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Telecomunicações

Esforço concentrado

Amplificadores, fibras ópticas e redes ultra-rápidas promovem nova fase para a pesquisa em Internet e na telefonia

MIGUEL BOYAYANCorpos-de-prova para preparo de fibras com nanoestruturas de sílica e germâniaMIGUEL BOYAYAN

De meados da década de 1970 à privatização das telecomunicações, em 1998, o Brasil criou sistemas telefônicos que nada ficavam a dever aos então utilizados nos países desenvolvidos. O mérito coube, principalmente, ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), braço tecnológico da holding Telebras, a estatal que gerenciava a telefonia no país. Depois da privatização, o investimento em pesquisa e desenvolvimento caiu e foi iniciada uma onda de importações. De lá para cá, a situação melhorou, mas pode melhorar ainda mais com os recentes desenvolvimentos realizados por vários centros de pesquisa ligados a universidades ou a empresas.

Amplificadores avançados para operar com transmissões telefônicas e de dados, fibras ópticas especiais e redes para Internet super-rápidas, além de softwares especiais para gerenciar equipamentos e redes de telefonia celular e fixa, são alguns dos novos produtos que podem servir ao país num futuro próximo, evitando importações, além de proporcionar participação mais ativa no mercado internacional de comunicação de voz e dados. “Ainda é preciso agregar valor tecnológico aos produtos brasileiros”, comenta o professor Hugo Fragnito, do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos integrantes do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof), financiado pela FAPESP.

“Um avanço relevante são os projetos de redes de alta velocidade nas quais é possível testar novas tecnologias em escala muito superior à do laboratório”, diz Fragnito. Um deles é a rede do projeto Giga, uma iniciativa do CPqD em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, que teve apoio da Embratel, Telefônica, Telemar, Intelig e recebeu financiamento de R$54 milhões do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel).

Ela começa a operar em abril, conectando 20 instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento com tecnologia de rede de Internet à tecnologia WDM (sistema de multiplexação por divisão de comprimento de onda), que expande a capacidade de transmissão das redes de fibra óptica. Com velocidade de até 10 Gigabits por segundo, o projeto Giga é 400 vezes mais rápido que as conexões domésticas em banda larga. Outra rede com essas características é a KyaTera, que faz parte do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), da FAPESP. “Os pesquisadores das duas redes trabalham em cooperação”, conta Fragnito.

O Tidia possui a própria Internet como objeto de estudos e está reunindo vários grupos de pesquisa especializados em tecnologia da informação, comunicações, controle e automação de laboratório. A eles se somarão grupos de excelência em todas as ciências experimentais para, juntos, desenvolverem projetos de comunicações ópticas, redes ópticas, redes de acesso a super-rodovias de informações, software e hardware de controle de instrumentos. Será um compartilhamento de redes com objetivos de pesquisa e formação de especialistas em desenvolvimento de tecnologia para a Internet.

Colaborar é, aliás, uma das especialidades do Cepof, que mantém parcerias com outros centros de pesquisa e empresas de todos os portes. Pouco mais de um ano atrás, por exemplo, atraiu a Universidade de Bath, na Inglaterra, para o desenvolvimento de um amplificador paramétrico a fibra óptica (Fopa, na sigla em inglês) que promete aumentar em centenas de vezes a velocidade da transmissão de dados e voz em redes de longa distância. Apenas outros três centros de pesquisa em todo o mundo estão trabalhando no desenvolvimento desse tipo de amplificador: o Bell Labs e a Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e a Universidade Tecnológica de Chalmers, na Suécia. Hoje o mercado mundial de amplificadores movimenta aproximadamente US$ 8 bilhões por ano.

A função dos amplificadores é garantir que os sinais de luz que levam informações e se propagam pelos cabos de fibra óptica na forma de laser não percam sua potência inicial. Na década de 1980, isso era feito por equipamentos eletrônicos, que tinham de converter os sinais luminosos em elétricos para, depois, reconvertê-los, em um processo que aumentava o risco de falhas.

