As fêmeas de macacos-prego (Sapajus libidinosus) que vivem no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, são tão habilidosas quanto os machos no uso de pedras para quebrar frutos e castanhas, mas não usam gravetos, o que seria útil durante a caça para cutucar animais em fendas na pedra e até para espantar cobras e animais perigosos — como fazem os machos. Intrigados com essa diferença de comportamento entre os sexos, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) acompanharam um grupo de oito jovens macacos — três fêmeas e cinco machos — durante dois anos, fase inicial do processo de aprendizado.
“Nossa primeira hipótese era de que as fêmeas não fizessem parte da rede social dos machos adultos”, relata o biólogo Tiago Falótico, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP), coordenador da equipe e primeiro autor do artigo publicado este mês (5/3) no site da revista American Journal of Primatology. Nessa espécie, os macacos jovens se aproximam dos mais velhos para observar e aprender. Mas, quando fizeram diagramas com as conexões sociais em grupos desses primatas, a hipótese não se confirmou.
“As jovens tinham liberdade de se aproximar dos machos adultos e até de escolher aqueles que manipulam a vareta com maior eficiência”, relata Falótico. Mas mesmo estando bem perto do macho, nas nossas observações, elas só olharam 36% das vezes para o que eles estavam fazendo, enquanto machos o fizeram em 85% das ocasiões.
Aparentemente a falta de interesse das fêmeas não se dirige à vareta, mas aos machos em si. Os pesquisadores têm dois motivos para pensar assim: primeiro, o fato de que as jovens costumam observar outras fêmeas com mais atenção do que olham os machos. “As fêmeas do macaco-prego vivem em grupos familiares femininos, enquanto os machos saem do grupo natal e migram para outros grupos”, explica Falótico.
Segundo, porque esses primatas passaram mais tempo olhando fotos de macacos do mesmo sexo, em experimentos de laboratório. Essa tendência é importante porque a observação atenta é a forma mais comum de aprendizado entre os macacos-prego.
Algumas fêmeas aprenderam a usar varetas para resolver problemas, como tirar mel de uma caixa, ao cabo de três ou quatro meses em estudos experimentais em um parque urbano de Goiânia, feitos há alguns anos pelo psicólogo Rafael Cardoso, durante doutorado orientado pelo biólogo Eduardo Ottoni no Instituto de Psicologia da USP (IP-USP). Na natureza não fazem isso, mas usam pedras – às vezes, até mais pesadas do que elas mesmas – para quebrar cocos e castanhas e também para desenterrar aranhas e lagartos de tocas no chão. No período reprodutivo, atiram pedras nos machos como uma forma de comunicação sexual. Diante do amplo repertório, parece insatisfatório que apenas o desinteresse pelo mundo masculino explique a ausência do uso de gravetos.
Contexto desmotivante
Uma possibilidade é que o contexto em que os gravetos são usados desestimule o aprendizado. São caçadas silenciosas que acontecem em locais de acesso difícil, geralmente em paredões de pedra, onde observar de perto é mais desafiador. A presa é ingerida logo que sai da toca e não sobra muito para os jovens observadores, como acontece na caça de escorpião flagrada no vídeo acima. A falta de estímulo visual, sonoro e calórico pode ser um conjunto pouco atraente para que elas se dediquem à arte do graveto, de acordo com o estudo.
Em contraste, as ferramentas de pedra, populares entre ambos os sexos, são usadas em locais fixos e fáceis de visualizar, produzem restos abundantes de alimento e fazem barulho. É um ambiente estimulante para os jovens. “É possível que essa disponibilidade de alimento, em especial, seja uma motivação importante para as fêmeas, mais do que para os machos”, propõe Falótico. “Elas terão custos reprodutivos maiores durante a gravidez e a amamentação e talvez avaliem de forma mais criteriosa o retorno calórico de cada atividade.”
