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Fernando Reinach

Fernando Reinach

Para pesquisador será preciso dobrar a produção de alimentos até 2050 com novas tecnologias

Segundo o biólogo, o país poderá oferecer matéria-prima e soluções tecnológicas para o mundo

Segundo o biólogo, o país poderá oferecer matéria-prima e soluções tecnológicas para o mundo

O mundo tem 6,7 bilhões de pes­soas e deverá chegar a 11 bilhões em 2050. Para alimentar tal quantidade de gente será preciso ao menos dobrar a quantidade de alimentos produzidos. E, de preferência, sem aumentar em demasia a área agriculturável. “A única forma de alcançar essa meta é desenvolver e usar tecnologia no campo”, afirmou o biólogo Fernando Reinach, professor titular da Universidade de São Paulo e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios. “Ao contrário do que pregam os ativistas ambientalistas, a tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental”, disse ele em palestra durante a agenda cultural da exposição Revolução genômica, no dia 1º de junho.

Um dos idealizadores e coordenadores do seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, Reinach justificou sua afirmação com fatos: se não fosse o avanço da tecnologia, a área desmatada para plantio no Brasil e no mundo seria muito maior. O uso da adubação química e dos agroquímicos, além do melhoramento genético clássico, foi o que permitiu o aumento da produção por hectare nos últimos 50 anos. “Claro que em muitos casos a tecnologia foi usada de modo exagerado, sem controle, mas a atual preocupação com o ambiente tem provocado uma reação contra ela que demonstra um grave erro de percepção”, observou. Ele citou o exemplo dos transgênicos – os organismos geneticamente modificados (OGMs) –, que já são muito usados na agricultura em todo o planeta. “Nenhuma novidade tecnológica foi tão combatida quanto essa, embora esteja entre as mais promissoras técnicas usadas para aumentar a produtividade agrícola com menos agroquímicos.”

O biólogo voltou no tempo para explicar a importância do uso da tecnologia no campo. Toda a alimentação consumida pelo homem passa pelas plantas, seja para consumo humano ou para a criação de animais. A única exceção é o peixe, que vem do mar. Foi depois de desenvolver a agricultura, entre 10 mil e 15 mil anos atrás, que a população começou a dar saltos de crescimento, quando a batalha diária pela comida se tornou mais amena. “No passado remoto todas as poucas pessoas do mundo estavam envolvidas com a produção de algum tipo de alimento”, disse Reinach. “Hoje menos de 10% da população mundial trabalha diretamente com plantio ou pecuária.”

Em 1750, por exemplo, havia cerca de 1,5 bilhão de habitantes no mundo. A população começou a crescer de modo significativo por volta de 1950, graças a uma série de fatores como o surgimento de medicamentos mais eficazes, como antibióticos, melhor organização e distribuição de alimentos. De lá para cá o número de pessoas sobre a Terra quase triplicou. Passou de 2,5 bilhões (1950) para 6,7 bilhões (2007) e deve se estabilizar em 12 bilhões entre os anos de 2050 e 2100, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). O desafio da agricultura nos últimos 50 anos, grosso modo, foi alimentar três vezes mais pessoas. “E alimentar mal, porque ainda tem muita gente passando fome.”

O drama agora é repetir a dose. O mundo terá de dobrar a produção no campo para conseguir, ao menos, manter o padrão de alimentação atual. O grande problema é que esse objetivo se choca com as atuais preocupações ambientais. Rei­nach fez questão de lembrar que a agricultura sempre foi uma ameaça à ecologia. “Veja o índio, o sujeito mais integrado à natureza que existe”, exemplificou. “Quando faz uma roça simples, de poucos metros quadrados, ele corta parte da floresta, tira toda a biodiversidade e planta no lugar duas ou três espécies apenas.” Também era assim com a agricultura no Oriente Médio, quando começaram a produzir os alimentos nas roças ao lado das cidades. O impacto global era pequeno, mas não diferia do que se faz atualmente – as pessoas destruíam o ambiente local e plantavam culturas no lugar. O desastre ecológico ganhou proporções gigantescas quando a população iniciou sua fase de grande crescimento.

Para solucionar parte significativa da questão de produção de alimentos nos próximos anos, o Brasil terá papel central. Aqui há terra, água e luz solar abundante, algo que só existe em poucos lugares, como na África subsaariana. Os Estados Unidos e a Europa já ocuparam toda a área agriculturável possível. Quer o Brasil queira ou não, haverá pressão internacional para que a maior parte dos alimentos saia daqui. “Será uma grande oportunidade para o país enriquecer, mas será também a maior ameaça para ecossistemas como a Floresta Amazônica.”

