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Entrevista

Filósofo revisita seu percurso acadêmico e o trabalho de gestão do fomento à pesquisa

Por mais de 30 anos na FAPESP, Luiz Henrique Lopes dos Santos ajudou a formular projetos como o Código de Boas Práticas da Fundação

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Em 1972, com apenas 22 anos de idade, Luiz Henrique Lopes dos Santos tornou-se docente no Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde fizera graduação e hoje é professor sênior. Na época, ele integrava uma leva de jovens pesquisadores convocada a preencher o vácuo deixado pela aposentadoria compulsória e precoce de professores perseguidos pelo regime militar. Com a orientação de grandes nomes como Otília Arantes, José Arthur Giannotti (1930-2021) e Oswaldo Porchat (1933-2017), Santos construiu uma carreira que percorreu a filosofia da lógica e a história da filosofia em instituições como a USP, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a École Normale Supérieure, em Paris, a Universidade Paris 7 e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua produção acadêmica envolve principalmente as obras do matemático, lógico e filósofo alemão Gottlob Frege (1848-1925), tema de sua tese de doutorado defendida em 1981, na USP, e do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) – uma de suas contribuições mais destacadas foi a tradução para o português, acompanhada de introdução crítica, do Tractatus logico-philosophicus, escrito em 1921 por Wittgenstein.

Especialidade
Filosofia da lógica e história da filosofia
Instituição
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP)
Formação
Graduação (1971) e doutorado (1981) pela USP

Em paralelo à docência e à produção em filosofia, atuou na gestão do fomento à pesquisa. Por mais de três décadas, foi coordenador de filosofia e de humanidades da Diretoria Científica da FAPESP, avaliando milhares de projetos propostos por pesquisadores e ajudando a formular programas da Fundação. Seu trabalho na FAPESP incluiu a coordenação científica da revista Pesquisa FAPESP por 21 anos e a formulação do Código de Boas Práticas da Fundação, em 2011. Em uma tarde de verão com chuva forte, ele recebeu Pesquisa FAPESP em seu apartamento em São Paulo para a entrevista a seguir.

De onde vem seu interesse pela filosofia?
Quando entrei no movimento secundarista, por volta dos 15 anos, comecei a ler filosofia política e logo migrei para a filosofia em geral. Mas na hora de decidir qual carreira seguir fiquei indeciso entre a trajetória mais clássica, que no meu caso seria o direito, e a filosofia. Venho de uma família com muitos advogados e meu pai, que era corretor de valores, queria que eu estudasse direito. Fiz vestibular para os dois cursos e em 1968 iniciei direito na USP pela manhã e filosofia na PUC-SP [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo] à tarde.

Quando decidiu seu caminho profissional?
Na década de 1960, a carreira acadêmica, percurso natural de um filósofo, era muito pouco institucionalizada. Dava uma certa insegurança. Quem me colocou no rumo da filosofia foi Otília Arantes, que era minha professora na PUC e foi uma das minhas grandes referências acadêmicas. Ela me mostrou que aquele caminho profissional era possível. Quando resolvi transferir meu curso de filosofia para a USP, muito por influência da Otília, eu já pressentia que a balança estava pendendo para a filosofia. Prestei vestibular de novo e ingressei na turma de 1969.

Como foi essa mudança para a filosofia da USP?
Um pouco frustrante. Naquela época, o departamento perdeu professores, que foram perseguidos pelo regime militar. No primeiro mês tive aula com José Arthur Giannotti, que pouco depois foi aposentado compulsoriamente, a exemplo do Bento Prado Júnior [1937-2007]. Outros tiveram que fugir do Brasil, como Ruy Fausto [1935-2020]. O departamento ficou completamente desfalcado. Em meados de 1969, marquei uma entrevista na cara e na coragem com Giannotti no Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], que ele ajudou a fundar, e disse: “Fui para a filosofia da USP por causa de professores como você, que agora não estão mais lá. O que eu faço?”. Giannotti estava preparando um artigo sobre Durkheim [1858-1917], que é um teórico da sociologia, e pediu que eu lesse alguns textos e fizesse uma exposição para ele. Passei no teste e, a partir daí, fiz de maneira informal o que hoje se chama de iniciação científica, com orientação do Giannotti. A cada 15 dias, eu ia à casa dele para discutir sobre Kant. Ficamos muito amigos.

