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Obituário

Paradoxos do progresso

A análise das contradições do desenvolvimento capitalista marcou a trajetória do sociólogo Francisco de Oliveira

Oliveira durante palestra em 2009: diálogo entre as ciências sociais e a economia política

Damião A. Francisco / wikimedia commons

Reflexões sobre as ambiguidades do processo de modernização do Brasil foram centrais no percurso intelectual do sociólogo Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Formado em ciências sociais em 1956 pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Chico de Oliveira, como era conhecido, trabalhou com o economista Celso Furtado (1920-2004) na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) entre 1959 e 1964. Com o golpe militar, exilou-se por três anos na Guatemala e no México. De volta ao Brasil, em 1970 foi convidado para atuar no recém-criado Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde permaneceu até 1995. Nascido em Recife, Oliveira morreu no dia 10 de julho, aos 85 anos, em São Paulo.

Foi no Cebrap que o sociólogo desenvolveu um de seus trabalhos mais conhecidos, o ensaio “A economia brasileira: Crítica à razão dualista”, publicado em 1972 no segundo número da revista Estudos Cebrap. Ruy Braga, chefe do Departamento de Sociologia da FFLCH, explica que o texto sustenta a ideia de que, no Brasil, o crescimento econômico não deveria ser encarado como uma revolução burguesa, mas como uma “progressão das contradições”. Conforme o texto, tal característica seria típica de sociedades da periferia do sistema capitalista, nas quais aspectos modernos e arcaicos coexistem. “A produção teórica de Oliveira ofereceu reflexões originais sobre o processo de modernização do país ao estabelecer diálogos entre as ciências sociais e a economia política”, avalia Leonardo Mello e Silva, também do Departamento de Sociologia da FFLCH e que foi orientado pelo sociólogo no doutorado.

Em 1980, Oliveira passou a lecionar economia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, em 1988, tornou-se docente do Departamento de Sociologia da USP. Em 1992, recebeu o título de doutor na FFLCH por notório saber e, em 2008, o de professor emérito. “Nesse momento, ele passou a desenvolver reflexões sobre o significado dos direitos e do espaço público em uma sociedade como a brasileira: desigual, violenta e com traços de uma modernidade imperfeita”, observa Mello e Silva. Nos anos 1990, Oliveira trabalhou no projeto de pesquisa “Os cavaleiros do anti-Apocalipse” para investigar a câmara setorial do setor automotivo, colocando em paralelo a questão dos direitos coletivos, a economia política da globalização e a sociologia do trabalho. “O estudo é considerado um marco nas análises sobre as relações de trabalho no Brasil”, diz.

Em 1995, o pesquisador participou da criação do Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania (Nedic) – hoje Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic), na USP. “Desde então, seus ensaios se encaminharam para o que ele designou como a ‘dialética negativa’ do desenvolvimento em um país periférico, ideia central do texto ‘O ornitorrinco’, de 2003”, conta Mello e Silva. Considerado como a atualização das ideias presentes em “A economia brasileira: Crítica à razão dualista”, o ensaio faz um paralelo entre o animal – ao mesmo tempo réptil, pássaro e mamífero – e o Brasil, país que, para Oliveira, também estava preso em um impasse evolutivo e cujo sistema capitalista se desenvolve reproduzindo desigualdades históricas, conjugando modernidade e atraso. “Oliveira dizia que, no país, o atraso é uma opção política, mais do que uma fatalidade estrutural”, conclui Mello e Silva.

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