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Telecomunicação

Fibra dopada

Empresa domina o processo de fabricação de equipamentos ópticos que amplificam o sinal de luz

MIGUEL BOYAYANProcesso de fabricação de fibras ópticas na Sun Quartz: domínio da tecnologia é credencial para mercado externoMIGUEL BOYAYAN

Uma pequena empresa nascida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) coloca o Brasil na vanguarda das comunicações por redes de fibras ópticas, em que as transmissões são feitas por laser. Criada em 2003, a Sun Quartz é uma das poucas empresas no mundo que dominam a tecnologia para fabricação de fibras ópticas conhecida como deposição axial na fase de vapor, cuja sigla em inglês é VAD (de Vapor-phase Axial Deposition). Esse processo apresenta diversas vantagens sobre métodos similares e permite o desenvolvimento de fibras amplificadoras que intensificam o sinal do laser. O domínio do processo de fabricação desses componentes é importante porque a maior parte da estrutura mundial de telecomunicações atual baseia-se em redes ópticas, capazes de transmitir grande volume de dados com muito mais segurança e rapidez entre cidades próximas ou de um ponto a outro do planeta.

A expectativa da Sun Quartz, que está instalada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) e contou com financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), é colocar suas fibras ópticas no mercado no primeiro semestre de 2006. No momento, elas estão em testes nos laboratórios da Padtec, uma das maiores fabricantes brasileiras de sistemas de comunicações ópticas. Atualmente as fibras amplificadoras usadas no Brasil são todas importadas.

Ao contrário das fibras ópticas comuns, as fibras especiais são dopadas com érbio, um elemento químico natural conhecido como terra-rara. A dopagem é a introdução de um elemento químico para mudar as propriedades de um material. No caso, o érbio serve para amplificar o sinal luminoso que se propaga nos cabos ópticos na forma de laser. Elas são fundamentais porque, na medida em que a luz trafega por uma rede óptica, ela vai sendo absorvida e seu sinal é atenuado. Para recuperar a amplitude do sinal original, a saída é instalar amplificadores ópticos ao longo da rede, cujo principal componente são as fibras de érbio, como a fabricada pela empresa campineira.

“Para uma ligação entre as cidades de São Paulo e Campinas, distantes uma da outra cerca de 90 quilômetros, é preciso colocar no meio do caminho um amplificador óptico. Em torno de 20 a 30 metros de fibra de érbio são usados nesse sistema, conhecido como amplificador óptico à base de fibra de érbio (EDFA). Nas cidades, as fibras especiais são utilizadas nos pontos de distribuição do cabeamento”, explica o físico Carlos Kenichi Suzuki, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e sócio da Sun Quartz.

Com diâmetro um pouco maior que um fio de cabelo, as fibras ópticas surgiram nos anos 1970 e desde lá têm sido cada vez mais utilizadas na transmissão de dados via internet, TV a cabo, telefonia fixa e móvel, e várias outras aplicações envolvendo imagem e som. Isso acontece porque os cabos ópticos podem transmitir muito mais informações do que os sistemas convencionais de comunicação, que empregam fios de cobre, freqüências de rádio ou microondas. As fibras ópticas são formadas por um núcleo central, que é por onde a luz transita, e têm diâmetro de 3,5 micrômetros (no caso das fibras de érbio) a 9 micrômetros (nas fibras comuns), sendo 1 micrômetro igual a 1 milímetro (mm) dividido por mil. A camada externa da fibra que envolve o núcleo, conhecida como casca, serve para fornecer isolação óptica e possui espessura média de 125 micrômetros, ou 0,125 mm. A matéria-prima básica para fabricação das fibras é o quartzo, também usado na produção de células solares e microchips. E o Brasil possui a maior reserva deste mineral no planeta.

O domínio da tecnologia de fabricação de fibras ópticas é importante em razão do alto valor agregado desse produto. Enquanto 1 quilo de quartzo custa cerca de US$ 0,10 e 1 quilo de silício não passa de US$ 1, a fibra óptica dopada com érbio vale um milhão de vezes mais e chega a custar US$ 100 mil o quilo. Essas fibras também são bem mais caras do que as convencionais. Um quilômetro de cabo óptico comum sai por cerca de US$ 20 a US$ 30, enquanto a mesma metragem de fibra amplificadora vale de US$ 10 mil a US$ 15 mil. “Trata-se de um mercado milionário. Em 2001 estimava-se que o setor de aparelhos de amplificação óptica girava em torno de US$ 4 bilhões. Hoje esse número deve ser bem maior”, diz o pesquisador. Quando começar a produzir comercialmente, a Sun Quartz irá abastecer o mercado interno, que hoje compra as fibras dopadas com érbio do exterior, e se tornar exportadora do produto. “Além das fibras, poderemos vender também a tecnologia VAD, porque temos o pleno domínio dela e o instrumental utilizado no processo foi inteiramente desenvolvido por nós.”

