao sermos escolhidos para a primeira fase do Pipe recebemos R$ 125 mil. Com esse dinheiro, contratamos um bolsista e compramos o material para construir a versão zero do Artis. Em 2012, conseguimos nosso primeiro cliente, a Alog Datacenters, adquirida naquele mesmo ano pela líder global desse setor, a norte-americana Equinix. Pouco tempo depois, fomos aprovados na segunda fase do Pipe e recebemos R$ 500 mil para continuar desenvolvendo a solução de RFID.

Como se deu a mudança do nome da empresa para Nexxto?
Em 2013, participamos de uma competição da Fundação Getulio Vargas com mais de mil startups. Ficamos em segundo lugar e fomos escolhidos como a melhor empresa de tecnologia. Os ganhadores do prêmio recebiam horas de consultoria com a SP Ventures, gestora do Fundo de Inovação Paulista, com o objetivo de preparar as startups para receber investimentos. No início de 2014, visitamos o Vale do Silício, na Califórnia, para aprender mais sobre empreendedorismo e conhecer o ecossistema de IoT. Ao voltar de lá, pensamos: se já tínhamos tido sucesso com uma solução de rastreamento de ativos, por que não criar uma plataforma de sensoriamento para monitorar a distância qualquer tipo de variável? Nossa conversa com a SP Ventures evoluiu e no início de 2015 recebemos R$ 3 milhões do Fundo de Inovação Paulista. Com esse dinheiro, demos continuidade ao negócio na área de RFID e diversificamos nosso portfólio, construindo a plataforma Nexxto. Para desvincular a imagem da empresa da tecnologia RFID, alteramos seu nome para Nexxto, cuja inspiração é next to your things – ou perto de suas coisas.

O que é a plataforma Nexxto?
É uma solução de IoT voltada ao sensoriamento remoto em tempo real. Por meio de pequenos sensores, menores do que uma caixa de fósforos, que funcionam com bateria e se comunicam sem fio, coletamos diversas informações do ambiente, como temperatura, umidade e abertura e fechamento de portas. Após processar esses dados, geramos informações para os clientes a fim de aumentar a qualidade de sua operação, reduzir o desperdício e automatizar rotinas. Realizamos um investimento intensivo em P&D [pesquisa e desenvolvimento] para ter essa solução de IoT.

Nexxto Sensores Nexxto: monitoramento de temperatura e umidade para controle de qualidade de alimentosNexxto

Onde essa tecnologia é aplicada?
Em três segmentos principais. No alimentício, a Nexxto monitora alimentos em geladeiras, câmaras frias e balcões refrigerados de indústrias, empresas de distribuição, supermercados e restaurantes. Na saúde, faz o monitoramento de medicamentos e vacinas que precisam ser guardados sob refrigeração, e no segmento de facilities é usado para monitorar ambientes críticos. Algumas empresas têm salas técnicas com equipamentos caros e que geram muito calor. Caso a temperatura do ar-condicionado não esteja adequada, eles podem apresentar falhas.

Qual é o tamanho da Nexxto?
Em 2017, nosso faturamento cresceu 40% e ficou na faixa de até R$ 5 milhões –
prefiro não abrir o valor exato. Este ano, devemos faturar entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões. Além da Artis, voltada a aparelhos de datacenters, temos outra solução de RFID, a Ativis, com foco em gestão de ativos em geral. As duas respondem por 60% da receita, enquanto a plataforma Nexxto gera 40%. Temos mais de 50 clientes, entre eles o portal UOL, a empresa Danone, a rede de farmácias Raia Drogasil, o banco Rabobank e a B3 [antiga Bolsa de Valores de São Paulo]. No exterior, fornecemos a solução Artis para a Agência Nacional de Telecomunicações do Uruguai, e há uma perspectiva de implantar essa tecnologia para todos os datacenters da Equinix no mundo. Recentemente uma empresa espanhola nos procurou querendo representar a plataforma Nexxto na Europa.

Qual a importância da inovação na trajetória da Nexxto?
Usamos o estado da arte em nossas tecnologias e nos baseamos nas principais metodologias e referências mundiais quando vamos construir hardwares e softwares e projetar a usabilidade de nossas soluções. Nossos produtos são inovadores para aquilo que se propõem. Automatizamos processos que os clientes faziam manualmente e conseguimos diminuir extravios de equipamentos e perdas de mercadorias.

Como está estruturado o setor de P&D da empresa?
Alocamos 30% de nossos recursos em P&D. Temos seis colaboradores dedicados a essa área, quatro deles com mestrado e doutorado. São pesquisadores formados em ciência da computação e em engenharia de telecomunicações, de computação e de sistemas eletrônicos. Somos uma empresa pequena, com 15 pessoas, e devemos chegar a mais de 20 até o fim do ano. Essa é uma característica dos negócios de tecnologia. Quando você desenvolve um produto com alto valor agregado, que funciona bem, não é preciso ter muita gente na equipe. O mais importante é contar com profissionais capacitados.

O que vocês projetam para o futuro?
Hoje, temos mais de 250 mil itens monitorados em tempo real pelas soluções Artis e Ativis, além de 1.500 sensores ativos da plataforma Nexxto. Essa solução é um produto vivo que, para evoluir, precisa incorporar inovações que atendam às necessidades dos clientes e do mercado. Temos em nosso roteiro de desenvolvimento novos sensores para monitorar outras variáveis e estamos sempre implementando novas funcionalidades. Queremos ampliar o mercado em que atuamos e entrar em outros segmentos.

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