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Ecologia

Estudo global rastreia trajetos de mais de 12 mil animais marinhos

Mapeamento do uso do oceano aponta falhas nas metas de preservação e permite propor novas estratégias

Urso-polar (Ursus maritimus): movimentação restrita à região ártica

Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

As metas previstas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a preservação de vertebrados marinhos podem ser insuficientes e precisariam ser aprimoradas para garantir uma proteção eficaz a essas espécies, segundo um estudo global publicado hoje (5/6) na revista Science.

As espécies rastreadas são animais como ursos-polares, pinguins, focas, leões-marinhos, cetáceos (principalmente baleias e golfinhos), tartarugas, aves marinhas voadoras, tubarões, raias e sirênios (peixes-boi e dugongos). Os dados foram gerados em projetos conduzidos por diversos grupos de pesquisa, com objetivos distintos, e compilados, integrados e mapeados pela equipe internacional responsável pelo estudo publicado agora. Ao todo, os cientistas analisaram mais de 15 mil dados de rastreamento de animais de 121 espécies marinhas coletados durante 33 anos de pesquisa em todo o mundo – que, depois de processados e submetidos a uma curadoria, foram refinados para incluir 12.794 indivíduos de 111 espécies.

Esses animais são muito vulneráveis porque têm o ciclo de vida longo, poucos descendentes por ninhada e, por isso, uma baixa taxa de reposição no meio – um conjunto de características definido como estratégia k. Hoje, 70% dessas espécies estão em declínio e mais de 50% estão classificadas entre criticamente ameaçadas, ameaçadas e vulneráveis. “É necessário introduzir mais formas de gestão oceânica para reduzir a exposição da megafauna marinha às ameaças existentes”, defende a oceanóloga Mônica Muelbert, da Universidade Federal de Rio Grande (Furg), coautora do artigo.

Com os dados em mãos, os pesquisadores verificaram que apenas 7,5% da área coberta pelos dados de rastreamento estava dentro de Áreas Marinhas Protegidas (AMP), zonas delimitadas e regulamentadas por leis ambientais nacionais e internacionais que correspondem a cerca de 8% do oceano global. Isso significa que a maior parte do espaço usado para migração e residência não conta com proteção: seria como uma pessoa viajar por quilômetros para chegar a um restaurante, ao trabalho ou a uma casa de férias passando por longos trechos sem nenhuma segurança pública.

No caso da megafauna marinha – termo usado para classificar animais marinhos cujo peso supera 45 quilogramas (kg), como peixes e tartarugas grandes, mamíferos e ursos-polares –, os principais riscos são a pesca industrial, que afeta 75% das áreas mais usadas, o tráfego marítimo, que prejudica todos os animais observados, a poluição plástica, presente em 96% das áreas importantes, a poluição sonora aquática e os efeitos do aquecimento global, como perda de hábitat, alterações nas correntes oceânicas e mudanças nas fontes de alimento.

Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESPLixo plástico, tráfego de embarcações e pesca são alguns dos desafios enfrentados pela fauna marinhaLéo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

O estudo também aponta a necessidade de aprimorar as metas do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, um acordo internacional assinado durante a COP-15 da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU em Montreal, no Canadá, em 2022. A meta 3 do acordo prevê que pelo menos 30% das áreas terrestres, águas continentais, costeiras e marinhas devem estar efetivamente conservadas até 2030. O estudo indicou, no entanto, que o número pode ser baixo demais: mesmo que o objetivo seja concretizado, ele corresponde somente a 41,6% das áreas mais importantes para a megafauna, deixando quase 60% delas desguarnecidas.

“A demarcação de áreas protegidas se baseia historicamente em distribuições geográficas conhecidas dos animais e reflete limites de distribuição conhecidos ou mapas estáticos de ocorrência”, detalha Muelbert. Ela diz que o trabalho também deixou claro que os animais passam grande parte do tempo em áreas marítimas controladas por países, em vez de águas internacionais. “Isso representa uma oportunidade para a conservação, pois cada Estado regula e controla a maioria das operações dentro de suas fronteiras e pode implementar medidas de mitigação.” Nesse sentido, pesquisadores têm proposto a criação de Áreas Importantes para Mamíferos Marinhos (IMMA) e Áreas Importantes para  Tubarões e Raias (ISRA), a partir de resultados científicos mapeando lugares-chave para o ciclo de vida da megafauna marinha, como reprodução, alimentação e migração. No entanto, o tempo de tramitação de criação de áreas protegidas, assim como o fato de que os animais obviamente não respeitam fronteiras estipuladas pelo homem, torna necessária uma série de ações e negociações na área da diplomacia.

O biólogo Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), que não participou do estudo, concorda. “O trabalho foi hercúleo. Talvez seja a maior compilação de dados de rastreamento de animais marinhos que nós temos, o que dá bastante material para os formuladores de políticas públicas”, diz ele, que é coordenador da cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, vinculada ao IO-USP e ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) da mesma universidade. “Os resultados mostram que precisamos ter mais áreas de preservação e proteger diferentes ambientes que esses animais frequentam durante seus ciclos de vida.”

O artigo foi publicado dias antes da Conferência do Oceano da ONU de 2025, planejada para os dias 9 a 13 de junho em Nice, na França. “Os temas discutidos na conferência vão muito ao encontro das propostas do artigo”, conta Turra, que participará do evento.

Na conferência, os cientistas vão discutir temas como a conservação, o manejo e a restauração de ecossistemas costeiros, o financiamento de ações para a preservação e a necessidade de aumentar a cooperação científica e a relação entre ciência e políticas públicas para a sustentabilidade do oceano. “No último dia, vamos discutir estratégias sustentáveis para a pesca e como apoiar pescadores artesanais”, diz Turra.

Para o biólogo, o Brasil tem muito o que avançar, em consonância com os outros países do mundo. “O país precisa avançar na implementação de áreas protegidas, com conselhos formados por especialistas e planos de manejo sendo elaborados e postos em prática”, defende. “Além disso, é necessário combater as fontes de poluição, como o esgoto, o lixo e os fertilizantes da agricultura em larga escala que, por vezes, são despejados nos rios e chegam ao mar.”

Artigo científico
SEQUEIRA, A. M. M. Global tracking of marine megafauna space use reveals how to achieve conservation targets. Science. v. 380, n. 6654, p. 1086-93. 5 jun. 2025.

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