No começo de outubro, a FAPESP aprovou o financiamento de um projeto na área de filosofia. Até aí, nada de mais. A Fundação apenas deu vazão a uma demanda do setor. Ocorre que, com ele, o Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo passou a contar com três projetos na categoria de temáticos, que tem como principal característica a grande abrangência do estudo cujo impacto é, também, significativo.
Em razão de sua importância, essa modalidade de pesquisa exige um pesquisador responsável com ampla experiência, o prazo de conclusão do trabalho pode atingir até quatro anos e não há limite orçamentário mínimo. Além desses três temáticos, um quarto, baseado no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), tem também a coordenação de um professor do mesmo departamento da USP.
Os coordenadores dos atuais projetos temáticos têm em comum a experiência e o gosto por trabalhar coletivamente. Marilena Chaui, responsável pelo mais recente projeto aprovado, é um dos melhores exemplos dessa prática. “Nosso temático é a conseqüência do trabalho de um grupo de especialistas na filosofia do século 17, que já existe há dez anos”, diz a professora. “Para esse projeto específico, há apoio recíproco entre os pesquisadores, mas ele não interferirá no conteúdo individual de cada trabalho.” Ela ressalta que os trabalhos individuais resultantes do projeto poderiam existir sem o projeto, mas não seriam tão maduros e profundos sem o apoio das discussões coletivas.
Ou seja, o grupo não é condição de trabalho, mas a condução do trabalho em grupo é importante para cada um. Pode-se dizer que esse mesmo raciocínio vale para os demais temáticos da filosofia. O projeto coordenado por Marilena vai estudar a relação entre a razão e a experiência no nascimento da modernidade. Para isso, uma das vertentes analisadas pelos pesquisadores é colocar em dúvida a suposição, que vem desde Hegel, de que haveria uma divisão entre empirismo e racionalismo, uma vez que o pensamento clássico tem como uma de suas marcas o racionalismo. O próprio grupo concluiu que a totalidade dos pensadores do século 17 é racionalista, como Espinosa, por exemplo. O projeto reúne 19 pesquisadores.
Embora os coordenadores dos temáticos de filosofia sejam da USP, há professores de outras universidades envolvidos diretamente no projeto. Boa parte deles é da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas há pesquisadores de universidades do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, Rio de Janeiro e da Bahia. Para Marco Zingano, coordenador do temático Ética e Metafísica em Aristóteles, de dez anos para cá o circuito de colóquios sobre filosofia intensificou-se no país.
“Acredito que existe um esforço em provocar uma interação maior, que já existe nasáreas de ciências naturais”, afirma Zingano. Acostumado aos trabalhos em conjunto, Zingano considera ideal a concepção de projeto temático. “A idéia do nosso temático é estudar a filosofia antiga a partir de uma entrada principal, que é Aristóteles”, diz o pesquisador. “Essa é também uma maneira de fortalecer os estudos em filosofia antiga, já que não havia grupos especialmente organizados sobre isso.”
Massa crítica
No caso de Pablo Mariconda, coordenador do projeto Estudos de Filosofia e História da Ciência, os temáticos abriram a possibilidade de institucionalizar o que já existia. “Embora a introspecção em humanidades seja também um estilo de trabalho, sempre houve pesquisadores dispostos a estudar juntos o mesmo tema”, diz. De acordo com ele, hoje há uma massa crítica maior e uma pressão pela continuidade de trabalhos considerados importantes em filosofia. O temático de Mariconda trata das revoluções científicas, a partir dos séculos 16 e 17, e do impacto das idéias de Isaac Newton sobre as ciências físicas e biológicas durante o século18. “Agora, por exemplo, estamos trabalhando com evolução darwiniana e com física quântica.” Há 15 pessoas no grupo, três delas professores associados de outros estados.
Uma interessante experiência em andamento entre os quatro temáticos ligados à Filosofia da USP é a do Cebrap. Coordenado por Ricardo Terra (USP) e Marco Nobre (Unicamp), o projeto Moral, Política e Direito: Uma Investigação a Partir da Obra de Jürgen Habermas, trabalha com grupos da Faculdade de Direito da USP. De diferente, a organização do projeto tem o fato de ele estar plantado no Cebrap, ser coordenado por professores de filosofia e ter pesquisadores de direito, que têm como orientadores professores da Faculdade de Direito e não da Filosofia. “É um projeto com muitas aberturas.”
O estudo, que congrega cerca de 30 pesquisadores, partiu da constatação de que existem dois pólos fundamentais para a democracia: economia e direito. “O direito é o grande transformador do movimento social nas democracias”, explica Terra. “Se as reivindicações não viram lei, as conquistas ficam em parte limitadas.” O aspecto jurídico tem grande força porque é, também, a ferramenta mais usada para resolver todos os tipos de pendências.
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