Formou-se em direito e filosofia?
Por três anos, fiz os dois cursos de forma simultânea. Foi assim até o assistente do Oswaldo Porchat, meu professor de lógica, aceitar uma ótima proposta de emprego, em termos financeiros, no Banco do Brasil. No fim de 1970, Porchat me procurou e disse que, se eu terminasse o curso no ano seguinte, poderia ser contratado como seu assistente. Para conseguir fazer dois anos em um precisei abandonar o direito, mas larguei o curso sabendo que iria começar uma carreira na filosofia. O chamado de Porchat foi decisivo porque eu estava entre a estética e a lógica.

Como foi tornar-se professor universitário tão jovem?
Obviamente ficava muito nervoso. Eu tinha 22 anos, era mais novo do que a maioria dos alunos. Mas, como disse, o departamento estava muito desfalcado. Lembro que foram contratados outros professores da minha geração como Carlos Alberto de Moura, Ricardo Ribeiro Terra, Olgária Mattos, entre outros. Parte deles foi convidada pelo Giannotti para participar de um seminário no Cebrap, que durou entre 1971 e 1973. Essa experiência foi muito importante para a minha formação por causa do alto nível dos debates.

Quando meu pai morreu, minha mãe precisou trabalhar fora e na mesma época, com cerca de 43 anos, entrou no curso de ciências sociais da USP

A notícia do emprego deixou seu pai mais tranquilo em relação à sua escolha profissional?
Ele ficou aliviado ao saber da novidade, pois era muito preocupado com meu futuro. Infelizmente, morreu pouco depois, aos 49 anos, no fim de 1971. Era um homem bem de vida, mas que não chegava a ser rico. Preferia viajar a guardar dinheiro. Com a morte dele, minha mãe, que era dona de casa, precisou se sustentar. Ela foi trabalhar com o irmão e decidiu cursar ciências sociais. Com cerca de 43 anos, passou no vestibular da USP, na década de 1970. A gente costumava se cruzar na universidade, eu como professor e ela como aluna. Após a formatura, foi trabalhar na Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso, onde ficou até se aposentar nos anos 1990. Sua função era cuidar da parte de alfabetização e nesse trabalho teve contato com presidiários como Chico Picadinho, famoso assassino em série dos anos 1960 e 1970. Minha mãe era muito dinâmica e já na época de dona de casa se ligou à militância católica progressista. Isso, inclusive, influenciou minha entrada no movimento secundarista em 1964, pouco antes do golpe militar.

O que estudou no mestrado?
Não tenho título de mestre. Comecei a fazer minha pesquisa de mestrado em 1972, na USP, sobre o matemático, lógico e filósofo alemão Gottlob Frege, com orientação do Porchat. Entretanto, quando eu ia começar a escrever a dissertação, Porchat me chamou para ser seu braço direito no Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência e também no Departamento de Filosofia que ele iria montar na Unicamp. Isso foi em 1975. Ao aceitar o convite, ele me alertou que seria inviável dar continuidade à pesquisa de mestrado naquele momento.

Como nasceu a ideia do centro?
Porchat teve a ideia de criá-lo na USP, mas o departamento de filosofia rejeitou a proposta por divergências ideológicas. Vivíamos em um ambiente muito polarizado. Nós, da lógica, éramos considerados reacionários e alienados por supostamente nosso campo ser vinculado ao capitalismo, no entender de algumas pessoas do departamento. Mas Porchat era muito amigo do então vice-reitor da Unicamp, o engenheiro e físico Rogério Cesar de Cerqueira Leite [1931-2024]. Ele disse ao reitor da Unicamp na época, Zeferino Vaz [1908-1981], que estava ali uma oportunidade de ouro para a universidade na área da filosofia. Zeferino se apaixonou pela ideia de um centro interdisciplinar e deu as condições materiais que nenhuma iniciativa ligada à filosofia tinha na época no Brasil. Isso possibilitou, por exemplo, trazer pesquisadores visitantes do exterior e organizar colóquios internacionais. O centro foi fundado em 1977 e permanece na ativa.

