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Boas práticas

Fora de contexto

Cientistas apontam erros e deturpações em relatório climático do governo dos Estados Unidos

Um grupo de 87 cientistas de universidades e instituições de pesquisa norte-americanas revisou os resultados de um relatório sobre mudanças climáticas divulgado em julho pelo Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos e classificou-o como enganoso e repleto de erros. Os pesquisadores afirmam que os autores do documento do governo – quatro cientistas e um economista – selecionaram referências científicas enviesadas ou fora de contexto e enfatizaram incertezas de forma exagerada, a fim de minimizar as consequências perigosas do aquecimento global.

A revisão enumerou exemplos de como a ciência climática teria sido deturpada no relatório. Um deles é a meia-verdade segundo a qual o aumento do dióxido de carbono na atmosfera pode incrementar a produtividade agrícola, desconsiderando os impactos negativos do aumento do calor e dos eventos climáticos extremos sobre as lavouras. Outro é afirmar que mudanças no pH dos oceanos não representam ameaça à vida marinha. “A ciência mostra que a acidificação da água do mar no registro geológico frequentemente leva à extinção em massa dos animais que ali habitam”, diz James Rae, cientista da Terra na Universidade de St. Andrews. Já a cientista social Emily Williams, que faz pós-doutorado no Laboratório de Climatologia da Universidade da Califórnia em Merced, analisou as seções do relatório sobre seca e incêndios florestais. Para o DOE, eles não pioraram. “Diga isso às pessoas em Paradise ou Altadena, que perderam entes queridos em alguns dos incêndios mais mortais que a Califórnia já viu”, afirma. “O relatório do Departamento de Energia é enganoso, na melhor das hipóteses, e perigoso, na pior”, alerta Williams.

No prefácio do relatório do governo, intitulado “Uma análise crítica dos impactos das emissões de gases de efeito estufa no clima dos EUA”, o secretário de Energia americano Christopher Wright escreve que “a mudança climática é um desafio, não uma catástrofe, mas políticas equivocadas, baseadas no medo e não em fatos, podem realmente colocar em risco o bem-estar humano”. E afirma que, se os americanos impulsionarem a inovação em vez de restringi-la, “os Estados Unidos podem liderar o mundo no fornecimento de energia mais limpa e abundante”.

Ted Amdur, cientista do clima da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e um dos 87 que assinaram a revisão, afirmou que, assim como a indústria do tabaco financiou cientistas para questionar os malefícios do tabagismo, a indústria dos combustíveis fósseis se engajou em uma campanha coordenada ao longo dos anos 1990 para financiar cientistas dispostos a argumentar que era o sol, e não os humanos, o causador das mudanças climáticas observadas até então. “Quando uma agência federal apoia pontos de discussão propostos pela indústria de combustíveis fósseis 30 anos atrás em vez de se envolver com a ciência atual, é difícil não concluir que seja uma tentativa deliberada de enganar os tribunais e o público a fim de servir a interesses especiais”, diz.

O economista Travis Fischer, que coordenou o Grupo de Trabalho sobre Clima do DOE e foi um dos responsáveis pelo relatório, minimizou as críticas. “Se houver erros, serão corrigidos, é claro”, disse, segundo o serviço de notícias NPR. “Não sei se algum grupo como esse conseguiria produzir um documento de 150 páginas sem erros”, afirmou Fischer, que é diretor de estudos de políticas energéticas e ambientais do Instituto Cato, um centro sediado em Washington fundado por um grupo de empresários liderados pelo bilionário Charles Koch, que tem negócios na indústria de petróleo e papel e em finanças.

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