Sou física, mas trabalho em campos interdisciplinares, como o desenvolvimento de nanomateriais semicondutores avançados e sua aplicação no estudo de biossistemas. Em meu grupo, gostamos de fazer “trabalhos de fôlego”, que demoram um ou dois anos para ficarem prontos, mas conseguem obter todo o impacto que aquela pesquisa pode alcançar. O pós-doutorando que trabalha em meu grupo no Instituto de Física Gleb Wataghin [IFGW], na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], estava perto de concluir um desses “trabalhos de fôlego”. Descobrimos um fenômeno envolvendo a formação de clusters de bactérias, mas faltava um experimento capaz de obter dados mais amplos a fim de que, além do conhecimento básico, a gente desenvolvesse um novo tipo de sensor. Ele já tinha feito toda a parte básica e, com mais dois meses de trabalho, teria a cereja do bolo para render um artigo de peso. Foi uma frustração quando a pandemia veio e quebrou completamente o nosso ritmo. O jeito vai ser escrever um paper menos abrangente, com os dados obtidos até aqui, porque ninguém sabe quando teremos acesso a equipamentos necessários para fazer o experimento que faltava.
Por outro lado, minha aluna, que está fazendo o último ano do doutorado, conseguiu uma bolsa de mobilidade da Fundação Santander para passar uma temporada em Grenoble, na França, onde teria acesso a todos os equipamentos necessários para concluir sua pesquisa. O colaborador da França ofereceu a ela tempo de uso dos equipamentos. Ela chegou lá no final de fevereiro e, após duas semanas de trabalho, a universidade fechou por conta da pandemia. Optamos pelo retorno dela ao Brasil, pois não fazia sentido ficar na França sozinha e isolada em um apartamento sem poder trabalhar e sem conhecer quase ninguém. Aqui pelo menos ela pode começar a escrever artigos e parte da tese, enquanto a gente torce, quem sabe, para conseguir acesso aos equipamentos antes de o doutorado acabar. Tínhamos combinado, depois dessa temporada na França, de nos encontrarmos em um congresso na Rússia e trabalhar um pouco lá. Mantenho uma colaboração internacional com um grupo de pesquisa russo por meio de um programa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] que promove parcerias entre pesquisadores dos Brics. Tudo foi cancelado.
Sugeri a alguns dos cinco alunos de iniciação científica do grupo que escrevam uma monografia relacionada aos experimentos que iriam fazer – assim, eles mostram que estudaram e se aprofundaram nos temas escolhidos e podem fazer o relatório da bolsa no prazo devido.
Quem depende de um laboratório para trabalhar saiu especialmente penalizado quando a Unicamp suspendeu as atividades presenciais, em março. Meu marido, Douglas Galvão, físico teórico que também é professor do IFGW, não precisou interromper suas pesquisas. Ele depende do uso de computadores potentes, que continuam disponíveis na Unicamp e podem ser usados remotamente. Atualmente, sou coordenadora do Centro de Computação do instituto, que se mantém em funcionamento. O Instituto de Física migrou suas atividades para o ambiente on-line em duas semanas, e seguimos com as atividades didáticas, na graduação e pós-graduação. Fazemos reuniões virtuais, em que discutimos artigos, teses e assuntos institucionais. Tudo o que dá para fazer sem precisar ir ao laboratório estamos fazendo.
Como presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) até 2022, o que mais me preocupa no momento é que não teremos o nosso encontro anual em setembro. Ele foi adiado para 2021. Estamos avaliando como promover atividades on-line, na forma de seminários e mesas-redondas na web, porque não dá para ficar tanto tempo sem estabelecer contato entre os pesquisadores da área.
Os alunos e os jovens pesquisadores já vivem on-line, essa é a realidade deles. Não podemos desperdiçar um canal desse tipo em um momento como esse. Acho, contudo, que há uma perda de qualidade nas interações, em parte porque não sabemos usar o ambiente. Participei agora de uma defesa de tese on-line e foi horrível. O aluno falava no computador, mas desligava o vídeo dele para não sobrecarregar a conexão. Se você não vê a pessoa, não enxerga a linguagem corporal; é uma conversa que perde muito em qualidade. Parte do nosso trabalho envolve a troca de ideias e já fiz muita colaboração com pesquisadores que conheci em congressos. Em reuniões pelo Skype ou Zoom, o nível de atenção em geral não é o mesmo que em um encontro presencial.
Trabalhar em casa tem suas chateações. Eu conto com a ajuda, nas tarefas domésticas, de uma senhora que vinha três vezes por semana, mas pedi a ela para ficar em casa, em quarentena, pagando, é claro, como se estivesse trabalhando. Somos quatro adultos – tenho dois filhos, um de 22 anos e outra de 20 – e dividir as tarefas domésticas nem sempre é simples. Eles não se convencem da necessidade de manter a casa limpa, embora tenham rinite alérgica, por exemplo. O mais difícil é conseguir que lavem o banheiro. Os homens não acham que isso é tarefa deles ‒ no máximo se propõem a “ajudar” as mulheres, enquanto elas, em geral, reclamam que não sai bem-feito. Mas sei que estou em uma situação mais confortável do que colegas que têm filhos pequenos, sem atividade escolar, e estão completamente doidos de ter de trabalhar em casa.
Republicar