Alimento rico em proteínas, vitaminas, sais minerais, carboidratos e com baixo teor de substâncias gordurosas, os cogumelos comestíveis têm gradativamente conquistado novos consumidores brasileiros. Mesmo assim, o consumo em torno de 30 gramas por pessoa ao ano ainda está muito distante dos dois quilos consumidos pelos franceses e dos oito quilos utilizados pelos chineses no mesmo período. O preço é certamente um dos obstáculos para a ampliação do mercado desses fungos, que têm alto custo pela complexidade do cultivo. A preparação do substrato, composto à base de serragem e farelo de cereais que precisa passar por cuidadosa esterilização para evitar futura contaminação por outros fungos e bactérias, é uma das etapas desse processo quando o cultivo é feito em câmaras de cultivo climatizadas (com temperatura, umidade e aeração controladas). Um sistema inovador de esterilização dinâmica foi desenvolvido na empresa Fungibras, de Botucatu, no interior paulista, pelo pesquisador Augusto Ferreira Eira, professor aposentado da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Em vez das tradicionais autoclaves – equipamento que utiliza vapor d’água sob pressão –, onde o substrato é colocado em pequenos sacos plásticos de polipropileno para ser esterilizado a 120º Celsius, Eira criou uma máquina cilíndrica com 2,5 metros de altura que gira no sentido horizontal, com capacidade para abrigar de uma única vez 1,5 tonelada do composto. O esterilizador foi desenvolvido com o apoio da FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Microempresa (Pipe). “Como é um equipamento dinâmico, a massa entra constantemente em contato com o vapor em alta temperatura, ou seja, a esterilização ocorre no substrato inteiro”, diz Eira. “Na autoclave, como o processo é estático, a esterilização demora cerca de duas horas para a parte externa do substrato e pode chegar a várias horas para atingir o centro, principalmente no caso de sacos com grandes quantidades do composto.”
Um parafuso grande em formato helicoidal de rosca sem-fim, colocado no centro do equipamento, permite tanto tirar o substrato pronto de dentro do esterilizador como prepará-lo, depois de frio, para a inoculação de cogumelos. Tudo feito por uma escotilha, sem contato externo e, portanto, sem risco de contaminação para o material. O tempo total para aquecimento da massa de 1,5 tonelada é de cerca de três horas, o mesmo gasto para o resfriamento. Os dois ciclos são completados em seis horas, no máximo. “Para esterilizar a mesma quantidade na autoclave, seriam necessárias cinco máquinas com volume de 10 mil litros cada uma”, compara. Ou seja, mais gasto de tempo e da energia necessária para produzir o vapor.
O desenvolvimento do esterilizador dinâmico é um desdobramento da trajetória acadêmica do pesquisador. Formado em agronomia, Eira dedicou-se à microbiologia desde o início de sua carreira, quando ainda era estagiário bolsista, em 1965. O interesse pelos fungos resultou na criação do Módulo de Cogumelos na Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em 1985, e na realização de um projeto temático financiado pela FAPESP, para estudar a tecnologia de cultivo, a caracterização bioquímica e os efeitos protetores dos cogumelos comestíveis e medicinais (leia matéria na edição nº 100 de Pesquisa FAPESP).
Empresa familiar
Em 2004, depois de se aposentar, criou a empresa Fungibras com os filhos Guilherme e Frederico Castilho da Eira, ambos engenheiros agrônomos. “Antes de dar início ao projeto, fiz um levantamento de equipamentos para esterilização patenteados no mundo e descobri a existência de alguns que procuram fazer a mesma coisa, mas trabalham de maneira totalmente diferente”, relata o professor Augusto. “Nenhum deles executa todas as operações em um único equipamento: homogeneização, esterilização, resfriamento, inoculação e extrusão do substrato.” Os detalhes construtivos que permitem todas as operações constam do pedido de patente da máquina.
Na primeira fase do projeto foi construído um protótipo do esterilizador. Os testes mostraram que os pesquisadores estavam no caminho certo. Na segunda etapa foi construída a máquina que hoje está em uso na Fungibras, usada tanto para a produção de substrato pelo método chamado axênico – que significa livre de outros organismos, por passar por um processo de esterilização que impede o aparecimento de pragas e doenças até a fase da frutificação – como para a produção de matrizes (sementes) de cogumelos. Essas matrizes são originadas a partir de pequenos filamentos finos, chamados hifas ou micélios, retirados do chapéu do cogumelo.
