De fala mansa, o mineiro Magno Antonio Patto Ramalho conta que a escolha da profissão, feita por falta de opção, foi a decisão mais acertada da sua vida. “Hoje estou cada vez mais convicto de que aprendemos a gostar das coisas”, diz o professor do curso de agronomia da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, especializado em genética e melhoramento de plantas. Filho de pai ferroviário, constantemente transferido de cidade, Magno queria ser engenheiro civil, para construir ferrovias e ser um profissional bem-sucedido. Aos 15 anos, depois de várias mudanças, voltou para Ribeirão Vermelho, cidade ao sul de Minas onde nasceu, com cerca de 4 mil habitantes. Após terminar o colegial em Lavras, município vizinho, decidiu estudar agronomia ali mesmo, já que não tinha como se manter em Belo Horizonte para cursar engenharia civil.
O caminho profissional de Magno Ramalho, hoje com 59 anos, casado e pai de dois filhos adultos, começou a ser traçado em 1968, quando estava no segundo ano da faculdade. “O professor de genética me disse que estava indo embora e que eu ficaria no lugar dele”, conta. Alguns anos depois isso efetivamente ocorreu. Logo após a formatura foi contratado em 1971 como auxiliar de ensino e começou a dar aulas, inicialmente de estatística. O professor de apenas 22 anos teve como primeiro desafio encarar uma turma com 180 estudantes. Naquela época, eram poucos professores para muitos alunos. Em pouco tempo realizou a profecia do antigo professor e começou a dar aulas de genética na universidade. Passados 36 anos, Magno Ramalho já participou da formação de mais de 4 mil agrônomos. Em 1972, um ano após ser contratado pela universidade mineira, mudou-se para Piracicaba, no interior de São Paulo, para fazer o mestrado em agronomia genética e melhoramento de plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, onde também fez o doutorado.
Ainda na graduação viu despertado seu interesse pela cultura do feijoeiro. “Escolhi o feijoeiro para meu trabalho de conclusão de curso porque é uma cultura de ciclo curto”, conta o professor. “Foi amor à primeira vista e desde então tenho trabalhado com melhoramento dessa planta.” Magno Ramalho trabalhou com outras espécies durante curtos períodos de tempo, mas calcula que 85% da pesquisa realizada nesses anos todos tem como tema o feijão. O foco principal do melhoramento genético, área de sua pesquisa, é aumentar a produtividade da cultura. “Para isso precisamos de cultivares tolerantes ao estresse biótico causado por agentes patogênicos”, relata.
Nas três últimas décadas participou ativamente do processo de redução de danos provocados pelas doenças, com expressivos avanços. “Inúmeras linhagens de cultivares resistentes a uma ou mais raças de determinado patógeno foram obtidas, mas a vida útil dessas linhagens é efêmera e logo aparecem novas raças exigindo a substituição da cultivar”, diz. Ramalho ressalta que esse é um trabalho conjunto, feito por um pequeno grupo de melhoristas que tem dedicado a vida a isso. Por essa razão acredita que o prêmio recebido por ele é também um reconhecimento ao trabalho dos colegas.
Além do trabalho com os patógenos, com a introdução do feijão-carioca, o pesquisador e outros melhoristas deram início à seleção para obter vários tipos de feijão semelhante ao carioca, porém mais produtivos que o original. “O melhoramento é uma acumulação de vantagens, vamos sempre acrescentando alguma coisa nova”, diz. Isso resultou em novas linhagens surgidas nesses 30 anos que o feijão-carioca está no mercado. A busca é sempre por linhagens que associem alta produtividade, resistência a inúmeras doenças, cor de grãos dentro do padrão comercial e boas propriedades culinárias. “Para conseguir um feijão com padrão comercial, existem muitas dificuldades a serem ultrapassadas”, relata o pesquisador.
Apenas com a cor do grão existem pelo menos 18 genes descritos. Isso significa que quando se cruza uma linhagem carioca com outra de padrão de cor diferente, o preto por exemplo, para recuperar uma outra linhagem com padrão carioca, é necessário manusear alguns milhares de plantas, pois a probabilidade de se concentrarem todos os alelos (genes que determinam características) favoráveis à cor desejada é muito pequena.
Durante um curto período, de 1979 a 1981, esteve afastado da universidade, mas manteve o vínculo. Foi quando, a convite, ocupou o cargo de chefe adjunto técnico da Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas, Minas Gerais. “Foi uma experiência muito boa, que me permitiu entender melhor o agronegócio e as várias nuances das pesquisas em um país da dimensão do Brasil”, diz o pesquisador. Em 1982 voltou para a universidade e envolveu-se definitivamente com o ensino de genética. Em 1986 participou da criação do programa de pós-graduação da Ufla, que já titulou cerca de 300 mestres e doutores em genética e melhoramento. Desses, pelo menos 70 mestres e 20 doutores foram orientados por Ramalho, que também foi coordenador do programa entre 1988 e 1993. “Em todo o lugar do Brasil que eu vou encontro um ex-aluno”, diz o professor. “Isso significa que ajudei a formar alguém, dar um rumo na vida.” A extensão universitária também sempre esteve presente em sua vida profissional, por meio de palestras, dias de campo, visitas e atendimento a agricultores. “O contato com os agricultores é essencial para os melhoristas, significa a oportunidade de identificar problemas que podem ser resolvidos pelo melhoramento genético”, relata.
O livro Genética na agropecuária, de autoria de Ramalho em parceria com João Bosco dos Santos e César Augusto Pereira Pinto, está na terceira edição e é utilizado em quase todos os cursos de ciências agrárias do Brasil. Entre as várias atividades administrativas que tomou parte destacam-se o cargo de presidente regional de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Genética, de membro do comitê assessor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, e de membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Preside atualmente a Sociedade Brasileira de Melhoramento de Plantas, associação que ajudou a criar em 1993, e também é membro do comitê assessor de agronomia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Minha luta é para que os órgãos de fomento percebam que o melhoramento convencional não pode acabar, porque a sociedade humana sempre viveu em função disso”, diz Ramalho. “As técnicas biotecnológicas modernas são uma ferramenta adicional, mas a seleção de plantas foi, é e continuará sendo a principal força que a sociedade tem para moldar as plantas e os animais, visando atender os seus interesses de alimentos, fibras, frutos e medicamentos.”
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