Carlos Suzuki explica que todos os fabricantes nacionais de fibras ópticas utilizam a tecnologia MCVD (Modified Chemical Vapor Deposition), criada pelos Laboratórios Bell, dos Estados Unidos, há mais de 30 anos. “A principal vantagem comercial da tecnologia VAD, desenvolvida no Japão, é que, ao contrário do processo MCVD, ela não necessita da importação de tubos de sílica. Isso torna nosso produto mais barato”, afirma o cientista. Os tubos, usados para fazer o núcleo e a casca da fibra, esclarece Suzuki, não são produzidos no país. Além disso, a tecnologia de deposição axial na fase de vapor emprega como matéria-prima um subproduto do silício que é dez vezes mais barato do que o empregado na metodologia MCVD. Outra importante vantagem comparativa da tecnologia do sistema VAD é que as fibras ópticas de nova geração, capazes de transmitir a luz por distâncias bem mais longas, só são possíveis de ser produzidas por esse processo, porque ele corrige um efeito indesejado que atenua o sinal luminoso, conhecido como fenômeno de espalhamento Rayleigh, coisa que a tecnologia MCVD não faz.

Elevada automação
O processo de fabricação das fibras ópticas da Sun Quartz pode ser dividido em cinco etapas e é completamente automatizado. Ele permite o controle das propriedades do produto final, como a distribuição da nanoporosidade e o índice de refração. A primeira etapa consiste na fabricação de uma preforma porosa de sílica nanoestruturada, uma espécie de bastão leitoso de cerca de 60 milímetros de diâmetro por até 30 centímetros de comprimento. Cada preforma, elemento precursor da fibra óptica, pode dar origem a 4 quilômetros de fibra. Ela é produzida com o uso de um maçarico especial instalado dentro de uma câmara de deposição e já possui todas as características da futura fibra. O passo seguinte é fazer a adição dos elementos que fornecerão as características de amplificação. A dopagem da sílica é realizada com a imersão da preforma numa solução contendo íons de érbio, que proporciona o efeito especial de amplificação. A dopagem da preforma garante que os íons de érbio penetrem em sua estrutura em nível atômico.

Terminada essa fase, a preforma sofre um tratamento termoquímico para secagem e purificação. O objetivo é remover de sua estrutura elementos indesejáveis como hidroxilas (OH) e metais de transição (ferro, cromo, níquel etc.) que causam perda na potência do sinal. Depois o material sofre novo tratamento térmico em um forno de consolidação de alta temperatura e com atmosfera controlada para torná-lo totalmente transparente e livre de microbolhas, uma imperfeição que prejudicaria o perfeito funcionamento das fibras ópticas. Por fim, o vidro transparente é alongado e sofre uma deposição externa de nanopartículas de sílica para a formação da casca, responsável pela proteção mecânica do núcleo por onde a luz transita. A partir desse ponto, a fibra de sílica nanoestruturada sofre uma série de alongamentos e novas deposições até que o núcleo e a casca atinjam os diâmetros esperados. “É um processo altamente complexo e que depende de uma enorme variedade de fatores para dar certo”, afirma Suzuki. Para certificar-se de que a fibra tem qualidade e possui as características desejadas, ela passa por uma ampla bateria de testes para caracterização das propriedades estruturais, ópticas e de amplificação, como microscopia eletrônica de varredura, espalhamento e espectrometria de raios X.

As fibras ópticas amplificadoras são apenas um dos produtos desenvolvidos pela Sun Quartz, que opera dentro do Laboratório Ciclo Integrado de Quartzo da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e mantém vínculo com o Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (CePOF), instalado na universidade, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. A empresa também domina o processo de fabricação de fibras ópticas sensoras e de lentes de alta homogeneidade óptica para uso na região de luz ultravioleta. As fibras sensoras têm um largo leque de aplicações e são empregadas como sensores de pressão e temperatura, proporcionando medidas em tempo real em operações de monitoramento de dutos de petróleo, gás e água. Também podem ser utilizadas em praças de pedágio para controle de passagem de veículos e como detectores de presença em aplicações ligadas ao setor de segurança. “Essas fibras têm estrutura distinta das dopadas de érbio, sendo que o núcleo é mais espesso e pode atingir 0,8 milímetro de diâmetro. Elas custam a partir de US$ 1 o metro e, até onde conhecemos, não existem fabricantes nacionais do produto”, conta o executivo da Sun Quartz.

As lentes de alta resolução são produtos que estão na fronteira do conhecimento. Elas são componentes importantes na fabricação de microchips de nova geração e são fundamentais para aumentar a resolução espacial de seus componentes (transistores, capacitores, diodos etc.), em virtude da ultra-alta homogeneidade à luz ultravioleta de pequenos comprimentos de onda, e, conseqüentemente, a velocidade de operação do processador do computador. Essas lentes são utilizadas em equipamentos chamados Stepper que fabricam os microchips por meio de uma tecnologia conhecida como litografia óptica. “Existem poucos fabricantes desses equipamentos no mundo, entre eles a Canon e a Nikon. Essas indústrias precisam de lentes de alta homogeneidade na região do ultravioleta, que só podem ser fabricadas a partir da tecnologia VAD”, explica Suzuki.  Acontece que as empresas que dominam essa tecnologia estão direcionadas apenas para a fabricação de microchips. Assim, a Sun Quartz quer ocupar um nicho de mercado até então pouco explorado nesse setor. O processo de fabricação das lentes já é dominado e agora a empresa está fazendo ajustes para deixar o produto com as especificações requeridas pelo mercado. Para aumentar a perspectiva comercial da empresa, Suzuki esteve, no final de outubro, no Japão, onde visitou empresas e discutiu parcerias.

O Projeto
Fibras ópticas amplificadoras de sílica dopadas com érbio (nº 01/13406-8); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Carlos Kenichi Suzuki – Unicamp/Sun Quartz; Investimento R$ 307.627,00 e US$ 12.700,00 (FAPESP)

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