Qual era a composição dele?
Era formado por pesquisadores do departamento de filosofia da Unicamp e de áreas como matemática, sociologia, física, linguística e teologia. Fui destacado para fazer a cooperação com o Instituto de Estudos da Linguagem, onde ministrei aulas entre 1977 e 1981.

Havia uma comunidade de lógicos no Brasil?
Existia, mas era, e ainda é, muito pequena. O mais renomado era Newton da Costa [1929-2024], que na época estava na USP, mas representava uma grande influência para alguns integrantes do centro como Ayda Arruda e Itala D’Ottaviano. Nessa época, eu também me aproximei de Newton e de sua lógica paraconsistente, tendo publicado alguns trabalhos. Para além das contribuições à seara da lógica, o centro foi fundamental para a formação de uma comunidade acadêmica da filosofia no Brasil. Na época, havia vários núcleos com pessoas muito qualificadas espalhados por vários estados do Brasil. Ao articular essas ilhas de conhecimento por meio de suas atividades, o centro contribuiu, por exemplo, para a criação da Anpof [Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia], em 1983.

O centro que criamos na Unicamp nos anos 1970 foi fundamental para a formação de uma comunidade acadêmica da filosofia no Brasil

O que estudou no doutorado?
Meu doutorado, orientado pelo Porchat, foi uma extensão daquela pesquisa inacabada de mestrado. Busquei entender como Frege, na segunda metade do século XIX, promoveu uma ruptura no modelo lógico aristotélico, que vigorou por cerca de 2 mil anos. Para responder às questões que surgiram durante sua pesquisa sobre os fundamentos da matemática, ele foi obrigado a repensar a lógica. Assim, concebeu o que hoje chamamos de lógica matemática. Fui contratado na Unicamp como professor doutor com o compromisso de finalizar a tese em 1980, mas foi uma luta concluir a pesquisa. Entre 1975 e 1978 praticamente não mexi na tese porque estava imerso na burocracia do departamento e do centro, ministrando aulas e realizando seminários. Em 1978, voltei a ela e fiz a defesa em 1981. O trabalho foi publicado em 2008, como O olho e o microscópio [Nau Editora].

O senhor ficou na Unicamp até 1981. Por que resolveu voltar para a USP?
Por uma questão pessoal. Eu tinha me separado e meus filhos, que ainda eram pequenos, moravam com a mãe em São Paulo. Como não queria ficar na estrada, voltei para o departamento de filosofia da USP. Nesse momento, Giannotti também retornou para a USP e juntos ministrávamos a disciplina de Introdução à Filosofia no primeiro ano de graduação. Ele dava o que chamava de aula magna e eu fazia seminários com os alunos, dissecando os textos, lendo e relendo várias vezes. Formamos várias gerações de filósofos.

Na década de 1990, o senhor traduziu para a Edusp o Tractatus logico-philosophicus, escrito em 1921 pelo austríaco Ludwig Wittgenstein. Quais foram os desafios desse trabalho?
Não é fácil traduzir do alemão para o português uma escrita tão complexa como a de Wittgenstein, que é um dos grandes filósofos da linguagem. Para se ter ideia, o estudo introdutório que fiz para explicar o lugar do Tractatus na história da filosofia é mais longo do que o próprio Tractatus. Giannotti já havia traduzido essa obra e escrito uma introdução para ela em 1968. Foi a segunda tradução no mundo, após a inglesa, e foi um trabalho hercúleo do Giannotti, pois Wittgenstein tinha morrido havia apenas 17 anos. Ele era um contemporâneo e não havia praticamente literatura sobre sua obra. Na década de 1990, a Edusp propôs que Giannotti fizesse uma nova edição da sua versão para o português.

