Olhar a ciência como negócio. Foi esse o conceito que orientou a criação do Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil dois anos atrás. O centro, o primeiro da gigante norte-americana de tecnologia da informação no hemisfério Sul, nasceu não apenas com o objetivo de buscar descobertas científicas e tecnológicas, mas também para gerar lucro e impactos positivos nos negócios de seus financiadores e fomentar a economia do conhecimento. O Brasil foi escolhido em 2010 para sediar a instalação – na época apenas o nono laboratório global da empresa – por conta das oportunidades de negócio que o país oferece e pela ênfase estratégica em inovação dada pelo governo nos últimos anos. “O país tem um bom ambiente de negócios, um rico ecossistema de pesquisa e desenvolvimento e talentos profissionais de sobra”, diz Ulisses Mello, de 54 anos, diretor do laboratório. “A pesquisa na IBM tem mais de 65 anos e começou em mercados maduros, nos Estados Unidos e Europa. Há alguns anos, focou nos países emergentes. Percebemos que era preciso estar onde as coisas acontecem. Por isso a decisão de abrir o centro de pesquisas no Brasil.”
A aposta, aparentemente, deu certo. Em dois anos de atividade, a equipe brasileira já gerou mais de 40 patentes e produziu acima de 100 artigos científicos – dois deles foram escolhidos como os melhores das conferências em que foram apresentados. A IBM Research se divide em duas estruturas equivalentes, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, e até 2015 deverá atingir a meta de 100 profissionais. “Diria que vamos superar essa meta antes do planejado”, conta Mello. Graduado em geologia pela Universidade de São Paulo (USP) e com doutorado na mesma área pela Universidade Columbia, nos Estados Unidos, antes de dirigir o laboratório brasileiro, ele liderava, em Nova York, a pesquisa global da companhia voltada ao desenvolvimento de inovações para o setor de recursos naturais. Pesquisador premiado – em 1998 recebeu o Wallace Pratt Award, principal comenda da Associação Americana de Geólogos de Petróleo –, contabiliza mais de 70 artigos publicados e três patentes.
Ciência de serviços
A IBM estabeleceu quatro focos de atuação para o seu centro de pesquisas no país. O primeiro é a chamada ciência de serviços. “A finalidade da equipe multidisciplinar é aprimorar os serviços que a IBM presta nas áreas de tecnologia da informação e consultoria. Também trabalhamos para tornar mais eficientes empresas que atuam no setor de serviços, como bancos e lojas, assim como órgãos da administração pública”, afirma o matemático Claudio Pinhanez, de 49 anos, doutor em ciência da computação pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ele coordena, desde São Paulo, a área que tem pesquisadores na capital paulista e no Rio de Janeiro. Um dos mais recentes desenvolvimentos do grupo liderado por Pinhanez foi a criação de um simulador capaz de prever o impacto das ações de comunicação em mídias sociais, como Facebook e Twitter, com base nos padrões de comportamento dos usuários.
Os primeiros resultados desse projeto, feito em parceira com pesquisadores do Departamento de Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, foram apresentados em maio no Latin American eScience Workshop 2013, promovido pela FAPESP e pela Microsoft Research, em São Paulo. Para criar o método inicial para modelar e simular as interações entre os usuários das redes sociais foram coletadas mensagens publicadas por 25 mil pessoas no Twitter do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e de seu adversário na última corrida presidencial, Mitt Romey, em outubro de 2012, último mês da campanha eleitoral. Os pesquisadores analisaram os conteúdos das mensagens e o que cada pessoa fez em relação à frequência de postagens, se eram positivas ou negativas, e o impacto das opiniões em outros usuários. “Essa tecnologia pioneira pavimenta o caminho tecnológico para a utilização efetiva de análise de sentimentos por empresas que atuam no mercado brasileiro”, destaca Pinhanez.