Brasil como protagonista
Como resolver a questão de modo a não perder toda a biodiversidade que resta para a agricultura? Entre 1950 e 2000 a quantidade de alimento cresceu três vezes sem aumentar a área plantada na mesma proporção. Para conseguir repetir a dose, será preciso um crescimento ainda maior da produtividade por hectare ou aumentar muito a área para cultivo. “Se triplicarmos a área plantada atualmente no Brasil não teremos mais Amazônia, nem Cerrado ou Mata Atlântica”, afirmou. Da platéia saiu a questão sobre o desperdício e a má distribuição de alimentos. “Mesmo se esses ajustes importantes fossem feitos, ainda assim só 20% a 30% do problema estaria resolvido”, respondeu Reinach. “Não se escapa de ter de aumentar a quantidade.” Nos últimos 50 anos não houve uma grande crise de falta de alimentos porque a produção de grãos foi proporcional ao crescimento da população. O mundo saiu de 600 milhões de toneladas em 1950 para 1,8 bilhão de toneladas em 1995. No mesmo período a população pulou de 2,5 bilhões para quase 6 bilhões. A área cultivada cresceu pouco: era de 600 milhões de hectares em 1950 e subiu para apenas 700 milhões em 1995. Mesmo assim, a produção foi de 1 mil quilos por hectare para 2,7 mil quilos por hectare no período.

No Brasil, mesmo com esse ganho de produtividade, houve uma grande devastação da floresta para se colocar no lugar exclusivamente gado – “o pior uso possível da terra”, nas palavras de Reinach. A solução para o crescimento da produção foi a tecnologia. Entre 1950 e 1965 o uso de adubo químico para fertilizar a terra foi intensivo. Depois surgiram os agroquímicos, compostos que matam insetos e ervas daninhas. E houve, claro, a sofisticação do melhoramento genético clássico, que conseguiu fazer as plantas produzirem mais grãos. Em muitos casos, os avanços no campo também trouxeram problemas como contaminação de solo e dos rios e a intoxicação de pessoas e animais em razão do modo exagerado como foram usados. “Mas, se essas tecnologias não tivessem sido desenvolvidas, a fome seria um problema muito maior do que o ecológico e nós já teríamos devastado o equivalente a três Amazônias.”

Nas últimas décadas a consciên­cia ambiental cresceu em todo o mundo e uma parte da sociedade começou a impor restrições severas para o uso de novas tecnologias. Reinach alerta para o que considera um grande erro de percepção dos dias atuais. Quem deseja abolir os agroquímicos do mundo não sabe que foi a criação de técnicas como essas que garantiram o contínuo aumento da produtividade. “Toda tecnologia traz benefícios e riscos; por isso tem de ser bem administrada.” Os alimentos orgânicos, plantados sem nenhum aditivo e livres de contaminação, são um luxo para poucos, nem de leve podem ser encarados como solução para um mundo com vários bilhões de habitantes. “Simplesmente não dá para não desmatar, não usar nenhuma tecnologia mais agressiva e ainda produzir comida para todos”, disse. “É a falta de conhecimento que faz com que as pessoas queiram essa meta impossível.” Como algumas dessas tecnologias alcançaram seu limite de uso, agora será preciso agregar outras. Os transgênicos estão entre as mais promissoras delas e deverão contribuir para o aumento da produtividade sem o crescimento excessivo da área plantada.

Cana-de-açúcar
Da platéia da palestra saiu outra questão: não estaria havendo uma mudança da cultura de alimentos para a cultura de produção de combustível? Reinach aproveitou a pergunta para falar da cana-de-açúcar como protagonista de uma nova revolução em curso, a da energia renovável. Pela primeira vez o Brasil está na liderança da pesquisa e no desenvolvimento de etanol. “Perdemos todos os bondes das revoluções tecnológicas que já passaram por aqui e agora temos a chance real de oferecer matéria-prima e soluções tecnológicas para o mundo”, disse. O investimento do país desde o programa Proálcool, dos anos 1970, até hoje, com o desenvolvimento dos carros flex e dos biocombustíveis, tornou o Brasil centro das atenções quando se procuram soluções para substituir o petróleo. Mesmo que ainda demorem muitos anos para se esgotar as reservas mundiais, o combustível fóssil é visto como um enorme problema ambiental. Para o biólogo, o petróleo não deixará de ser usado, mas em alguns anos passará a ser apenas mais um elemento dentro da matriz energética usada no mundo, ao lado do álcool, da energia eólica, das marés e da nuclear – esta última voltou a ser uma forte opção nos últimos anos.

