Não haveria emissão de carbono causada pela manipulação do solo para plantio de cana em áreas antes ocupadas por outros cultivos agrícolas, de acordo com um trabalho realizado por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos publicado hoje (8/6) on-line na Nature Climate Change.
Já a emissão de carbono pela transformação de pastagens em canaviais poderia ser compensada em dois a três anos após o plantio de cana, enquanto seriam necessários oito anos para compensar a perda de carbono gerada pela ocupação de áreas de vegetação nativa como o cerrado por canaviais.
“Agora temos certeza de que estamos entregando um combustível de baixa emissão de carbono”, comentou Carlos Clemente Cerri, professor do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores desse trabalho, ao apresentar os resultados, em primeira mão, em uma palestra realizada na FAPESP no dia 27 de maio (veja os slides).
“A conversão não é tão negativa quanto se falava”, acrescentou. Segundo ele, as novas áreas para plantio de cana, localizadas principalmente na região central do país, provêm da conversão de pastagens (73%), de outros cultivos agrícolas anuais (25%) e do aproveitamento geralmente ilegal de áreas de cerrado (0,5%).
De acordo com os autores desse estudo, para atender à demanda interna e externa, o Brasil teria de expandir a produção de etanol de 22 milhões para 6 bilhões de litros por ano até 2021. Isso seria feito provavelmente por meio da expansão da área plantada em 7 milhões de hectares, já que variedades mais produtivas de cana-de-açúcar dificilmente estarão à mão em curto prazo.
Esse trabalho tentou afastar a antiga dúvida se a transformação de pastagens, de áreas ocupadas por outras culturas agrícolas ou por vegetação natural, por causa da manipulação do solo, não poderia liberar mais dióxido de carbono (CO2), agravando o aquecimento global, do que o que seria evitado mais tarde. O etanol seja um combustível ambientalmente limpo por emitir menos poluentes que os combustíveis fósseis.
O grupo de pesquisa, formado por especialistas de São Paulo, de Alagoas e dos Estados Unidos, estabeleceu o tempo de reposição da perda inicial de carbono analisando a variação do teor de carbono em cerca de 6 mil amostras de solo de canaviais recém-formados e de pastagens, outras culturas ou áreas de vegetação nativa, formando 75 pares amostrais (um ponto em um canavial e um equivalente em outra área diferente próxima) em 13 lugares diferentes, nos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
Nesse estudo, as análises de solo – desde a camada superficial até 1 metro de profundidade – indicaram que as áreas com outros usos agrícolas convertidas em canaviais podem até mesmo absorver carbono logo após o plantio de cana. “Temos muita informação para trabalhar nos próximos anos”, disse Cerri. Segundo ele, esse trabalho ajuda a estabelecer o chamado fator de mudança de uso do solo para o país, uma informação relevante nos fóruns internacionais sobre o impacto das mudanças climáticas.
Em um artigo publicado em março na Energy Policy, Cerri e outros pesquisadores defendem um aumento de 15% da produtividade na pecuária brasileira (passando da média atual de 1,08 animal por hectare para 1,35 animal por hectare) nos próximos dez anos, de modo a se obter a área necessária para a expansão da produção de etanol. A recuperação de pastagens, porém, ele lembrou, implica o uso de fertilizantes, que emitem carbono para a atmosfera. Outra possibilidade para o ganho de produtividade é a integração de agricultura com pastagens que permitiram esse ganho de produtividade, mas as experiências nesse campo ainda são incipientes. “Vamos ter de mudar”, ressaltou. Atualmente as fazendas de pecuária bovina mantêm 212 milhões de animais em 196 milhões de hectares.
Artigos científicos
MELLO, F.F.C. et al. Payback time for soil carbon and sugar-cane ethanol. Nature Climate Change, on-line 8 jun. 2014.
GOLDEMBERG, J. et al. Meeting the global demand for biofuels in 2021 through sustainable land use change policy. Energy Policy. v. 64, p. 14–18. jun. 2014.
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