Desenvolver sistemas humanos inteligentes, com ênfase em eventos de larga escala, é o segundo segmento de negócios da unidade de pesquisa brasileira. O objetivo inicial dessa área é fomentar inovações que serão usadas nos grandes eventos esportivos que o país sediará nos próximos anos, como a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. O líder do setor, também coordenado a partir de São Paulo, é o engenheiro eletrônico paulista Sérgio Borger, de 47 anos, funcionário da IBM desde 1990. “Estava no meio do meu doutorado quando fui convidado pela empresa para participar do grupo que desenvolvia a primeira geração de sistemas de gerência de redes IP [Protocolo Internet]. Aceitei o desafio e fui para Raleigh, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Fiquei lá um ano e depois voltei ao Brasil. Passei por diversas áreas da companhia e, em 2009, me integrei ao grupo responsável pela montagem do IBM Research no país”, diz Borger.
Ele juntou-se à equipe liderada pelo pesquisador Fábio Gandour, um dos principais idealizadores do centro de pesquisas brasileiro. Paulista de São José do Rio Preto, médico por formação e com um doutorado em ciência da computação pela Universidade de Stanford, na Califórnia, Gandour, de 60 anos, é o maior defensor da ideia de fazer ciência como negócio. “Nosso laboratório nasceu a partir desse paradigma”, diz ele, que trabalha na companhia há 22 anos e tem especial interesse por computação de alta performance.
Ambientes complexos
Atual cientista-chefe do IBM Research Brasil, Gandour é o primeiro contato de todo empresário que bate às portas da empresa com uma demanda de solução. “O modelo de ciência como negócio se beneficia da ciência doutrinária feita na academia, mas tem um objetivo particular, o de produzir resultados com impactos relevantes nos negócios de quem a financia”, diz. Para ele, a ciência deve ser capaz de ajudar o setor produtivo, auxiliando-o a lidar com a complexidade do ambiente. A fim de atingir esse objetivo, a IBM realiza diversos projetos em parceria com universidades, centros de pesquisa e outras empresas.
O IBM Research também está conectado a outros laboratórios já existentes da companhia no país como na terceira linha de pesquisa do centro que é a geração de inovações relacionadas à descoberta, à exploração e à logística de recursos naturais, contemplando principalmente as áreas de petróleo e gás. Esse setor irá trabalhar de forma integrada com o Laboratório de Soluções para a Indústria de Recursos Naturais, com sede em São Paulo, e o Centro de Soluções para Recursos Naturais, baseado no Rio de Janeiro.
Um dos desenvolvimentos da IBM na área de petróleo e gás é a utilização de mesas digitais multitouch, um ambiente de visualização e interação que pode acomodar vários usuários ao mesmo tempo. Essas mesas permitem, por exemplo, a visualização colaborativa de modelos de reservatórios petrolíferos no fundo do mar. “Essa tecnologia já existe e está começando a ganhar força em diversos campos. Estou integrando mesas digitais às atividades de óleo e gás para torná-las mais cooperativas, intuitivas e interativas”, diz a pesquisadora pernambucana Nicole Sultanum, de 27 anos. Uma das mais novas integrantes da equipe de especialistas da IBM, ela é mestre em ciência da computação pela Universidade de Calgary, no Canadá, e especialista em interação homem-computador.
O quarto pilar do IBM Research é a pesquisa voltada ao desenvolvimento de dispositivos inteligentes que podem ser criados a partir dos avanços da área de semicondutores e microeletrônica. A empresa projeta que o laboratório se transforme em um centro de colaboração para empresas brasileiras e globais nas áreas de desenvolvimento e uso desses avanços. As soluções criadas no Brasil vão fortalecer a tecnologia gerada na IBM. Em 2012, pelo 20º ano consecutivo, a empresa liderou o ranking de registro de patentes nos Estados Unidos, de acordo com levantamento feito pela consultoria especializada IFI Claims. Em 2012, a companhia depositou 6.478 patentes, 5% a mais do que no ano anterior – o segundo lugar da lista ficou com a Samsung, com 5.081 registros. A área global de pesquisa da empresa é constituída hoje por 12 unidades localizadas em 10 países dos cinco continentes. Além do centro brasileiro e de três unidades nos Estados Unidos, a IBM mantém instalações na Suíça, na Irlanda, no Japão, na China, na Austrália, no Quênia, na Índia e em Israel. Ao todo, são mais de 3 mil pesquisadores, trabalhando em rede e dispondo de um orçamento anual de US$ 6 bilhões para pesquisa e desenvolvimento. Os recursos destinados a essa área corresponderam a 5,7% da receita bruta em 2012, de US$ 104,5 bilhões.
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