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Pesquisadores de diferentes países da América Latina realizaram um estudo epidemiológico das mortes por homicídios na Colômbia, Brasil, México e Argentina. O trabalho mostrou que Brasil e Colômbia registraram, entre os anos de 1990 e 2007, os piores indicadores socioeconômicos e as mais elevadas taxas de homicídios por armas de fogo. Em 1990, elas representaram 50,6% dos assassinatos no Brasil. Em 2007, esse número subiu para 71,9%. As principais vítimas foram jovens do sexo masculino, sendo as taxas mais elevadas na faixa etária de 20 a 29 anos – a mais alta delas foi registrada em 2000: 100 óbitos por 100 mil habitantes. Ao todo, durante o período estudado, foram contabilizados 1.432.971 homicídios nos quatro países, 718.116 somente no Brasil, que registrou ainda mais de 2 milhões de mortes por causas externas.
De acordo com a psicóloga brasileira Edinilsa Ramos de Souza, do Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenadora do estudo, apesar de Brasil e Colômbia terem apresentado os piores indicadores socioeconômicos, não é possível estabelecer uma relação do tipo causa e efeito com as taxas de mortalidade por homicídios apresentadas na pesquisa. O trabalho foi publicado na última edição da Revista Científica Ciência & Saúde Coletiva.
“É possível que esses indicadores tenham papel importante na incidência dessa violência. Mas o homicídio é um fenômeno complexo cuja determinação envolve uma série de outros fatores”, diz Edinilsa. “A literatura tem indicado que culturas onde a socialização dos indivíduos e as relações sociais se fundamentam em comportamentos violentos tendem a apresentar elevadas taxas de homicídios.” Assim, afirma a pesquisadora, os indicadores incluídos na análise certamente contribuem para as elevadas taxas, mas não são suficientes para explicá-las. E o fato de ter sido entre os jovens a maior incidência de homicídios por armas de fogo evidencia a necessidade de se priorizar essa população nas políticas públicas.
Para determinar as taxas de homicídios, Edinilsa e sua equipe analisaram dados de mortalidade registrados em órgãos governamentais dos quatro países estudados. No Brasil, os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. A partir daí, os óbitos foram analisados por causas externas – acidentes como quedas, afogamentos, trânsito e choque por corrente elétrica, entre outros – e homicídios.
Edinilsa explica que a tendência dos índices de homicídios em diferentes grupos etários foi analisada via modelo de regressão linear – processo matemático que relaciona o comportamento de uma variável Y com outra X, de modo a explicar a relação entre elas. Esse tipo de análise estatística é usado quando se deseja verificar a tendência da taxa ao longo de um determinado período. “Esse modelo de análise foi escolhido exatamente porque se desejava verificar qual era a tendência das taxas de homicídio no período estudado”, diz.
No Brasil, o número de homicídios aumentou continuamente a partir de 1993, atingindo 26,8 por 100 mil habitantes em 2003. Ao final do período, o país registrou taxa 9% superior à registrada em 1990, apenas menor que a da Colômbia que, mesmo com uma diminuição dos casos de homicídio – de 83,3% em 1990 para 78,5% em 2007 –, ainda detinha os mais altos índices de mortes por armas de fogo.
Por outro lado, após décadas de crescimento ininterrupto, essas taxas de assassinatos no Brasil começaram a apresentar declínio. Para Edinilsa, um dos fatores que ajudam a entender o declínio é o sucesso de políticas públicas mais amplas, como as implementadas a partir dos anos 2000.
Uma delas é a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, do Ministério da Saúde, que desde 2001 tem desenvolvido diversas ações voltadas à prevenção das violências contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos e deficientes, entre outros grupos vulneráveis, em diversos municípios e estados do país. “Entre eles podemos citar os Núcleos de Prevenção dos Acidentes e Violências e a Notificação compulsória da violência em todos os serviços do Sistema Único de Saúde. Outras são as políticas sociais de geração de renda, que elevaram o padrão de vida de milhares de famílias, as retirando da situação de pobreza absoluta, as políticas de inclusão de pessoas idosas e deficientes e as cotas em universidades para os negros”, diz.
A equipe de pesquisadores já cogita dar continuidade às análises, atualizando os dados, visto que, nos anos mais recentes, já estão ocorrendo novas elevações das taxas de homicídio no México e mesmo no Brasil, onde se presencia um crescimento dos homicídios nos conflitos que têm ocorrido em São Paulo, cidade onde as taxas haviam diminuído 74% entre 2001 e 2008, uma queda de 67 para 17,4 por 100 mil habitantes.
“Contudo, esbarramos mais uma vez nas dificuldades de envolver os países parceiros sem um financiamento para a realização da pesquisa”, conta a pesquisadora. No Brasil, a proposta de continuidade deste estudo já se encontra em andamento, focalizando a população jovem do país. “É importante destacar que tanto nesse como no próximo estudo, estamos avançando no desenvolvimento de uma abordagem qualitativa para a busca de compreensão da ocorrência dos homicídios”, avalia Edinilsa.
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