Em 1989, amplificadores ópticos com fibras dopadas de érbio em seu interior produziram uma verdadeira revolução: aumentaram a banda de transmissão de 1 gigabit (1 bilhão de bits) para 4 terabits (4 trilhões de bits), passaram a operar com múltiplos protocolos de comunicação e, de quebra, reduziram tremendamente o custo das redes. O amplificador paramétrico também deverá custar bem menos que os equipamentos atualmente em uso, além de proteger os investimentos das operadoras em razão de sua capacidade virtualmente inesgotável.

O equipamento precisa de uma fibra óptica especial, chamada de cristais fotônicos, e a pesquisa para escolher a mais adequada acabou levando a uma descoberta inesperada – um material que reduz muito o efeito Brillouin, indesejável resultado da interação do campo elétrico da luz com as ondas acústicas presentes nas fibras, deixando parte da luz retornar à fonte geradora. A descoberta é de Paulo Dainese, doutorando do Instituto de Física da Unicamp sob a orientação de Fragnito.

Apresentado em maio na Conferência sobre Lasers e Eletroóptica (Cleo, na abreviatura em inglês), da Sociedade Americana de Óptica, o trabalhorecebeu o prêmio de ser um dos sete melhores estudos, entre 5 mil concorrentes. Detalhe: a fibra, já patenteada, provavelmente poderá ser amplamente aplicada nos campos da óptica e da acústica.

Enquanto isso, um processo de produção de fibras ópticas dopadas com érbio, ainda não dominado no Brasil, é desenvolvido na Unicamp pelo professor Carlos Kenichi Suzuki, pesquisador ligado ao Laboratório Ciclo Integrado do Quartzo, da Faculdade de Engenharia Mecânica. Com a inovação, Suzuki fundou a empresa Sun Quartz, em 2003, atualmente instalada na Incubadora da Unicamp. O projeto, apoiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, deve resultar em um incremento substancial do nível de érbio nas fibras, o que expandirá sua capacidade de comunicação.

Hoje esse aumento, depois de certo limite, chega a atrapalhar a amplificação dos sinais de luz. “Nosso trabalho é voltado para o controle e a manipulação de nanoestruturas das partículas de sílica e germânia, matérias-primas das fibras”, conta Suzuki. “Os resultados têm indicado que as características dessas nanoestruturas são elementos decisivos para a concentração do érbio.”

A produção das fibras baseia-se em uma tecnologia chamada de deposição axial na fase de vapor (VAD, em inglês), muito empregada no Japão, que, em cinco etapas, possibilita a produção de sílica com alto nível de pureza e aplicação potencial em áreas tão diversas como a administração de medicamentos e a produção de células solares.

O mercado externo também está na mira da empresa Padtec, de Campinas, única fabricante de equipamentos com tecnologia WDM no Hemisfério Sul. Desmembrada do CPqD no final de 2001, a Padtec oferece produtos para redes corporativas de armazenamento de dados, redes de comunicação metropolitanas e de longa distância. No Brasil, fornece para as principais operadoras e exporta para América Latina, Estados Unidos, Índia e Portugal. Em 2003 faturou cerca de R$ 7,5 milhões, dos quais R$ 4,5 milhões foram destinados para pesquisa e desenvolvimento. Segundo o diretor técnico da empresa, Jorge Salomão Pereira, dos 75 empregados da Padtec, 15 são engenheiros dedicados exclusivamente à pesquisa e desenvolvimento.

“O desafio do Brasil agora é conquistar também maior inserção no mercado mundial”, diz Bruno Vianna (ex-superintendente do Instituto Genius), da Orion Consultores Associados, especializada em inovação, telecomunicações e energia. Algumas condições para que os conhecimentos acumulados e a qualidade dos recursos humanos comecem a gerar um bom volume de novos projetos e produtos, além de divisas, parecem estar se configurando.