O substrato sai do esterilizador por uma porta que se abre dentro de um laboratório com ar estéril. Para a produção das sementes, basta colocar o micélio na quantidade desejada no substrato pronto. Feito isso, a massa inoculada é colocada em galpões climatizados e, após 50 a 60 dias, os cogumelos estão prontos para serem colhidos. Esse método é bem diferente da técnica chamada in natura, ainda bastante usada em algumas regiões do Brasil, em que os micélios são inoculados diretamente em troncos de madeira ou em substratos compostados e pasteurizados. Mas como é uma técnica muito rudimentar, a primeira colheita em toras inoculadas pode demorar de seis meses a um ano depois da semeadura. No cultivo axênico em substrato estéril, os cogumelos crescem sem competição em um meio com mais nutrientes, equilíbrio de pH e umidade controlada. A Fungibras já está produzindo shiitake (Lentinula edodes) e shimeji (Pleurotus ostreatus) em câmaras de cultivo climatizadas e também micélio semente para vários cogumelos, incluindo o cogumelo-do-sol (Agaricus blazei) sob encomenda para produtores.
A empresa, que começou suas atividades incubada no Núcleo de Desenvolvimento Empresarial de Botucatu, cresceu e, desde setembro de 2006, está instalada em uma área de 3 mil metros quadrados no Distrito Industrial da cidade. As pesquisas com o esterilizador dinâmico ainda não foram encerradas. “Só vamos pensar em efetivamente maximizar o uso do equipamento, com uma estratégia de marketing, quando todas as variáveis da produção de cogumelos estiverem definidas”, diz Eira.
“A literatura científica cita em torno de 2 mil espécies de cogumelos comestíveis”, relata a pesquisadora Arailde Urben, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, uma das 41 unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Dessas, só dez se tornaram populares comercialmente. Embora não existam dados oficiais relativos à quantidade produzida no Brasil, porque as vendas são feitas em muitos casos diretamente do produtor para o consumidor, principalmente para os restaurantes e a rede hoteleira, as estimativas são de que em 2004 foram produzidas cerca de 8 mil toneladas no Brasil, divididas entre champignon, cogumelo-do-sol, shimeji e shiitake.
Clima favorável
Os produtores brasileiros estão concentrados principalmente no Sul e Sudeste. A região de Mogi das Cruzes, no interior paulista, onde existe uma grande comunidade japonesa, responde por 70% da produção de cogumelos comestíveis no Brasil. “As condições climáticas daqui, como temperatura amena e alta umidade, são favoráveis ao cultivo”, explica o engenheiro agrônomo Renato Augusto Abdo, coordenador de agronegócios do Sindicato Rural de Mogi das Cruzes. Condições ideais para o cultivo do champignon, produzido principalmente na região do Alto Tietê, que engloba, além de Mogi das Cruzes, as cidades de Salesópolis, Biritiba Mirim e Suzano.
A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia possui um banco de germoplasma de cogumelos com 321 espécies de interesse alimentar e medicinal, organizado por meio de coleta de espécies nativas em diversas regiões brasileiras e também de outras que foram introduzidas aqui no Brasil. “Quando encontramos espécies com bom potencial terapêutico, peço para uma bioquímica analisar”, relata Arailde. Nos últimos anos várias pesquisas têm sido feitas por pesquisadores brasileiros, japoneses e norte-americanos para testar alegados efeitos terapêuticos dos cogumelos, principalmente do cogumelo-do-sol. “Eles são estudados como possíveis aliados no tratamento complementar de doenças como câncer, lúpus, papilomavírus humano (HPV) e aids”, diz Arailde, que acompanha de perto esses estudos. Não há consenso entre os pesquisadores sobre os reais efeitos protetores para esses casos. O que se sabe com certeza é que eles funcionam como um excelente complemento alimentar.
Cultivo tropicalizado
Uma técnica de origem chinesa para o cultivo de cogumelos, que tem o capim como principal matéria-prima do composto, tem sido disseminada no Brasil pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. “Chamada de Jun-Cao (fungo-gramínea em tradução literal), usa capim desidratado, triturado em pequenos fragmentos de cerca de dois a três centímetros, misturado com farinha de arroz e trigo”, explica a pesquisadora Arailde Urben. Para neutralizar o pH do composto utiliza-se gesso agrícola, que funciona como um elemento de ligação entre as partículas do grão e do farelo. A esterilização do material pode ser feita em uma panela de pressão comercial, em autoclave ou também pelo processo de pasteurização.
“A técnica Jun-Cao foi desenvolvida pelos chineses em 1983 e, em apenas quatro anos, permitiu à China aumentar em 250% a sua produção”, diz a pesquisadora formada em biologia e especialista em fungos, que participou em 1995 do primeiro curso internacional de difusão do método para países em desenvolvimento. “Essa técnica evita a derrubada de árvores, o preço do capim é bem mais barato que o de toras e o tempo de cultivo é de cerca de 40 dias.” O tema será tratado no 4º Simpósio Internacional sobre Cogumelos no Brasil, a ser realizado em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, entre os dias 27 e 30 de outubro.
O Projeto
Processo para operações múltiplas de esterilização, homogeneização, inoculação e ensacamento, visando à produção de inoculantes e substratos para cultivo de cogumelos comestíveis e medicinais (nº 03/13014-8); Modalidade Pesquisa Inovativa na Pequena e Microempresa (Pipe); Coordenador Augusto Ferreira da Eira – Fungibras; Investimento R$ 371.058,87