Reflexões sobre as ambiguidades do processo de modernização do Brasil foram centrais no percurso intelectual do sociólogo Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Formado em ciências sociais em 1956 pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Chico de Oliveira, como era conhecido, trabalhou com o economista Celso Furtado (1920-2004) na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) entre 1959 e 1964. Com o golpe militar, exilou-se por três anos na Guatemala e no México. De volta ao Brasil, em 1970 foi convidado para atuar no recém-criado Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde permaneceu até 1995. Nascido em Recife, Oliveira morreu no dia 10 de julho, aos 85 anos, em São Paulo.
Foi no Cebrap que o sociólogo desenvolveu um de seus trabalhos mais conhecidos, o ensaio “A economia brasileira: Crítica à razão dualista”, publicado em 1972 no segundo número da revista Estudos Cebrap. Ruy Braga, chefe do Departamento de Sociologia da FFLCH, explica que o texto sustenta a ideia de que, no Brasil, o crescimento econômico não deveria ser encarado como uma revolução burguesa, mas como uma “progressão das contradições”. Conforme o texto, tal característica seria típica de sociedades da periferia do sistema capitalista, nas quais aspectos modernos e arcaicos coexistem. “A produção teórica de Oliveira ofereceu reflexões originais sobre o processo de modernização do país ao estabelecer diálogos entre as ciências sociais e a economia política”, avalia Leonardo Mello e Silva, também do Departamento de Sociologia da FFLCH e que foi orientado pelo sociólogo no doutorado.
Em 1980, Oliveira passou a lecionar economia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, em 1988, tornou-se docente do Departamento de Sociologia da USP. Em 1992, recebeu o título de doutor na FFLCH por notório saber e, em 2008, o de professor emérito. “Nesse momento, ele passou a desenvolver reflexões sobre o significado dos direitos e do espaço público em uma sociedade como a brasileira: desigual, violenta e com traços de uma modernidade imperfeita”, observa Mello e Silva. Nos anos 1990, Oliveira trabalhou no projeto de pesquisa “Os cavaleiros do anti-Apocalipse” para investigar a câmara setorial do setor automotivo, colocando em paralelo a questão dos direitos coletivos, a economia política da globalização e a sociologia do trabalho. “O estudo é considerado um marco nas análises sobre as relações de trabalho no Brasil”, diz.
Em 1995, o pesquisador participou da criação do Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania (Nedic) – hoje Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic), na USP. “Desde então, seus ensaios se encaminharam para o que ele designou como a ‘dialética negativa’ do desenvolvimento em um país periférico, ideia central do texto ‘O ornitorrinco’, de 2003”, conta Mello e Silva. Considerado como a atualização das ideias presentes em “A economia brasileira: Crítica à razão dualista”, o ensaio faz um paralelo entre o animal – ao mesmo tempo réptil, pássaro e mamífero – e o Brasil, país que, para Oliveira, também estava preso em um impasse evolutivo e cujo sistema capitalista se desenvolve reproduzindo desigualdades históricas, conjugando modernidade e atraso. “Oliveira dizia que, no país, o atraso é uma opção política, mais do que uma fatalidade estrutural”, conclui Mello e Silva.
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