Além disso, as fêmeas talvez não fiquem muito impressionadas com a eficiência do galho. De fato, sua taxa de sucesso é de apenas 20%, enquanto a pedra dá resultado positivo em ao menos 70% das vezes, conforme cálculo dos pesquisadores.
Para elas, os galhos parecem dignos apenas de serem mordiscados e talvez para coçar o nariz. Em contraste, os jovens machos brincam entusiasmados com o instrumento, enfiando-o em buracos ou fendas na pedra, mesmo sem sinal da presa. “Caçar com o graveto exige técnica específica para localizar a presa”, pondera Falótico. Mesmo assim, não é especialmente complicado: eles demoram cerca de dois anos para aprender, um pouco menos que o tempo necessário para adquirir proficiência no uso da pedra.
“Aparentemente, há uma barreira rígida de comportamento ligada ao sexo, que mantém as fêmeas longe das varetas”, comenta a arqueóloga Mercedes Okumura, do Instituto de Biociências da USP, que não participou do estudo. “É uma situação bem diferente do viés de sexo em seres humanos, mais flexível e determinado por fatores culturais.”
Por outro lado, assim como muitos primatas, somos uma espécie que transmite conhecimento e cultura. “Nós também aprendemos observando outras pessoas, sobretudo aquelas que detêm algum tipo de poder”, diz ela. A influência exercida por pessoas famosas seria um exemplo disso.
Inteligência de chimpanzé
Os macacos-prego não são os únicos primatas não humanos que usam gravetos. Os chimpanzés os usam para fisgar cupins, tirar mel dos favos ou até para ferir presas durante a perseguição. “Nos chimpanzés, assim como no macaco-prego, jovens machos manipulam ferramentas com mais frequência”, explica a primatóloga Kathelijne Koops, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, a Pesquisa FAPESP. “Mas, quando observamos em detalhes o uso do instrumento, percebemos que as fêmeas têm um repertório maior de uso e o fazem com mais eficiência, enquanto nos machos jovens predomina a brincadeira.”
Embora o macaco-prego seja bem menor que o chimpanzé, a relação entre cérebro e tamanho do corpo é parecida — ele tem o maior cérebro entre os primatas originários do Novo Mundo e é o único que usa ferramentas. Eles já as usavam há 3 mil anos e introduziram inovações há cerca de 600 anos, como pedras, para processar recursos. Mais recentemente começaram a usar pedras maiores. Há evidências de que a transmissão do conhecimento venha ocorrendo há centenas de gerações.
Por enquanto, o uso de varetas só foi observado nos macacos-prego da serra da Capivara. Mas, para a bióloga Briseida Resende, do IP-USP, que estuda a espécie no sul do Piauí, a 300 quilômetros da serra da Capivara, falta saber mais. “É possível que usem a ferramenta em situações difíceis de observar, como em cima das árvores”, diz ela, embora esse tipo de ação não tenha sido avistada em 15 anos de trabalho na região.
“A pesquisa foi feita com poucas fêmeas, e é cedo para tirar conclusões sobre o viés de sexo no comportamento de macacos imaturos”, ressalta Resende. “Fatores ecológicos ainda não compreendidos podem influenciar a escolha da ferramenta”, ela sugere. “Será que a maneira como manipulam as ferramentas também é diferente entre os sexos?”, questiona Koops.
Projetos
1. Uso de ferramentas por macacos-prego (Sapajus libidinosus) selvagens: Ecologia, aprendizagem socialmente mediada e tradições comportamentais (nº 14/04818-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Investimento R$ 611.005,29.
2. Uso de ferramentas por macacos-prego: Aprendizagem e tradição (nº 13/05219-0); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Bolsista Tiago Falótico; Investimento R$ 423.450,88.
Artigo científico
FALÓTICO, T. et al. Ontogeny and sex differences in object manipulation and probe tool use by wild tufted capuchin monkeys (Sapajus libidinosus). American Journal of Primatology. on-line. 5 mar. 2021.