O próprio Giannotti disse que o trabalho que ele fez nos anos 1960 tinha muitos erros. O senhor concorda?
Tinha alguns erros não da tradução do alemão em si, mas conceituais, porque se tinha muito pouca familiaridade com aquele universo na época. É o caso de termos específicos da filosofia alemã do fim do século XIX, referentes a filósofos como Franz Brentano [1838-1917], que pouca gente lia no Brasil. Ao receber o convite da Edusp na década de 1990, Giannotti pediu que eu fizesse uma revisão, mas achei que o trabalho ficaria um frankenstein e propus refazer a tradução. Giannotti topou e me passou a missão.

Entre 1986 e 2007, Giannotti esteve à frente do Programa de Formação de Quadros do Cebrap. Qual foi sua participação nele?
Tratava-se de um programa interdisciplinar de formação voltado a estudantes de pós-graduação de várias áreas do conhecimento, viabilizado por um convênio entre a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e o Cebrap. Era difícil de entrar. Ao longo de dois anos, esses alunos participavam de atividades como seminários sobre antropologia, ciência política, sociologia, economia e filosofia. Os encontros aconteciam duas vezes por semana e entre os professores estavam Paul Singer [1932-2018] e Ruth Cardoso [1930-2008]. Eu participei ativamente do núcleo de filosofia até ir para Paris, no fim dos anos 1990.

O senhor chegou à FAPESP em 1986. Como era a Fundação naquela época?
Em 1986, o Flavio Fava de Moraes, que era o diretor científico da FAPESP, me convidou para substituir o João Paulo Monteiro [1938-2016] na área de filosofia na Coordenação de Ciências Humanas e Sociais. Não havia um coordenador-geral, mas essa função, pela personalidade e pela história, era ocupada pelo Leôncio Martins Rodrigues [1934-2021]. Havia o Boris Fausto [1930-2023] na história, a Maria Alice Vanzolini na psicologia, a Cláudia Lemos na linguística e eu na filosofia.

Um dos primeiros projetos temáticos em humanidades foi do cineasta Jean-Claude Bernardet, da USP, cujo produto foi um filme

O volume de trabalho na época era pequeno em relação ao que se tornou hoje, não é isso?
Íamos às segundas-feiras e, na primeira parte da reunião, comentávamos a rodada de domingo do futebol – o Boris, como eu, era um corintiano fanático. Tinha uns 15 ou 20 processos para analisar por semana. Cada um recebia uns quatro. Estudava, relatava, decidia se dava ou não o auxílio ou a bolsa. E íamos embora. Era um outro mundo. Tinha acabado de acontecer uma mudança que transformaria o perfil da FAPESP, que foi uma emenda à Constituição estadual, apresentada pelo deputado Fernando Leça e aprovada em 1983, que determinou que os repasses do Tesouro à FAPESP, que eram de 0,5% da arrecadação de impostos na época, fossem calculados com base no ano em curso e repassado em duodécimos mensais. Antes, o cálculo era feito com base na arrecadação do ano anterior e o dinheiro chegava corroído por 13 meses de inflação. Após a Emenda Leça, a Fundação tomou consciência de que tinha potencial financeiro para dar voos mais altos. Isso se completou em 1989, quando a nova Constituição Estadual ampliou para 1% da arrecadação estadual os recursos para a Fundação.

Na prática, como essa ambição se materializou?
Um dos marcos foi a iniciativa dos projetos temáticos. A FAPESP tinha tido grandes projetos nos anos 1960 e 1970, mas eram pontuais, como o levantamento da biodiversidade da Amazônia feito pelo zoólogo Paulo Vanzolini [1924-2013], na década de 1960. Os projetos temáticos foram a primeira linha regular de grandes auxílios. Surgiu uma discussão na FAPESP se valia dar tanto dinheiro para as humanidades – uma coisa era dar bolsas de mestrado, outra era aprovar o orçamento de um projeto temático. O mérito foi do Fava, que realmente bateu o pé. Um dos primeiros temáticos em humanidades foi um projeto do cineasta Jean-Claude Bernardet, da USP, cujo produto foi um filme. Eu permaneci como coordenador de filosofia até 1989. O Leôncio saiu e o Fava me convidou para assumir como coordenador adjunto. Até 1989, os coordenadores de área iam à FAPESP uma vez por semana e não tinham nenhuma relação orgânica com a Fundação. Com a criação, pelo Fava, da figura dos coordenadores adjuntos, eles passaram a fazer a mediação entre os coordenadores de área e o diretor científico. Em 1993, o José Fernando Perez assumiu a diretoria científica, me pediu para continuar e eu aceitei.