Os biocombustíveis são uma ótima fonte de energia renovável. Mas seu uso como combustível provavelmente colocará mais pressão sobre a questão da produção de alimentos. “É uma competição. Mesmo que eles tomassem apenas 1% da terra, ainda assim seria 1% a menos para plantar comida”, avaliou. Neste ponto, a tecnologia volta a ganhar importância. O cientista acredita que dá para fazer as duas coisas e ainda preservar boa parte da floresta. O Brasil é privilegiado porque a cana-de-açúcar ocupa de 1% a 2% da área agrícola nacional e pode ser expandida sobre a área de pasto. Nos Estados Unidos não tem mais espaço. Lá, cada hectare a mais de milho para produzir etanol significa um hectare a menos para produzir soja.

Mais uma vez surgiu da platéia uma questão relevante: os Estados Unidos já perceberam essa situação e provavelmente investirão pesado para aproveitar tirar álcool da biomassa do milho. Não há risco de eles desenvolverem tecnologias antes de o Brasil poder se aproveitar do bom momento das energias renováveis? Para Reinach os norte-americanos provavelmente vão resolver antes essa questão tecnológica de aproveitar melhor a biomassa do milho ou da cana. “Ocorre que o Brasil tem matéria-prima mais barata e isso é um fator fundamental para o sucesso da política de energia renovável, mesmo que tenhamos de pagar por esse conhecimento desenvolvido por eles”, disse. O cientista acredita que o desenvolvimento da tecnologia de aproveitamento da biomassa não vai ocorrer aqui porque é impossível competir com o investimento feito no exterior. “Ainda assim temos todas as chances de ser o centro da revolução tecnológica atual porque é aqui que produzimos muita cana. E do modo mais barato.”

Biocombustível
Mesmo que o desenvolvimento tecnológico ocorra na Califórnia ou na Groenlândia, não será nesses dois lugares que haverá o grosso da produção de biocombustíveis. “Não tem jeito, a fotossíntese é produzida com grande eficiência aqui no Brasil, onde há as melhores condições naturais para isso.” Os semicondutores foram desenvolvidos nos Estados Unidos, mas quem ganhou dinheiro com eles foi o grupo de países chamados de Tigres Asiáticos porque souberam usar. Não há necessidade de  criar e desenvolver tudo para obter ganhos. “Já temos o monopólio natural e temos de saber nos aproveitar dele”, alertou.

Isso significa que o Brasil será apenas um produtor de matéria-prima?, perguntou um integrante da platéia. “Não, significa que uma parte do desenvolvimento será feito aqui, mas outras partes serão feitas no exterior”, afirmou. Um exemplo prático: as duas únicas empresas que trabalham com genética de cana estão no Brasil. São a Alellyx e a CanaVialis, da Votorantim Novos Negócios, das quais Reinach é diretor executivo. “Estamos na liderança desse processo, mas o que investimos aqui é apenas um centésimo do que é investido lá fora.” É por isso que não dá para ter a ilusão de que o país fará tudo sozinho. Já há empresas do exterior fazendo joint-venture com usinas de álcool brasileiras para trabalhar no melhoramento da produção de etanol. A competição é grande. Não só existem companhias vindo para cá como Moçambique e Angola começaram a plantar muita cana também, que está sendo reintroduzida lá.

Mas quais são, afinal, as grandes vantagens da cana-de-açúcar sobre os outros vegetais, tão cantadas pelo cientista, perguntou alguém da platéia. “Não há nenhuma planta mais eficiente conhecida até agora que transforme luz solar em água e em açúcar”, explicou. Em toneladas de matéria-prima por hectare, nada no mundo bate a cana produzida em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Hoje a preocupação é produzir combustível mais barato e mais limpo que o petróleo. E há também um movimento nada desprezível para substituir a indústria petroquímica pela do álcool. “Um bom exemplo é o acordo que a Dow Chemical fez com a Crystalserv para construir dez usinas de etanol e produzir eteno, etileno e polietileno, este último um tipo muito comum de plástico.” Não será apenas a cana que vai competir alimento, mas o combustível etanol enfrentará a competição com o plástico.

Reinach mostrou um gráfico comparando os países mais aptos a produzir cana, Cuba, Índia, Austrália e Brasil. Alguns elementos são geográficos, como luz, água e disponibilidade de terra. Outros são o custo da mão-de-obra, a escala de produção, o desenvolvimento genético e de tecnologia em geral. Comparando com os países citados, o Brasil tem tanta água quanto Cuba e Índia e um pouco menos de luz que Cuba para produzir cana. Quanto à disponibilidade de terra, não dá para comparar com nenhum outro. Desenvolvimento genético também é feito melhor e mais por aqui. E só a Austrália tem uma tecnologia um pouco mais próxima da brasileira.

