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Resenhas

Está na cara, você não vê

A longa marcha dos grilos canibais | Fernando Reinach | Companhia das Letras, 400 páginas, R$ 45,00

A arte de arrancar aventuras maravilhosas de trabalhos científicos

Há um método de escrita disciplinadamente seguido pelo biólogo Fernando Reinach em A longa marcha dos grilos canibais, crônica após crônica: primeiro, o autor mostra um breve plano geral do campo a que pertence o experimento científico do qual vai tratar, para, em seguida, fazer foco no próprio experimento, à maneira de tantos filmes em que de saída o diretor nos arrasta rapidamente da contemplação da paisagem vista do alto para um objeto no solo, no qual quer que fixemos nossa atenção. Na sequência, ele descreve o que foi observado durante o experimento e, para fechar, especula com provocadora imaginação sobre os significados práticos ou teóricos, econômicos, sociais, existenciais ou outros dos achados e descobertas do trabalho analisado. Em suma, lança-se na aventura de pensar e imaginar, assim como, por outras vias, os pesquisadores responsáveis pelos estudos de que trata ­– quase todos originários das ciências biológicas –, a seu ver, também se atiraram. É este, de fato, nas crônicas, o olhar de Reinach para a ciência ­– lugar de aventuras, ponto de partida de expedições que entram em território inexplorado: “Cada descoberta científica é uma pequena história de aventura. (…) Nas publicações científicas o relato dessas aventuras está encoberto por uma infinidade de termos técnicos, descrição de métodos e um cuidado paranoico com a precisão da linguagem. O resultado é que o sabor da aventura se perde em um texto quase incompreensível”, diz ele na introdução do livro.

O mais curioso é que, para extrair a essência aventurosa do emaranhado da terminologia científica dos artigos (da Nature e da Science principalmente) que servem de base às crônicas e entregá-la límpida a seus leitores, o que Reinach faz em seus textos é, como ele mesmo afirma, uma mímese do formato dos trabalhos científicos. Plano geral, apresentação do objeto etc., etc., mesmo que nos tragam memória de movimentos da câmera em começo de filmes sem conta, estão na estrutura mais comum de tais artigos. Só que ele segue esse roteiro valendo-se de um saber escrever bem, com talento e na linguagem cotidiana, digamos para sintetizar. Toma o modelo por guia, mas recorrendo a comparações, metáforas e outras figuras de linguagem bem escolhidas que, a par de tornarem inteligíveis para não especialistas conceitos e procedimentos complexos, adicionam sabor ao texto e deixam visível o prazer do escritor por trás das palavras. Dito de outra forma, Reinach, seguindo as pegadas de outros cientistas divulgadores de ciência, recria o modelo de escritura que o inspira para mostrar as produções da ciência ao público de forma quase lúdica.

Não há parentesco entre o que ele faz e, por exemplo, as notícias e reportagens no âmbito do jornalismo científico, ainda que seja um jornal, O Estado de S. Paulo, o suporte original de suas crônicas semanais, desde 2004. Poder-se-ia dizer que seus textos estão mesmo de cabeça para baixo em relação aos jornalísticos e evitam, inclusive, citar nomes dos autores e das instituições onde se desenvolveram as pesquisas que enfoca, coisa impensável em material noticioso. Mas, como Reinach lembrou no programa Roda viva da tevê Cultura em 12 de abril passado, foi exatamente um jornalista, Flavio Pinheiro, um dos mais experientes editores da imprensa nacional, o responsável por seu “aprendizado” de escrever para jornal dentro do modelo que vislumbrava. Na época ocupando o cargo de editor-chefe, era ele quem comentava os primeiros textos que o biólogo ia produzindo bem antes da estreia no Estadão, dando-lhe uma série de dicas preciosas, até que ambos consideraram que o novo cronista estava pronto.

O livro agora lançado é uma boa seleção de 118 crônicas do material produzido para o jornal de 2004 a 2009. Cada uma está focada num experimento singular e o conjunto está subdividido em 11 áreas temáticas que recebem títulos tão abertos quanto “mente”, “sexo”, “comportamento”, “humano”, “tecnologia” ou “política”. Esse agrupamento, aliás, serve mais para orientar o leitor quanto a seus próprios blocos de interesse, porque não há prejuízo nenhum em começar pela última crônica, saltar para a primeira e se deixar levar de forma um tanto anárquica, ao sabor dos belos e quase sempre intrigantes títulos. Seja qual for a ordem que o leitor escolha, no final terá deparado com a imensa diversidade de interesses que a mente inquieta desse híbrido de professor (tornou-se titular da USP aos 35 anos), pesquisador, empreendedor muito bem-sucedido e escritor de ciência, abrange.

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