Em 1997, o senhor se afastou da FAPESP para passar um período na França, mas retornou à Fundação na volta ao país. Como foi esse retorno?
Fiquei dois anos em Paris como pesquisador visitante na École Normale Supérieure e professor na Universidade Paris 7, e a [antropóloga] Paula Montero me substituiu. Quando voltei, no começo de 1999, fui chamado para trabalhar junto com a Paula porque já havia necessidade de dois coordenadores adjuntos nas áreas de humanidades. O Perez tinha uma dinâmica criativa própria e reestruturou a diretoria científica. Ele aumentou o número de adjuntos e toda semana nos reuníamos durante duas ou três horas em uma roda de conversa para falar sobre o que estava acontecendo. Muitos programas da FAPESP nasceram dessas reuniões. A efervescência do período do Perez teve a ver com ter gente de todas as áreas conversando. Isso foi levado a uma escala ainda maior quando o Carlos Henrique de Brito Cruz assumiu a diretoria científica, em 2005. Tudo passava pelos adjuntos. Uma vez por mês, 15 adjuntos se reuniam e conversavam a tarde inteira.

Com quantos diretores científicos trabalhou?
Foram quatro. A última gestão, do Luiz Eugênio Mello, foi muito comprometida pela pandemia. Ele fez milagres. Me substituiu na coordenação adjunta pela Ângela Alonso, mas só foi conhecê-la pessoalmente no fim do mandato. Ele manteve a diretoria científica funcionando e fez coisas importantes, como o esforço para gerar pesquisas sobre a Covid-19 e os primeiros projetos do Programa Geração, voltados para pesquisadores mais jovens, ainda sem vínculo de emprego. Impulsionou também a adoção de políticas de inclusão e equidade. A gestão do Fava deu mais ambição à FAPESP e criou uma estrutura institucional para a Fundação trabalhar criativamente. O Perez aproveitou isso, graças à personalidade dele. Era a personificação do entusiasmo. Quando o Brito assumiu, havia uma quantidade enorme de programas com quatro, cinco anos. O Brito, também pela personalidade dele, racional, sistemático, botou ordem, formalizou, viu o que funcionava e o que não. Intensificou e aperfeiçoou os programas existentes e deu início a um forte esforço de internacionalização da pesquisa paulista.

Como foi sua contribuição para a implementação do Programa Ensino Público?
Uma das revoluções que o Perez fez foram os programas de pesquisa tecnológica, principalmente em parceria com empresas. Mas ele teve a sabedoria de considerar a pesquisa aplicada de forma ampla. Pesquisa em humanidades pode ser aplicada e resultar na formulação e na implementação de políticas públicas. A ideia do Perez era a de que, se é pesquisa aplicada, é preciso ter um parceiro que potencialmente vá usá-la. Daí surgiu a ideia de começar com o ensino público, fazendo pesquisas em parceria com escolas públicas. Chamamos a Maria Malta Campos, da PUC-SP e Fundação Carlos Chagas, para nos assessorar. Eu coordenei durante um tempo e passei a bola para Marilia Sposito. Como deu certo, teve demanda, parceria, teve tudo, foi lançado depois o Programa de Políticas Públicas.

A política de boas práticas deve ser pedagógica, mas uma maneira de educar é não deixar impunes as coisas erradas

Como surgiu a revista Pesquisa FA­PESP, da qual o senhor seria o coordenador científico entre 2001 e 2022?
O conceito nasceu de conversa da então diretora de redação Mariluce Moura com o Perez. Eu peguei o bonde andando, porque estava em Paris quando a ideia surgiu. Desde o início, o objetivo foi fazer uma revista de divulgação, não da FAPESP, mas da ciência brasileira e particularmente da paulista. Em segundo lugar, tinha que ser um veículo de caráter jornalístico e orientado por cientistas. Para isso, foi fundamental ter sido um projeto vinculado à Diretoria Científica. Isso permitiu a criação de padrões que garantiram a qualidade que a revista desenvolveu.