O biólogo pediu atenção para alguns números importantes na questão do biocombustível. Trata-se de uma equação chamada energy returned on energy investid (algo como energia resultante da energia investida), que avalia quanto se gasta de petróleo para produzir etanol. O cientista usou o exemplo do trator usado na lavoura. O veículo é movido a óleo diesel. As peças são feitas de ferro em uma usina que usa diesel como energia. Para fazer o fertilizante que vai na terra também é usado um derivado do petróleo. Para quase tudo é preciso da energia do petróleo. Com um barril de petróleo é possível produzir quantos barris de etanol? No Brasil, com um barril de petróleo são produzidos de 5,2 a 11,2 barris de etanol de cana-de-açúcar. “É uma eficiência energética muito boa”, avaliou o cientista. Nos Estados Unidos gasta-se um barril de petróleo e produz-se de 1,3 a 2 barris de etanol a partir do milho. “É muito pouco, porque a cultura do milho é muito cara.”

A biomassa brasileira, também produzida em quantidade quase dez vezes maior que a do milho norte-americano, praticamente não é usada. Quando a cana é colhida, palha, folhas e ponteiro ficam no campo ou são queimados. Na usina, da cana sai o caldo e o bagaço, mas apenas o primeiro é usado para tirar etanol ou açúcar. Na prática, da energia que uma plantação de cana capta dois terços não são aproveitados. “Com um pouco de tecnologia podemos tirar energia desses dois terços”, afirmou. Transformar biomassa em etanol é a principal corrida tecnológica de hoje.

Conquistas da genômica
Vejamos a seguinte conta: 1 hectare produz 110 toneladas (t) de cana e 85 t vão para a usina, depois que se tiram a folha e o ponteiro. Com as 85 t são produzidas 12 t de açúcar (ou 7 t de etanol) e sobram 23 t de bagaço. Este último, em geral, é queimado com baixa eficiência para gerar energia elétrica. A palha fica no campo, sem gerar nada. Hoje a produção é de 7 mil litros de etanol e 6,1 megawatts/hora de energia por hectare de cana. “Mas podemos também pegar o bagaço e separar em celulose, hemicelulose e lignina”, explicou. “E lignina eu queimo e produzo energia; com a celulose e hemicelulose consigo fazer mais 4 mil litros de etanol.” Logo, se usar a tecnologia para tirar etanol do bagaço, a produtividade sobe para 11 mil litros de etanol. Se usar a tecnologia em tudo, da palha ao bagaço, dá para tirar 28 mil litros de etanol por hectare em vez de 7 mil litros, com praticamente a mesma quantidade de energia elétrica. De acordo com Reinach, esse processo já foi desenvolvido recentemente na empresa CanaVialis. “É isso que chamo de uma nova revolução tecnológica.”

Essas transformações feitas com a biomassa da cana são possíveis em razão de reações catalisadas por diversas enzimas conhecidas na natureza que permitem produzir praticamente todos os produtos petroquímicos. Por essa razão existem empresas químicas estrangeiras e brasileiras investindo seriamente nessa vertente de pesquisa com o objetivo de produzir não só mais etanol, mas também os derivados do petróleo que se tornarão tão caros quanto ele, como o polietileno e o polipropileno. As recentes conquistas da tecnologia nos últimos anos, especialmente as proporcionadas pela genômica, ajudam a explicar também a criação das duas empresas de biotecnologia criadas dentro da Votorantim e dirigidas por Reinach, a Alellyx e a CanaVialis. “Depois da Xyllela, participamos do seqüenciamento da cana e do eucalipto e decidimos criar a Alellyx, em 2002, porque não havia nenhuma empresa no mundo capaz de transformar a cana-de-açúcar”, disse. “Trabalhamos também com laranja e eucalipto, mas o grosso do orçamento é para fazer novas variedades de cana transgênica.” Depois da Alellyx, Reinach se empenhou para contratar dois pesquisadores, Sizuo Matsuoka e Hideto Arizono, para trabalhar em uma nova empresa, a CanaVialis, criada em 2003. Foram os dois que desenvolveram o primeiro programa de melhoramento genético de cana-de-açúcar, a partir de 1970. “Eles foram os responsáveis por pelo menos 70% da tecnologia desenvolvida para a cana até agora e são alguns dos cientistas que mais criaram valor para o Brasil.” Na CanaVialis, ambos tocam o maior programa de genética clássica do mundo.

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