Em sua renovação, em 2001, a Lei de Informática estimulou esforços de pesquisa e desenvolvimento entre os fabricantes de equipamentos, com incentivos fiscais que provavelmente serão estendidos até 2019. A criação, em 2002, do Funttel assegurou recursos para a inovação. Mais recentemente, o governo federal elegeu, como uma de suas prioridades, a área de software, a alma dos aparelhos telefônicos. Além disso, grandes companhias internacionais vêm aumentando os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país e empresas nacionais começam a obter sucesso em estratégias de exportação.

Pacote de voz
A importância da Lei de Informática também é destacada por Hélio Graciosa, presidente do CPqD, que em julho de 1998 tornou-se uma fundação privada. Segundo ele, o CPqD registrou quatro grandes conquistas de lá para cá – a competência no licenciamento de produtos, a habilidade para desenvolver software para telefonia fixa e celular e a capacidade de prestar serviços tecnológicos, com a oferta de estudos, ensaios e consultoria.

O CPqD, que se mantém muito ligado às universidades e aos institutos de pesquisa – tem 30 parceiros nessas áreas -, também trabalha no desenvolvimento de produtos em conjunto com pequenas companhias. Com 1.500 empregados, agora está voltado para as redes de nova geração (NGN), que transmitem voz em pacotes, com sensível melhoria nos índices de aproveitamento de banda. “As operadoras estão começando a fazer encomendas”, revela Graciosa.

Com um escritório no Vale do Silício, Califórnia, desde 2000, o CPqD está consolidando sua atuação nos Estados Unidos, onde fornece software de suporte para operações e negócios. A partir de 2001 estabeleceu uma série de parcerias de distribuição que levaram seus produtos e serviços a países latino-americanos, Portugal, Espanha, Alemanha e, mais recentemente, Angola. Atualmente, mantém 18 grandes projetos de pesquisa. Sua receita, de R$ 185 milhões em 2002, chegou a R$ 205 milhões em 2003 e deve crescer 10% este ano.

Para atender melhor a clientes globais, os grandes fornecedores de equipamentos de telecomunicações também começaram a investir em pesquisa e desenvolvimento no país. A alemã Siemens criou, em dezembro de 2003, o Portal de Tecnologias, no qual universidades, institutos de pesquisa, empresas de base tecnológica e até inventores independentes podem apresentar propostas.

“Uma equipe de 45 analistas avalia detalhadamente cada projeto”, conta Ronald Martin Dauscha, diretor de gestão tecnológica corporativa. E já existem quatro propostas que parecem bem viáveis. Entre seus seis centros de pesquisa e desenvolvimento no país, a Siemens emprega 315 pessoas. “Os investimentos, que em 2003 foram de R$ 80 milhões, devem atingir R$ 100 milhões”, conta Dauscha. Em maio, a fábrica da empresa em Curitiba tornou-se a plataforma mundial de exportação de centrais de PABX.

Na Motorola Brasil, a equipe de pesquisa e desenvolvimento, formada por 60 pessoas no fim de 1999, hoje tem 150 profissionais somente na área de software, afirma Rosana Jamal Fernandes, diretora de pesquisa e desenvolvimento da companhia. A empresa de origem norte-americana mantém acordos com 17 universidades e diversos institutos de pesquisa, como o Eldorado, que, fundado por iniciativa sua em 1997, hoje presta serviços para diversas empresas.

E incentiva os parceiros a certificar seus processos e produtos – uma condição essencial para a conquista do mercado internacional. De 1997 para cá, seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país somaram US$ 135 milhões. “Todos os celulares Motorola, independentemente de onde forem fabricados, carregam algo brasileiro”, garante ela.

Os projetos
1.
Fibras Ópticas Amplificadoras de Sílica Dopadas com Érbio (nº 03/01163-9); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Carlos Kenichi Suzuki – Sun Quartz; Investimento R$ 307.627,00 e US$ 12.700,00
2. Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof), na Unicamp; Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids); Coordenador Hugo Fragnito – Instituto de Física da Unicamp; Investimento R$ 1 milhão por ano

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