O senhor se refere, por exemplo, à revista ter um Comitê Científico composto por coordenadores de área e adjuntos da Diretoria Científica?
Desde o início, as reportagens da revista eram lidas pelos coordenadores das áreas dos temas abordados. A ideia era ter um equilíbrio entre a linguagem jornalística e o rigor científico. De um lado, tinha gente que dizia que a revista não era suficientemente rigorosa do ponto de vista científico. De outro, que apresentava coisas difíceis de entender pelo público leigo. As críticas dos dois lados nos davam a ideia de que a revista estava no caminho certo, o caminho do meio.

Em 2001, o senhor e o professor Perez escreveram um artigo sobre conflito de interesses na pesquisa. Foi o início do debate que levaria ao Código de Boas Práticas, uma década depois?
Foi uma coisa localizada. A FAPESP não tinha uma política de conflito de interesses porque nunca havia tido um problema sério sob esse aspecto. E houve um problema grave em um projeto de um pesquisador para avaliar os riscos do amianto para a saúde. Investiu-se muito dinheiro, os resultados foram favoráveis ao amianto. Aí, descobriu-se que o pesquisador tinha relação com uma empresa produtora de amianto.

E como surgiu o Código de Boas Práticas Científicas?
Apareceu, para mim, de supetão. Em setembro de 2010, eu havia feito uma cirurgia de apêndice no Rio e estava me recuperando, quando recebi o pedido do Brito para estudar o que existia no mundo sobre boas práticas. Eu fiz esse estudo, que resultou em um texto, do inicio de 2011, que está até hoje no site da FAPESP. Aí o Brito me pediu para redigir um anteprojeto de um código de boas práticas. Durante seis meses, me dediquei a essa tarefa. Discuti o anteprojeto com o Celso Lafer, então presidente da FAPESP, que deu o estofo jurídico necessário. Saiu a segunda versão, que o Brito circulou entre pró-reitores e sociedades científicas. Fizemos uma ampla consulta e publicamos no fim de 2011. Dez anos depois do código, todas as universidades públicas paulistas possuíam comissão de boas práticas.

Depois o senhor passou a acompanhar os casos de má conduta que chegavam à Fundação.
Eu sempre insisti, e o Brito apoiou muito fortemente, que o principal eixo da política de boas práticas deve ser o pedagógico. Mas uma das maneiras de educar é não deixar impunes as coisas erradas que acontecem. É preciso ter um sistema rigoroso e justo de recebimento de denúncia e de investigação e transparência nos resultados. Isso dá trabalho. Quando se recebe uma denúncia, tem que garantir um tempo de defesa. São as instituições que têm condições de investigar o que acontece nas suas dependências. Elas podem fazer isso de maneira isenta e objetiva, mas há situações em que se deixam levar pelo corporativismo. Nesses casos, é preciso recusar a investigação da instituição e se cria uma crise política. Eu cuidei disso de 2011 até 2023. A maior parte dos casos não deu confusão, mas os poucos que deram foram difíceis.

Hoje o senhor se divide entre São Paulo e Rio de Janeiro?
Sim. Sou professor sênior na USP e oriento trabalhos na pós-graduação da filosofia. Além disso, sou professor colaborador da UFRJ, onde participo de seminários e ministro cursos livres. Como estou aposentado, agora tenho mais tempo para me dedicar à escrita acadêmica. Nos últimos cinco anos estou me debruçando sobre o pensamento de Aristóteles e já publiquei alguns artigos a respeito. Mas não tenho pressa. A produção teórica na filosofia é um trabalho que exige paciência.

A entrevista acima foi publicada com o título “Luiz Henrique Lopes dos Santos: O chamado da lógica” na edição impressa nº 351 de maio de 2025.

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