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Arquivo

Espaço para a política em arquivo

Na Unicamp e na Unesp, a história das esquerdas

A idéia de formar um arquivo sobre assuntos políticos brasileiros surgiu no início da década de 1970. Um grupo de professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) decidiu criar um centro de documentação adequado para as pesquisas que começavam a ser feitas nos programas de pós-graduação. O ponto de partida foi a aquisição do material acumulado ao longo da vida pelo líder anarquista Edgar Leuenroth (1881-1968). A Unicamp comprou a coleção de jornais, revistas, panfletos, cartas e outros documentos. O arquivo, que recebeu o nome de Leuenroth, surgiu em 1974.

Foi o ponto de partida de um dos maiores conjuntos de documentos existentes sobre os movimentos operários e a esquerda em geral no Brasil. O material de Leuenroth logo ganhou a companhia de outros documentos, adquiridos por permuta, doações ou compras. Do exterior, veio material do Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis, de Amsterdã, do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano, de Milão, do Ministèrio degli Affari Ersteri, de Roma, e do National Archives, de Washington. No Brasil, deu-se atenção especial à repressão política no regime militar.

“O AEL cresceu muito e o espaço original ficou de tal maneira reduzido que era difícil trabalhar”, conta a professora Ângela Maria Carneiro Araújo, do Departamento de Ciência Política do IFCH. Ângela Maria era diretora do arquivo em 1998, quando começaram a chegar os investimentos do Programa de Infra-Estrutura da Fapesp. O financiamento recebido pelo AEL, de R$ 619 mil, foi um dos maiores do programa. Com ele, o material recebeu acomodação adequada, o prédio do arquivo foi recuperado e equipamentos necessários para a manutenção do acervo foram instalados.

Mesas corretas
O trabalho começou com a informatização do acervo e a recuperação da rede de computadores. “Fomos equipando o local com o que era necessário”, lembra a professora. Por exemplo, a mesa de higienização, onde os documentos são limpos, com a eliminação de pó e insetos, era improvisada. “Com o dinheiro do Infra, compramos as mesas corretas, atualizamos a rede de informática, trocamos as estantes fixas por deslizantes, climatizamos o prédio inteiro e estabelecemos um sistema de segurança”, lembra Ângela Maria.

Uma parte importante da reforma do arquivo foi o cuidado extremo do pessoal da Unicamp com o dinheiro recebido. A conservadora e restauradora Maria Aparecida Remédio, por exemplo, foi uma das encarregadas de esticar ao máximo a verba. Ela mesma mediu os espaços, desenhou estantes e prateleiras e negociou com fornecedores.Maria Aparecida chegou a acompanhar a fabricação de peças feitas por encomenda. Isso teve enorme utilidade. No meio do caminho, descobriu que algumas prateleiras iriam vergar sob o peso de livros e documentos.”Como conhecia bem as normas técnicas, convenci o fabricante a refazer tudo, dentro das especificações, para que o dinheiro não fosse perdido”, recorda.

Nitrogênio
Maria Aparecida também criou um sistema de desinfestação de insetos, para o qual pediu patente, para evitar que a Unicamp venha a pagar royalties por um trabalho desenvolvido lá mesmo. O processo consiste, basicamente, em colocar documentos em sacos plásticos, nos quais ficam em gás carbônico por cinco dias e em nitrogênio por dez dias. “Isso é suficiente para matar piolhos de livros, brocas e cupins”, afirma. O processo, além de simples, é barato e não deixa resíduos que possam prejudicar funcionários ou usuários.

O processo é aplicado também nos chamados “documentos bastardos”, aqueles deixados em caixas, na porta do prédio do arquivo, por pessoas que não querem se identificar. Eles se juntam a preciosidades como partes dos arquivos do líder comunista Luiz Carlos Prestes e do jornal Voz da Unidade, do PCB; as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibope), entre 1942 e 1987; e a coleção Brasil Nunca Mais, com mais de 700 processos de presos políticos.

Memória da Unesp
Não se trata, porém, do único arquivo dedicado a temas políticos que teve o apoio decisivo da Fapesp. Quando foi criado, em 1987, o Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) tinha como objetivo preservar a memória da universidade. Hoje, ele se transformou num dos mais importantes centros de documentação sobre a história das esquerdas no Brasil.

O momento decisivo veio em 1994, quando o Instituto Astrogildo Pereira transferiu para o Cedem, em regime de custódia, parte do arquivo do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O material continha a maior parte da documentação relativa às décadas de 1980 e 1990, mostrando, assim, a transição do PCB para o atual PPS. Ao mesmo tempo, o Cedem recebeu o Archivio del Movimento Operaio Brasiliano, que estava sob custódia da Fundação Feltrinelli, em Milão, na Itália.A eles se juntaram os arquivos do Centro de Documentação Mário Pedrosa (Cemap), sob custódia da Universidade de São Paulo (USP), e o Centro de Documentação da Cidade de São Paulo (Cedesp), com documentos relativos ao período em que Luiza Erundina foi prefeita, de 1989 a 1992. O Cedem via-se, assim, diante de dois desafios: organizar toda essa documentação e cumprir a tarefa original, de registrar a história da Unesp.

Site na Internet
O investimento feito pela Fapesp no Cedem foi de R$ 413,6 mil. “Solicitamos recursos para organizar documentos e para comprar móveis, arquivos deslizantes, leitora de microfilmes e copiadoras”, lembra a coordenadora Anna Maria Martinez Correia. Antes, a documentação não era aberta ao público. Hoje, qualquer pessoa pode obter informações a distância, no site cedem.unesp.br. O arquivo tem informações extremamente valiosas sobre as origens do Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo. Há outros documentos de valor, como a ata, redigida em russo, da reunião da Internacional Comunista que aprovou o levante de 1935 no Brasil.

Agora, os pesquisadores do Cedem se dedicam a organizar um acervo referente ao Movimento dos Sem-Terra (MST), com mais de 50 mil fotografias e outros documentos, e a reunir a memória dos 31 institutos e centros de estudo, espalhados por 15 cidades do Estado, que compõem a universidade. Para isso, além do material escrito, já foram gravadas 165 entrevistas.

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